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24 XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL Natal, Rio Grande do Norte, 22-26 julho, 2013.

1.4. JOÃO DO NORTE E JOÃO DO RIO

3.2.2. PALAVRAS DA EDITORA E A CAPA AS EPÍGRAFES E O SUMÁRIO.

Na continuação da análise do discurso narrativo de “Os protocolos dos Sábios de Sião”, vamos analisar neste tópico as palavras da editora, as epígrafes, o sumário e a capa. Na medida em que esses elementos compõem uma assinatura, a assinatura “Gustavo Barroso”, é importante percebermos a narrativa que os embasa para pensarmos a autoria do livro em discussão. Comecemos pela capa.

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Figura 3- Capa de “Os protocolos dos Sábios de Sião” (1936)

Chamemos à atenção para os elementos que estão em “caixa alta”: do maior para o menor, o título do livro, figurando no primeiro plano e no mais alto ponto da capa; o nome “Gustavo Barroso”, o nome da editora e uma descrição do livro, “COMPLETO E APOSTILADO POR GUSTAVO BARROSO” (notem que a palavra “Barroso” é levemente maior do que “Gustavo”). Há também a imagem-logo da editora que ocupa espaço

99 significativo da página. Entre o título do livro e o nome “Gustavo Barroso” há uma espécie de descrição do conteúdo abordado pelo livro, nesse sentido, destaca-se a ideia do imperialismo judaico e de sua tentativa de domínio global contemplando provas documentais que provariam tal imperialismo. Assim sendo, podemos entender que a própria estrutura editorial do livro ao elaborar a capa coloca a autoria para o intelectual Gustavo Barroso, omitindo qualquer menção ao autor estrangeiro e dispondo o nome do intelectual no centro da página e colocando que essa autoria, simbolicamente, podia ser depreendida pelo mesmo percurso que há entre o título e assinatura, percurso este feito pela defesa da ideia de imperialismo judaico. De certa forma, fica insinuado que há algo na assinatura “Gustavo Barroso” que diz sobre “imperialismo judaico”. E curiosamente, como demonstramos nos capítulos anteriores, a tese do imperialismo judaico e seu papel desagregador sobre a nação brasileira era algo há muito defendido por Barroso na década de 1930. Não há menção, inclusive, a qualquer outro autor ou nome de pessoa da capa, senão “Gustavo Barroso”. Não há, de igual maneira, menção à qualquer vínculo institucional de Barroso, como a menção à Academia Brasileira de Letras (ABL), algo relativamente comum nos escritores do período e em seus livros. Tal autoria deve ser reforçada pelas informações acrescidas na contracapa, onde se diz que “Desta edição foram tirados, para bibliófilos, cem exemplares numerados de 1 a 100 e assinados pelo apostilador”. 211

Ou seja, Barroso foi reconhecido pelos seus leitores enquanto o autor do livro realmente pelo público.

Após a capa, o livro apresenta as “Razões desta edição”. Nesta parte, assinada pela Editora, subentende-se que já existia uma versão dos Protocolos em língua portuguesa, mas essa agora é uma tradução melhor, porquanto vertida diretamente do francês e feita com rigor pelo tradutor. 212 Nesse sentido, empreende-se o elogio de Barroso, mostrando que se trata de um nome reconhecido nacional e internacionalmente, mencionado aí sim o seu pertencimento à ABL. Portanto:

211 BARROSO, Gustavo. Os protocolos dos sábios de Sião. São Paulo: Minerva, 1936. p. VI. 212

100 Essa escolha foi determinada pelo profundo conhecimento que o mesmo adquiriu em matéria de judaísmo, possuindo uma biblioteca especializada no assunto. Autor do famoso livro “Brasil- colônia de Banqueiros”, em que pôs a nu a nefasta ação do judaísmo financeiro no nosso país, levantou no Brasil a campanha anti-judaica, não com a violência ou a calúnia, mas com a lógica e as provas documentais. É um técnico no importante assunto, segundo o consenso dos entendidos dentro e fora da pátria.213

Emendando, logo em seguida:

Tendo ocupado as mais altas posições políticas, administrativas e literárias- Secretário de Estado, Deputado Federal, Secretário Geral de Congressos Internacionais, Diretor-Geral de serviços públicos, Redator-Chefe de órgãos da imprensa, Presidente da Academia Brasileira de Letras [...]. Os leitores lerão as eruditas e profundas anotações do referido escritor, algumas tiradas de livros raríssimos e verão se fomos ou não bem inspirados na escolha. Temos a certeza de que todos estarão de acordo conosco.214

Podemos perceber que, de acordo com editora, a versão dos Protocolos sobre a qual nos debruçamos é inseparável do papel do intelectual Gustavo Barroso, de sua trajetória política e intelectual, de seus livros publicados anteriormente, enfim, do processo de construção de sua assinatura. Essa assinatura de Barroso ocupa um lugar estruturante do livro e da discussão em torno do imperialismo judaico.

Nessa estruturação do livro e enquanto orientação para o tema do imperialismo judaico encontram-se duas epígrafes: uma em português e outra, em francês. Acreditamos que a epígrafe em português é uma tradução de Barroso e um anexo feito por ele aos Protocolos, enquanto a epígrafe em francês consiste numa reminiscência da versão original em francês. Para esta epígrafe, contudo, deve valer que a sua permanência foi autorizada por Barroso. A primeira epígrafe assim escreve:

213 BARROSO, Gustavo. Op. cit. p. VIII-IX. 214

101 “O judaísmo é o enigma dos tempos modernos, o enigma que é preciso, afinal, decifrar na encruzilhada dos caminhos. Até aqui se obstinaram a julgar o judaísmo pela atividade positiva ou especulativa dos judeus. Péssimo método destinado a decepções! Os judeus! Mas eles têm participação em todas as empresas materiais e espirituais, em todas as resistências e em todas as revoltas”...

(A. DE MONZIE, Prefácio a KADMI-COHEN: Nômades, pág. X)215.

Essa epígrafe tem a função de apresentar o judaísmo como o tema mais importante da contemporaneidade, tema este que precisa ser desvendado com um método que se desenvolva em detrimento dos judeus, em detrimento de assertivas positivas sobre eles, porque assim estariam sido desenvolvidos os estudos judaicos, o que significava simplesmente o reflexo da enorme expressão dos judeus na sociedade, em termos econômicos, intelectuais e políticos. Para compreender os judeus é necessário ter como a priori ser contra eles. Alçada à condição de epígrafe e escrita em língua portuguesa, Barroso queria que isso ficasse claro para o leitor brasileiro. Era uma necessidade hermenêutica e epistemológica ser contra os judeus.

Versando em francês, a segunda epígrafe diz o seguinte:

“... Le Mystère d‟Israel laisse un à un tomber ses voiles. Sous son triple aspect économique, politique et spirituel, il sollicite inégalement mais universellment les espirits réfléchis de toutes nations”

(PIERRE PARAF: Israel, 1931, pág. 23)216

Acreditamos que essa epígrafe insere o problema da epistemologia e da hermenêutica da questão judaica, do imperialismo judaico, em torno do problema das nacionalidades. Se for fato a existência de um “mistério de Israel”, quer dizer, se os judeus ainda não foram plenamente compreendidos na contemporaneidade, também parece sê-lo que a dimensão desse mistério não é o mesmo para todas as nações, de modo que para uns e para outros os aspectos econômicos, políticos e intelectuais envolvidos na questão, ou qualquer um deles em particular, podiam figurar em estado mais avançado em umas nações em detrimento

215 BARROSO, Gustavo. Op. cit. p. XI. 216

102 de outras. Existem nações cujos intelectuais se sentem mais afetados e motivados ao desvendamento do mistério. Parece que Barroso ao deixar essa epígrafe quer sinalizar para a dimensão internacional que seria necessária atingir a compreensão do problema e a inserção de sua investigação tendo em vista a superação da questão judaica.

Tendo em vista à superação da questão do imperialismo judaico sobre a nação brasileira e almejando o despertar de outras nações para essa superação em escala internacional, Barroso organizou o livro com a seguinte estrutura e ordem de exposição disposta no índice:

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Figura 4- Sumário de “Os protocolos dos sábios de Sião” (1936)

O índice deixa claro que o número de páginas dos elementos, digamos, pretextuais dos Protocolos é um montante considerável, ainda mais se for percebido que cada página do texto propriamente dito foi anotada e comentada, com notas longas, o que se poderia dizer que tais elementos somam aproximadamente metade do livro todo. O índice mostra ainda que os dois capítulos iniciais são de dois proeminentes investigadores estrangeiros: Roger Lambelin

104 foi o responsável pela versão dos Protocolos em língua francesa, produtor justamente da versão traduzida por Barroso; W. Creutz foi o responsável por convencer os integrantes da internacional dos antissemitas217 de que os Protocolos eram autênticos e por articular essa preocupação com autenticidade com o Terceiro Reich. A escolha por esses intelectuais e a inserção deles nessa edição dos Protocolos mostra como Barroso se sentia enquanto pertencente a esse grupo da internacional antissemita e como procurava, por meio desses recursos, flexionar a sua autoria para a escala internacional. Podemos também observar que da mesma forma que ocorre na capa, no índice as sessões são organizadas para que o nome “Gustavo Barroso” ganhe centralidade na visualização do livro, uma vez que ele ocupa a terceira das seis sessões (estamos considerando o apêndice como uma sessão extra). O índice pressupõe o jogo entre as diversas escalas espaciais (a internacional, a nacional e a local) e chama a atenção para o convencimento de que os Protocolos constituem um documento autêntico, cujas ações descritas e o projeto representado são reais e estão em curso; bem como chama a atenção para a importância de, nesse processo de convencimento da autenticação, o leitor se informar por meio dos próprios autores judeus.

3.2.3. TERCEIRA PARTE: “O GRANDE PROCESSO DE BERNA E A AUTENTICIDADE