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A assinatura "Gustavo Barroso": análise do discurso narrativo de Ideias e Palavras, A Ronda dos Séculos e Os Protocolos dos Sábios de Sião (1917-1936)

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA E ESPAÇOS MESTRADO EM HISTÓRIA E ESPAÇOS LINHA DE PESQUISA CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS. ANTONIO FERREIRA DE MELO JUNIOR. A ASSINATURA “GUSTAVO BARROSO”: ANÁLISE DO DISCURSO NARRATIVO DE IDEIAS E PALAVRAS, A RONDA DOS SÉCULOS E OS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO (1917-1936). NATAL – RN 2017 1.

(2) UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA E ESPAÇOS MESTRADO EM HISTÓRIA E ESPAÇOS LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS. ANTONIO FERREIRA DE MELO JUNIOR. A ASSINATURA “GUSTAVO BARROSO”: ANÁLISE DO DISCURSO NARRATIVO DE IDEIAS E PALAVRAS, A RONDA DOS SÉCULOS E OS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO (1917-1936). NATAL – RN 2017 2.

(3) ANTONIO FERREIRA DE MELO JUNIOR. A ASSINATURA “GUSTAVO BARROSO”: ANÁLISE DO DISCURSO NARRATIVO DE IDEIAS E PALAVRAS, A RONDA DOS SÉCULOS E OS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO (1917-1936). Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História e Espaços pelo Programa de Pós-Graduação em História e Espaços da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.. NATAL - RN 2017 3.

(4) Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN Sistema de bibliotecas-SISBI Catalogação de Publicação da Fonte. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e ArtesCCHLA Melo Junior, Antônio Ferreira de. A assinatura "Gustavo Barroso": análise do discurso narrativo de Ideias e Palavras, A Ronda dos Séculos e Os Protocolos dos Sábios de Sião (1917-1936) / Antônio Ferreira de Melo Junior. - 2017. 134f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro De Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de PósGraduação em História e Espaços, 2017. Orientador: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.. 1. Barroso, Gustavo, 1888-1959. 2. Os Protocolos dos Sábios de Sião. 3. Antissemitismo. I. Peixoto, Renato Amado. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 94:323.12(=411.16). 4.

(5) ANTONIO FERREIRA DE MELO JUNIOR. A ASSINATURA “GUSTAVO BARROSO”: ANÁLISE DO DISCURSO NARRATIVO DE IDEIAS E PALAVRAS, A RONDA DOS SÉCULOS E OS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO (1917-1936). BANCA EXAMINADORA:. Professor Doutor Renato Amado Peixoto (Orientador) PPGH/DEHIS/UFRN. Professor Doutor Rodrigo Coppe Caldeira (examinador externo) PONTÍFICA UNIVERSIDADE CATÓLICA-PUC/MG. Professor Doutor Magno Francisco de Jesus Santos (examinador interno) PPGH/DEHIS/UFRN Natal, 31 de julho de 2017 5.

(6) AGRADECIMENTOS. Ingressamos no Programa de Pós-Graduação em História e Espaços da UFRN em 2015 e, passando por dificuldades pessoais, conseguimos elaborar esta dissertação durante o mês de julho de 2017. Para a realização dessa tarefa árdua, muitas pessoas nos auxiliaram, e a elas gostaríamos de prestar os nossos humildes agradecimentos. Gostaria de agradecer ao professor Renato Amado Peixoto não apenas por ser meu orientador, mas também pela compreensão, persistência e preocupação demonstradas ao longo desses dois anos e por me acompanhar desde a graduação, com participação em projetos, em base de pesquisa e em bolsas de iniciação científica. Seguindo o seu conselho, não desisti do mestrado. Muito obrigado por tudo! Agradeço ao colegiado dos professores do Departamento de História na pessoa do professor Henrique Alonso Pereira por me ouvir com atenção, ter se sensibilizado em determinado momento diante de questões da minha vida pessoal e ter me permitido entregar o texto da qualificação em um prazo posterior. Muito obrigado! Agradeço à minha mãe, Hermínia, por passar e sentir comigo as dores e as alegrias desses últimos tempos! Agradeço às tias Ana Oliveira, Helena Oliveira e Damiana Santos pela preocupação sincera; e aos primos Helenilda Oliveira e Sérgio Oliveira pelo auxílio prático e pela preocupação, sem os quais não teria me mantido por esse tempo; aos primos Elias Oliveira e Emanuel Oliveira pelas conversas no WhatsApp; à Emanuela Oliveira; à prima Jacione Santos agradeço de forma muito especial pelo seu auxílio, presença, preocupação e por permitir que os seus dois filhos, Mário e Matheus, sintam o sabor de torcer pelo América. Muito obrigado! Agradeço aos presentes que Deus nos deu a honra de conhecer: nossa futura sogra Ivonete Marcolino, pela caridade, compreensão acolhimento; Francisco Marcolino pela presença; Francilene Marcolino pela presença fraterna; Gabriel Vieira pelas conversas fraternas, pela presença; Francinete Marcolino pelo acolhimento, pela solicitude, pelas orações; Francinaide Marcolino pelo acolhimento, pelas partilhas, pelas risadas; Inácio Ferreira pela sinceridade, pelas conversas, pelos risos; Vítor pelo carinho, luz e alegria. Muito obrigado a todos! 6.

(7) Agradeço imensamente ao meu amigo Gideão Pedro por permanecer meu amigo mesmo na adversidade, pela confiança em partilhar coisas da sua vida e pela disponibilidade em me escutar e me ajudar. De igual maneira, agradeço ao meu amigo Silvio Normando, pois mesmo anos difíceis não conseguiram apagar a nossa amizade; a fraternidade, a escuta e o respeito continuam o mesmo. Muito obrigado! Agradeço a todos os colegas da turma do mestrado, especialmente: à Patrícia Morais pelas conversas, desabafos, parceria na base de pesquisa e pelo grande aprendizado recolhido desde à primeira graduação; a Monique Maia, Djair Silva, Jandson Bernardo, Henrique Lopes, Gabriela Macedo, Luciano Capistrano, Luciano Rodrigues e Flávia Assaf pelo compartilhamento das angústias durante as disciplinas. Muito obrigado! Agradeço imensamente à Daniela Leirias por ter fomentado à minha entrada na base de pesquisa, por assim me introduzir na pesquisa do tema; pelas longas conversas, companheirismo, sinceridade. Muito obrigado, Dani! Agradeço também a Pedro Barros pelas longas conversas, partilhas e parceria nas reuniões da base de pesquisa. De maneira similar, agradeço a Manoel e a Luiz, colegas de base de pesquisa. Agradeço aos professores Raimundo Arrais, Francisco Santiago, Juliana Souza pelas disciplinas ministradas, pelas leituras oferecidas e pelo conhecimento compartilhado. Ao professor Arrais, mais ainda, agradeço pela participação na banca de qualificação, pela confiança, pelas críticas e pelo contato estabelecido desde a graduação. Muito obrigado! Agradeço ao professor Wiclife Costa pela honra de ter sido seu aluno durante a graduação. Muito obrigado! Agradeço ao professor José Evangelista Fagundes por ter me dado a oportunidade, ainda na graduação, de participar do meu primeiro projeto de pesquisa para assim semearmos hoje os frutos do mestrado. Muito obrigado! Agradeço ao professor Rodrigo Coppe Caldeira por aceitar participar da banca de defesa; e ao professor Magnos Santos, pelas indicações preciosas na banca de qualificação e por aceitar participar da banca de defesa. Muito obrigado!. 7.

(8) Agradeço aos funcionários da universidade e dos arquivos por onde passamos desde a graduação. Especialmente, agradecemos à Lúcia, Manuel e Zé Maria, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; e a Luann Alves pelas informações e pela ajuda prestada na secretaria da pós-graduação. Deixo por fim, porque vai ser o primeiro, o agradecimento àquela por quem o meu coração anela. Muito obrigado, Francimara Marcolino, por permanecer comigo em todos os momentos, sobretudo nos mais difíceis, por vivificar a minha existência com os sorrisos, os choros, os desafios que enfrentamos diariamente. Muito obrigado pelo incentivo à conclusão desse mestrado. Estar ao seu lado tem um valor que nenhum diploma poderá igualar. Um imenso muito obrigado!. 8.

(9) À minha avó Maria (In Memoriam), com a certeza de que com ela se foi um pedaço enorme de mim também. Ao meu avô Oscar (In Memoriam), pelo exemplo de luta.. 9.

(10) RESUMO. O objetivo desta dissertação é discutir o processo de autonomização da assinatura “Gustavo Barroso” por meio do exame do discurso narrativo presente em Ideias e Palavras, em A Ronda dos Séculos e em Os Protocolos dos Sábios de Sião, obras publicadas por Gustavo Adolfo Dodt Luiz Guilherme da Cunha Barroso entre 1917 e 1936. Defendemos a ideia de que Os Protocolos dos Sábios de Sião constituem um novo texto produzido por Barroso a partir dos insumos das suas obras anteriores, e não simplesmente uma tradução da versão francesa do documento-marco do antissemitismo contemporâneo. Nesse intuito, baseamo-nos nos textos da Nova História Política, da história do espaço nacional e da Religião Política para percebermos como essa assinatura vai se adensando a partir da tese do imperialismo judaico e da afirmação da nacionalidade brasileira, tendo em vista a produção de um discurso narrativo contra os judeus. Em respeito a isso, utilizamos como referencial metodológico os livros Narrative Discourse: An Essay in Method (1990) e Paratexts: Thresholds of interpretation (2001), de Gérard Genette, e dedicamos um capítulo da dissertação para cada obra. No primeiro capítulo, caracterizamos o discurso narrativo de Ideias e Palavras, mostrando como a dubiedade da assinatura “João do Norte (Gustavo Barroso)” explicita uma apreciação positiva dos judeus. No segundo capítulo, caracterizamos o discurso narrativo de A Ronda dos Séculos pensando a autonomia da assinatura e o processo de negativação dos judeus. No terceiro capítulo, analisamos o discurso narrativo dos Protocolos dos Sábios de Sião e discutimos que a assinatura “Gustavo Barroso”, já autônoma, assume a forma de antijudaísmo e antissemitismo. Demonstramos a continuidade da escala internacional como compreensão espacial e temporal, a descrição de ambientes físicos como pressuposto da psicologia dos personagens, a inserção de pássaros como marcação das clivagens na narrativa, o aparecimento da guerra como constante histórica, citação de judeus para discorrer sobre os judeus e a compreensão da natureza humana como tendente à destruição. Estudar os escritos de Gustavo Barroso é importante na medida em que ele é considerado o expoente do antissemitismo brasileiro, foi ele quem concatenou teoricamente o confluxo entre catolicismo e integralismo, de modo que ele se tornou um dos autores mais citados pelos antissemitas contemporâneos como uma forma legitimar as perseguições às minorias e o pensamento autoritário. Palavras-chave: Gustavo Barroso. Discurso narrativo. Os Protocolos dos Sábios de Sião. Antissemitismo.. 10.

(11) ABSTRACT. This study aims discuss the process of autonomy of signature “Gustavo Barroso” with the exam of the Narrative discourse present in Ideias e Palavras, A Ronda dos Séculos and Os Protocolos dos Sábios de Sião, books published by intellectual Brazilian Gustavo Adolfo Dodt Luiz Guilherme da Cunha Barroso between 1917 and 1936. We defend the idea that Os Protocolos dos Sábios de Sião [The Protocols of the Elders of Zion] constitute a new text, not simply a translation of French version. . In this sense, we are based on the texts of the New Political History, the history of the national space and the Political Religion, in order to understand how this signature builds on the thesis of the Jewish imperialism and the affirmation of Brazilian nationality, in view of the production of narrative discourse against the Jews. In this respect, we use as a methodological reference the books Narrative Discourse: An Essay in Method (1990) and Paratexts: Thresholds of interpretation (2001), by Gérard Genette, and dedicate a chapter of the dissertation for each work. In the first chapter, we characterize the narrative discourse of Ideias e Palavras, showing how the dubiousness of the signature "João do Norte (Gustavo Barroso)" makes explicit a positive appreciation of the Jews. In the second chapter, we characterized the narrative discourse of A Ronda dos Séculos, thinking about the autonomy of the signature and the process of negativation of the Jews. In the third chapter, we analyze the narrative discourse of Os Protocolos dos Sábios de Sião and we discuss that signature "Gustavo Barroso" and Anti-semitism. We demonstrate the continuity of the international scale as spatial and temporal comprehension, the description of physical environments as a presupposition of the psychology of the characters, the insertion of birds as a mark of the cleavages in the narrative, the appearance of war as a historical constant, citation of Jews to discuss the Jews and the understanding of human nature as tending to destruction. Studying the writings of Gustavo Barroso is important insofar as he is considered the exponent of Brazilian anti-Semitism, it was he who theoretically concatenated the conflux between Catholicism and integralism, so that he became one of the authors most quoted by contemporary anti-Semites as a form legitimize persecution of minorities and authoritarian thinking. Keywords: Gustavo Barroso. Narrative Discourse. The Protocols of the Elders of Zion. AntiSemitism.. 11.

(12) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. 14. CAPÍTULO 1 – „IDEIAS E PALAVRAS‟ E A ASSINATURA “JOÃO DO NORTE-(GUSTAVO BARROSO)”. 28 1.1 – CONTEXTO HISTÓRICO: BARROSO, A GRANDE GUERRA E O 28 ROMANTISMO 31 1.2 – O DISCURSO NARRATIVO DE IDEIAS E PALAVRAS (1917) 1.2.1- VOZ DO NARRADOR E VELOCIDADE DA NARRATIVA. 31. 1.2.2- AS ESCALAS ESPACIAIS E OS PERSONAGENS. 34. 1.2.3- PRINCIPAIS IDEIAS. 37. 1.3 – O LUGAR OCUPADO PELOS JUDEUS. 45. 1.4 – JOÃO DO NORTE E JOÃO DO RIO. 48. CAPÍTULO 2 – A RONDA DOS SÉCULOS E A AUTONOMIA DA ASSINATURA “GUSTAVO BARROSO” 2.1 – O DISCURSO NARRATIVO DE A RONDA DOS SÉCULOS (1933) 2.1.1- VOZ DO NARRADOR E VELOCIDADE DA NARRATIVA 2.1.2- AS ESCALAS ESPACIAIS E OS PERSONAGENS 2.1.3- PRINCIPAIS IDEIAS E FUNÇÃO DAS EPÍGRAFES 2.2 – O ESPAÇO DA GUERRA 2.3 – ESPAÇO INTERNACIONAL, ESPAÇO JUDAICO. 51 53 53 58 61 63 75. CAPÍTULO 3 – A NAÇÃO BARROSIANA, OS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS 83 DE SIÃO E A „HISTÓRIA DO BRASIL EM QUADRINHOS’ 84 3.1 – NAÇÃO BARROSIANA E HISTÓRIA DO BRASIL EM QUADRINHOS 12.

(13) 3.2- O DISCURSO NARRATIVO DOS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO (1936) 3.2.1- NOME DO AUTOR, O TÍTULO E A APRESENTAÇÃO DO LIVRO. 87 87. 3.2.2- PALAVRAS DA EDITORA E A CAPA. AS EPÍGRAFES E O SUMÁRIO. 97 3.2.3- TERCEIRA PARTE: “O GRANDE PROCESSO DE BERNA E A AUTENTICIDADE DOS PROTOCOLOS DOS SÁBIOS DE SIÃO: PROVAS 104 DOCUMENTAIS” 3.2.4- AS NOTAS. 108. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 123. REFERÊNCIAS. 127. 13.

(14) INTRODUÇÃO. Só a pena me fica na mão fatigada. E ela foi como um arado bendito: rasgou de novo a terra e fez brotar a messe clamada. Graças a ela, creio, sobrevivi ao terremoto, sobrei da República Velha. 1. O nosso objetivo nesta dissertação é discutir o processo de produção e autonomização da assinatura “Gustavo Barroso” por meio do exame do discurso narrativo presente em Ideias e Palavras2, em A Ronda dos Séculos3 e em Os Protocolos dos Sábios de Sião4, cobrindo assim o recorte entre 1917 e 1936. Defendemos a ideia de que Os Protocolos dos Sábios de Sião não são simplesmente uma tradução, mas sim uma obra alargada, um novo texto produzido por Barroso a partir dos insumos das suas obras anteriores. O recorte histórico do início do século XX, iniciado com a eclosão da Grande Guerra (1914-1918), foi marcado pela debilidade dos governos ao não conseguirem melhorar a condição humana das pessoas, uma vez que não superaram o desemprego, a fome e a miséria decorrente do conflito bélico, razão pela qual os valores caros à civilização liberal, tais como a desconfiança da ditadura, o compromisso com governos constitucionais, a liberdade de expressão dos cidadãos e o racionalismo no serviço público, entraram em descrédito. A queda do liberalismo, como veio a ser chamada pela historiografia5, permitiu a ascensão de governos fascistas como o de Mussolini na década 1920 e de Hitler em 1930, fomentando a disseminação do pensamento nacionalista como uma forma de tentar solucionar os problemas sociais gerados. Neste cenário, o pensamento nacionalista católico se fortaleceu mais do que todos os outros nacionalismos, porque a Igreja Católica construíra uma experiência de contestação ao liberalismo desde pelo menos o século XIX.. 1. BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 07 de janeiro de 1933. Instituto Ludovicus, Natal. 2. JOÃO DO NORTE (Gustavo Barroso). Ideias e palavras. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurício, 1917.. 3. BARROSO, Gustavo. A ronda dos séculos. São Paulo: Livraria José Olympo, 1933.. 4. BARROSO, Gustavo. Os protocolos dos sábios de Sião. São Paulo: Minerva, 1936.. 5. HOBSBAWM, Eric. A queda do liberalismo. In: ______. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 113-143.. 14.

(15) Essa experiência de contestação ao liberalismo tornou hipostática a relação entre a Igreja Católica e o nacionalismo, inclusive porque o catolicismo constituiu-se enquanto um dos seus depósitos originários. De acordo com Benedict Anderson6, existem três raízes culturais que explicam as origens do nacionalismo: as percepções temporais disseminadas pela imprensa no século XVIII, que ajudaram a formar uma imaginação comum entre as pessoas; o reino dinástico, que estabeleceu as fronteiras e as organizações territoriais; e a comunidade religiosa. A comunidade religiosa teria produzido o nacionalismo por meio da ideia de fraternidade, que fortaleceu os vínculos entre os fiéis em detrimento da consciência de cada um na dinâmica das classes sociais, e o teria difundido por meio de uma língua sagrada (o latim para o catolicismo), proporcionando a comunicação entre esses fiéis não obstante as dificuldades impostas pelas distâncias territoriais. O entrelaçamento entre a fraternidade religiosa e a língua sagrada, ambas trabalhadas retoricamente, produziu as chamadas “comunidades políticas imaginadas”. A comunidade política nacional brasileira começou a ser gestada discursivamente em meados do século XIX com a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), que se constituiu enquanto o centro de um projeto histórico com vistas à produção da escrita da história e da produção do espaço nacional, de modo a garantir a gestão sobre o território recém-independente. Neste projeto, a atuação de Francisco Luís Adolfo de Varnhagen torna-se destacada enquanto funcionário público e intelectual comprometido com a questão nacional, desempenhando a função de elo entre o IHGB, a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros (SENE) e as unidades territoriais, e disseminando uma visão homogeneizadora da nação e da identidade em que a metrópole ocupava a função de civilizadora das periferias7.. 6. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 7. Sobre o papel do IHGB e seu projeto histórico, ver: GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos. Rio de Janeiro. N. 1, 1988, p. 5-27; PEIXOTO, Renato Amado. A máscara da Medusa: a construção do espaço nacional brasileiro através das corografias e da cartografia no século XIX. Tese (Doutorado em História). UFRJ, Rio de Janeiro, 2005. Sobre o papel de Varnhagen enquanto funcionário público e elo institucional, ver: GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Francisco Adolfo de Varnhagen: servidor público e historiador. In:______. Historiografia e nação no Brasil. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2011; e PEIXOTO, Renato Amado. “Enformando a nação”. In:______. Cartografias imaginárias: Estudos sobre a construção da história do espaço nacional brasileiro e a relação História & Espaço. Natal: EDUFRN, 2011. p. 11-48.. 15.

(16) Esse projeto foi parcialmente continuado pelos nacionalistas católicos brasileiros no prelúdio da ordem republicana em 1899, momento em que a Igreja é separada do Estado e perde parte de sua representatividade política, e particularmente entre 1916 e 1940 foi conduzido pelo bispo do Rio de Janeiro Dom Sebastião Leme por meio do ideário da neocristandade, no intuito de marcar uma presença forte na sociedade por meio da cristianização das principais instituições, do controle das práticas religiosas populares, da consolidação territorial católica com a criação das dioceses e da atuação de intelectuais leigos.8 Um desses intelectuais9, Gustavo Adolfo Luiz Guilherme da Cunha Barroso (1888-1959), nasceu em Fortaleza, Ceará, formou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1912, fundou e dirigiu o Museu Histórico Nacional, atuou como político, jornalista, folclorista, historiador, geógrafo, tradutor, leitor e adaptador de textos em latim, alemão, inglês, francês e espanhol. Mais do que isso, sendo um intelectual comprometido com o fascismo, ele atuou como doutrinador da Ação Integralista Brasileira (AIB) e foi o responsável por discernir teoricamente e discursivamente a colusão entre catolicismo e integralismo no período entre as duas guerras mundiais, propagando um ódio acentuado e persecutório contra os judeus em nome da nação brasileira10. Em todos os livros de apologia ao integralismo, ele empregou um diminutivo do seu comprido nome para identificar a si, aos temas de estudo e ao estilo de escrita. Nascia “Gustavo Barroso”. Nesta dissertação, a nossa. 8. MAINWARING, Scott. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 4143. Do grupo de nacionalistas católicos, Alceu Amoroso Lima tornou-se o líder da intelectualidade leiga católica brasileira, sendo o responsável pela condução da revista A Ordem, a principal publicação católica da década de 1930. Por outro lado, de forma marginal à liderança de Alceu, Gustavo Barroso tornou-se o líder do grupo mais extremista, claramente fascista e dramaticamente antissemita. Ver: RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem: uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte: Autêntica, 2005; DANTAS, Elynaldo Gonçalves. Gustavo Barroso, o Führer brasileiro: Nação e identidade no discurso integralista barrosiano (1933-1937). João Pessoa: Ideia, 2015. 9. A compreensão de intelectual e de sua ação política é pensada aqui nos termos da Nova História Política. Ver: RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003. Para o conceito de intelectual, ver: SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 231-270. 10. PEIXOTO, Renato Amado. From “Apostles‟ Creed” to the Cult of the Duce: an Exam of the Collusion between Catholicism and Fascism in Interwar Brazil. In: HENDERSON, Gary (Editor). Catholicism: Rites, History and Social Issues. New York: Nova Science Publishers, 2017, Chapter 2. Trata-se do texto mais importante para o nosso trabalho, na medida em que desnaturalizou o problema da autoria em Gustavo Barroso porque demonstrou as múltiplas influências estabelecidas entre Cascudo, padre Cabral e Barroso nos livros integralistas e que a colusão entre catolicismo e fascismo no Brasil foi estabelecida no Brasil por meio dos recursos discursivos do intelectual cearense.. 16.

(17) preocupação de historiador está na compreensão da relação entre uma determinada forma de assinar o texto, a sua autoria, e o conteúdo dos livros identificados com essa assinatura, concebendo a autoria de forma desnaturalizada e trazendo a sua discussão para a história dos espaços. Entendemos que, dentro do confluxo entre a história dos espaços, a história do pensamento católico e do fascismo no Brasil, o problema da autoria “Gustavo Barroso” é um acontecimento a incomodar os historiadores; como uma esfinge o problema da autoria interroga-nos sobre essa assinatura; como uma fênix, ele nasce, se faz novo, renasce sempre a partir de elementos tradicionais, perpassando os mais turbulentos contextos, como o da primeira metade do século XX.11 O problema da autoria angustiou o autor a ponto de ele ter que dedicar uma explicação nas suas memórias, publicadas postumamente. A explicação atribui uma diminuição do nome ao período em que ainda estava no Ceará, especificamente quando do seu ingresso no Liceu do Ceará, e atribuí outra diminuição após a obtenção do grau de bacharel: Entrei na secretaria. Deram-me uma pena e indicaram-me onde devia assinar. O meu nome por extenso espantou o secretário e maravilhou o bedel: Gustavo Adolfo Luís Guilherme Dodt da Cunha Barroso. O secretário declarou que nas listas de chamada não poderiam figurar mais de quatro apelidos e escolheu: Gustavo Adolfo Dodt Barroso. O destino do meu nome era mesmo ser diminuído quanto mais crescesse. Oficialmente reduziram a Gustavo Dodt Barroso, graças à minha carta de bacharel. Eu o limitei ao mínimo possível: Gustavo Barroso. 12. Podemos perceber que a mudança de nome é tida como relevante pelo próprio autor e que a escolha por “Gustavo Barroso” é atribuída ao autor pessoalmente, ao contrário da diminuição inicial, explanada mediante a participação de terceiros. Também aparece como explicação o recurso discursivo do “destino” como fator a impelir a mudança de nome. Seria o destino, em última instância, o produtor da assinatura “Gustavo Barroso”. No entanto, o exame de algumas partes das memórias, lidas à luz do que lemos de todas as obras do autor, 11. Reportamo-nos ao texto de François Dosse em que o conceito de acontecimento designa o transcorrer dos eventos e os recursos narrativos empregados para explicar esses eventos, de modo que o principal elemento de distinção do acontecimento é a sua imprevisibilidade. Ver: DOSSE, François. Renascimento do acontecimento: um duplo desafio para o historiador: entre a esfinge e a fênix. São Paulo: UNESP, 2013, especialmente a terceira parte, “O acontecimento na era das mídias”. 12. BARROSO, Gustavo. Memórias de Gustavo Barroso. Fortaleza: Governo do Estado do Ceará, 1989. p. 162.. 17.

(18) nos auxilia a aprofundar ainda mais o problema da autoria nesse caso. De forma recorrente ao longo dos três volumes de suas memórias, o autor se remete às suas origens familiares frisando o vínculo deles, sobretudo dos seus avós, às tradições germânicas e folclóricas. Seu avô materno, Gustavo Luís Guilherme Dodt, é apresentado como “engenheiro e doutor em filosofia pela Universidade de Iena”, enquanto a sua avó, Guilhermina Joana Lanzehr, como integrante da “velha nobreza de Walsrode” e sua mãe, Ana Guilhermina, por seu turno, como a “diplomada com as mais altas notas pela Escola Normal de Hamburgo”. Ou seja, as grandes realizações intelectuais são atribuídas aos familiares germânicos, realizações das quais o autor quer se fazer herdeiro. Da parte paterna, o autor também destaca a sua avó, de onde viria o sobrenome “Barroso”, como “repositório vivo das tradições do Ceará” e como alguém que se preocupara com a genealogia familiar. Assim, o autor parte do reconhecimento enquanto herdeiro de tradições germânicas e brasileiras. Devemos apontar também que o autor não usava apenas a identificação “Gustavo Barroso” nos seus textos, empregando também “João do Norte”, “Gustavo” e “G. Barroso”. A peculiaridade é que essas assinaturas são dispostas simultaneamente a “Gustavo Barroso” ou remetendo indiretamente a ela. Em Ideias e Palavras, livro publicado em 1917, o autor emprega o pseudônimo “João do Norte” como autoria e coloca do seu lado “Gustavo Barroso”, significando assim um intelectual dividido entre as orientações europeias, germânicas e românticas e as orientações brasileiras, cearenses e folclóricas 13. As cartas trocadas entre o autor e Luís da Câmara Cascudo no período de 7 de janeiro de 1933 até 9 de dezembro de 1935 trazem a identificação “Gustavo”, e não se tratava da existência da separação entre um vínculo afetivo, de amizade, e um vínculo político intelectual, porque na epístola de 25 de maio de 1934 ele apresenta informações e expectativas sobre o progresso do movimento integralista, afirmando para o amigo e companheiro integralista que “O progresso do movimento em Belo Horizonte e Rio Grande do Sul é de espantar”, que “Nós venceremos e somos uma linda página da História do Brasil”, e que, “Pelo triunfo do Brasil”, deseja querer “que o integralismo seja aí um exemplo. Não lhe falta capacidade, cultura, caráter e fé. 13. JOÃO DO NORTE (Gustavo Barroso). Ideias e palavras. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurício, 1917. Façamos observar que o pertencimento a mundos distintos parecia generalizado para ideologias consideradas opostas no Pós-Guerra, dada a análise recente acerca do líder da intelectualidade comunista, Luís Carlos Prestes. No caso de Prestes existia a tensão entre o nacionalismo e o internacionalismo. Ver: REIS, Daniel Aarão. Luís Carlos Prestes: um revolucionário entre dois mundos. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.. 18.

(19) para ser um dos nossos grandes chefes” e concluindo a missiva com o “anauê!”.14 De igual maneira, algumas dessas cartas trazem a assinatura “G. Barroso” e discorrem sobre o autor católico, nacionalista argentino e antissemita Hugo Wast. 15 Esses dados mostram que os temas sobre os quais discorriam as cartas com as assinaturas menos famosas têm as mesmas preocupações marcantes das produções integralistas, de modo que a assinatura “Gustavo Barroso”, amplamente conhecida pela produção integralista, era o que as embasava. Nesse sentido, trabalhamos por meio da ideia de que a autoria produz uma memória vegetal, memória esta intrínseca aos livros, e acreditamos que a proeminência de uma forma de assinar sobre outra integra uma ação deliberada do autor em direção à produção mnemônica16. No esforço de enxergar o poder onde ele parece mais invisível, entendemos a autoria como uma produção simbólica, como uma estrutura ao mesmo tempo estruturada e estruturante da realidade social, por isso, a discussão em torno da autoria se torna uma discussão sobre os sistemas de dominação, no caso como esse sistema de dominação moldou a produção de uma história da nação brasileira a partir das preocupações intelectuais dos fascistas.17 Sendo assim, as assinaturas constituem indícios de que o problema da autoria não pode ser encarado de forma naturalizada e coloca indagações como estas a serem respondidas: como foi produzida a autonomia da assinatura “Gustavo Barroso”? Quais os recursos narrativos e quais os temas caracterizadores dos livros que contêm essa assinatura? Quais as 14. BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 25 de maio de 1934. Instituto Ludovicus, Natal. Ver também as outras cartas com a assinatura “Gustavo”: BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 07 de janeiro de 1933. Instituto Ludovicus, Natal/RN; BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 24 de janeiro de 1933. Instituto Ludovicus, Natal; BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 22 de julho de 1935. Instituto Ludovicus, Natal; BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 08 de dezembro de 1935. Instituto Ludovicus, Natal. 15. BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 06 de junho de 1936. Instituto Ludovicus, Natal. Sobre Hugo Wast, ver: LVOVICH, Daniel. Uma mirada sobre el antisemitismo de la década de 1930: El Kahal-Oro de Hugo Wast y sus comentaristas. Cuadernos del CISH, año 4, nro. 5, p. 131-150, 1999. 16. Sobre a ideia de uma memória vegetal, isto é, uma memória intrínseca aos livros, ver: ECO, Umberto. A memória vegetal e outros ensaios sobre bibliofilia. Rio de Janeiro: Editora Record, 2014, especialmente o capítulo 1, “A memória vegetal”. Neste ponto, recepcionando a questão do espírito de Estado posta por Bourdieu para a questão da autoria de Gustavo Barroso, caberia a indagação: a historiografia não estaria sendo pensada por um Barroso no qual acredita pensar?. Ver: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996, p. 91. 17. BOURDIEU, Pierre. Sobre o poder simbólico. In: ______. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL, 1989. p. 7-16.. 19.

(20) escalas espaciais empregadas e quais os personagens? Quais os recursos discursivos mais recorrentes? Qual a concepção de espaço presente nos livros assinados com “Gustavo Barroso”? Acreditamos que para responder as questões colocadas pelo problema da autoria e racionalizá-lo em termos de uma história dos espaços é necessário considerar, antes de tudo, a compreensão dos pressupostos da relatividade e da constituição do espaço enquanto elementos caracterizadores de sua natureza18, para retomarmos uma concepção do espaço enquanto o amálgama de produções mentais, como tal, alicerçada em um conjunto complexo de ideias e no conjunto imagético- discursivo.19 Inserimo-nos, assim, na linha “Cultura, Poder e Representações Espaciais” do Programa de Pós- Graduação em História e Espaços (PPGH) por centralizarmos a discussão em torno do espaço produzido pelas relações de poder e pelo discurso oriundo da assinatura “Gustavo Barroso”, a qual é abordada enquanto uma ideia complexa basilar para a produção espacial e política do intelectual Gustavo Barroso. A nossa premissa é que certas noções sobre o espaço deveriam ser discutidas e compartilhadas para a possibilidade da construção de uma história da nação brasileira20. A nossa preocupação em estudar academicamente o tema iniciou-se em 2013 com a realização do trabalho de conclusão de curso versando sobre o desenvolvimento da tolerância religiosa na sala de aula21, o que nos fez persistir na intenção de estudar história do pensamento católico e por isso resolvemos cursar o Bacharelado em História. A partir desse momento, passamos a integrar a base de pesquisa do professor Doutor Renato Amado Peixoto 18. KERN, Stephen. The Nature of Space. In: ______. The Culture of Time and Space (1880-1918). Cambridge, Massachusetts, London: Harvard University Press, 1983. p. 131-180. 19. “Espaço é um termo abstrato para um conjunto complexo de ideias. Pessoas de diferentes culturas diferem na forma de dividir seu mundo, de atribuir valores às suas partes e medi-las. As maneiras de dividir o espaço variam enormemente em complexidade e sofisticação, assim como as técnicas de avaliação de tamanho e distância. Contudo existem certas semelhanças culturais comuns, e elas repousam basicamente no fato de que o homem é a medida de todas as coisas. Em outras palavras, os princípios fundamentais da organização espacial encontram-se em dois tipos de fatos: a postura e a estrutura do corpo humano e as relações (quer próximas ou distantes) entre as pessoas”. TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983, p. 39; “[...] conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em dois campos distintos, na verdade elas são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos e rochas”. SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 17. 20. PEIXOTO, Renato Amado. Cartografias imaginárias: estudos sobre a construção da história do espaço nacional brasileiro e a relação História e Espaço. Natal: EDUFRN, 2011. 21. MELO JUNIOR, Antonio Ferreira de. A mudança é possível! O uso de documentos escritos e a construção da tolerância religiosa na sala de aula. UFRN. Trabalho de conclusão de curso de Licenciatura em História. Natal: Departamento de História, 2013. 180p. Orientação da Profa. Dra. Crislane Azevedo Barbosa.. 20.

(21) e a aprofundar o estudo do pensamento católico. O resultado do Bacharelado foi o trabalho de conclusão de curso versando sobre o jornal católico A Ordem na década de 193022 e um trabalho sobre a relação entre Igreja Católica e Geopolítica. 23 Na referida Base de Pesquisa, fomos inseridos em projetos de pesquisa, contemplados com bolsas de iniciação científica e estabelecemos discussões sobre os livros de Padre Herôncio, Padre Lustosa Cabral, Leon de Poncins e, especialmente, Gustavo Barroso. De fato, a realização dessas reuniões foi fundamental para a escrita desta dissertação, porque significou o nosso primeiro contato com as obras de Gustavo Barroso, nos impelindo a refletir sobre elas e nos permitindo recolher as contribuições dos colegas da Base de Pesquisa e do próprio orientador sobre elas. Além dessas reuniões, outro acontecimento contributivo à escrita desta dissertação foi a participação no Encontro Nacional da ANPUH24, que trouxe à Natal um simpósio temático de estudos sobre o catolicismo. Neste Encontro, passamos a conhecer os principais temas do campo, os seus referenciais teóricos e metodológicos, as principais teses norteadoras e também os termos em que o debate estava sendo encaminhado pelos pesquisadores. Durante a realização do Encontro, mantivemos contato com os pesquisadores, ampliamos os contatos acadêmicos e com base nisso escrevemos um projeto de pesquisa ambicioso para o mestrado, projeto que foi avaliado como o de maior nota na seleção de ingresso ao Programa de PósGraduação em História e Espaços da UFRN25, mas que por problemas de ordem privada só conseguimos encaminhar parcialmente, notadamente a pequena e fundamental constituinte desta dissertação. A investigação sobre o problema da autoria é importante por aprofundar a historiografia dos espaços e a história política acerca desse intelectual, uma vez que esse problema ainda não foi alvo de trabalho acadêmico. Em relação à dimensão política, a 22. MELO JUNIOR, Antonio Ferreira de. A construção do padre João Maria no Jornal A Ordem (19301935). UFRN. Monografia. Natal: Departamento de História, 2015. 110p. Orientação do Prof. Dr. Renato Amado Peixoto. Uma parte da contribuição da monografia havia sido publicada em forma de artigo, ver: MELO JÚNIOR, Antonio. Um sacerdote integral: o padre João Maria na narrativa do monsenhor Alves Landim (NATAL, RN- 1933-1936.). Revista Espacialidades (online). 2013, v. 6, n. 5, p. 216-233. 23 MELO JUNIOR, Antonio Ferreira de. A estratégia geopolítica da Igreja: maçonaria, comunismo e protestantismo no jornal A Ordem. XXV Congresso de Iniciação Científica da UFRN. Natal, RN. 24 XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA- CONHECIMENTO HISTÓRICO E DIÁLOGO SOCIAL. Natal, Rio Grande do Norte, 22-26 julho, 2013. 25 MELO JUNIOR, Antonio Ferreira de. Escolheste Barrabás: catolicismo e antissemitismo na construção da nação brasileira narrada por Gustavo Barroso (décadas 1920 e 1930). Projeto de Mestrado. UFRN: PPGH, 2015. 16p.. 21.

(22) historiografia tem retomado a análise da produção integralista barrosiana, mostrando a sua íntima relação com os intelectuais católicos, a ligação existente entre credo integralista e credo católico, a colusão entre Integralismo e catolicismo e o seu pertencimento ao grupo de fascistas clericais.26 Trabalhos importantes acerca da ideia de nação em Gustavo Barroso a partir de seus discursos integralistas conseguiram demonstrar também que ele foi o produtor do Plano Cohen e constataram a importância do recurso da animalização na escrita dele 27, assim como conseguiram demonstrar que Gustavo Barroso procurava atenuar os elementos raciais de seu discurso e, nesse sentido, o antissemitismo seria a grande continuidade e a constante da escrita barrosiana devotada ao integralismo, pois ele teria aproveitado a crítica ao comunismo comum aos membros da AIB para disseminar o antissemitismo e ganhar mais partidários de suas ideias, tendo em vista a disputa interna com Plínio Salgado situada nos círculos das lideranças integralistas28. Esses trabalhos se alicerçaram em estudos clássicos que, levando em consideração esse caráter político, demonstraram a existência de uma visão de mundo poligenista na escrita barrosiana, pois a partir de obras como O Quarto Império, escrita em 1935, Barroso teria internalizado a ideia de diversos centros de criação da humanidade29, assim como demonstraram a proximidade do ideário presente nos discursos e nos livros de Barroso em relação à cultura alemã, notadamente do nazismo e de outros movimentos da extrema direita.30 Além disso, trabalhos recentes desenvolveram uma perspectiva de estudos sobre a escrita de si em Gustavo Barroso, debruçando-se sobre livros marginais ao cânone integralista e demonstrando por meio do exame de obras como Coração de Menino, publicada em 1939, que na década de 1930 já existia uma preocupação do 26. PEIXOTO, Renato Amado. “Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma”: Integralismo e catolicismo nos escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES, C.M; ZANOTO, G; CALDEIRA, R.C. Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo: Fonte editorial, 2015, p. 99-126. PEIXOTO, R. A. A colusão entre o catolicismo e o integralismo no Rio Grande do Norte (1932-1935). In: XXVIII Simpósio Nacional de História- Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios, 2015, Florianópolis. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de História – Lugares dos historiadores: velhos e novos desafios. São Paulo: ANPUH, 2015. v. I. PEIXOTO, Renato Amado. “System of the heavens”: um exame do conceito de colusão por meio do caso da criação do núcleo da AIB em Natal. Revista Brasileira de História das Religiões, ANPUH, ano IX, n. 25, maio/agosto de 2016, p. 121-150. 27 DANTAS, Elynaldo Gonçalves. Gustavo Barroso, o Führer brasileiro: Nação e identidade no discurso integralista barrosiano (1933-1937). João Pessoa: Ideia, 2015. 28 DE JESUS, Carlos Gustavo Nóbrega. O anticomunismo de Gustavo Barroso: a ação política como instrumento para um discurso antissemita. In: RODRIGUES, Cândido Moreira (Org.); BARBOSA, Jefferson Rodrigues (Org.). Intelectuais e comunismo no Brasil: 1920-1950. Cuiabá: Editora da UFMT, 2011, p. 15-34. 29 MAIO, Marcos Chor. Nem Rothschild, nem Trotsky: o pensamento antissemita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1992. 30 CYTRYNOWICZ, Roney. Integralismo e antissemitismo nos textos de Gustavo Barroso na década de 30. São Paulo. Dissertação de mestrado em História Social. São Paulo: FFHLS/USP, 1992.. 22.

(23) intelectual em torno da produção de sua memória aliada a um fascínio pelo “passado belicista da nação”. 31. , bem como demonstraram a necessidade de maior compreensão dos livros não. integralistas e do seu impacto na produção histórica porquanto viveria ele um esquecimento na contemporaneidade.32 Para o aprofundamento da compreensão acerca da atuação política e intelectual de Gustavo Barroso, partindo da primeira perspectiva historiográfica e adensandoa com os insumos da segunda, imaginamos ser necessária a análise de obras que antecedam à produção do cânone integralista barrosiano e a atenção sobre as obras que apenas indiretamente puderam ser atribuídas a ele, por isso, voltamos aos anos anteriores a 1930 e também a nos deparamos com os Protocolos dos Sábios de Sião. A nossa hipótese é que os recursos discursivos e narrativos presentes nos livros não integralistas de Gustavo Barroso foram transplantados para os livros integralistas, sendo que a assinatura “Gustavo Barroso” seria ela mesma um desses principais recursos e teria ela sido produzida e tornada autônoma em alusão à questão judaica, logo, acreditamos que o discurso negativado sobre os judeus perpassa tantos as obras integralistas quanto as não integralistas. Em razão disso, resolvemos empreender a análise de três obras: Ideias e Palavras, de 1917; A Ronda dos Séculos, publicada em 1920, mas trabalhada a partir da edição mais famosa de 1933; e Os Protocolos dos Sábios de Sião, de 1936. Essas obras foram conseguidas por meio da Biblioteca da Universidade Federal de Fortaleza, da Biblioteca Central Zila Mamede em Natal e do acervo pessoal de Renato Amado Peixoto. Escolhemos a primeira obra porque ela marca o momento em que a assinatura “Gustavo Barroso” está se autonomizando visto que na capa e na referência consta como assinatura precípua “João do Norte”. A segunda porque é uma obra de contos publicada simultaneamente à publicação de obras de apologia ao integralismo ainda ignorada pela historiografia e que traz exclusivamente a assinatura “Gustavo Barroso”. Os Protocolos são aparentemente a obra mais evidente para a percepção do problema de autoria nesta dissertação, porque originalmente ela não foi escrita por Gustavo Barroso, era um dos livros mais lidos na Europa, considerado um dos documentos falsos mais antissemitas da história e que, no Brasil, vai receber uma tradução muito peculiar de Gustavo Barroso o qual, por meio da assinatura 31. CERQUEIRA, Erika Morais. O passado que não deve passar: História e Autobiografia em Gustavo Barroso. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Mariana, 2011. 32. MAGALHÃES, Aline Monteiro. Troféus da guerra perdida: um estudo histórico sobre a escrita de si de Gustavo Barroso. Tese de doutorado em História. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 2009.. 23.

(24) “Gustavo Barroso” e do uso expressivo de notas de rodapé, passa a ser referenciado como o seu autor. O conjunto dessas três obras determinou o recorte de nosso estudo, entre 1917 e 1936. Nesse sentido, retomamos as contribuições de Norman Cohn e Umberto Eco. Eco nutria um fascínio pelos Protocolos dos Sábios de Sião, era algo que lhe incomodava e lhe desafiava à compreensão; uma ideia-fixa que o perseguiu por toda a vida. O problema dos protocolos ficcionais teve sua centralidade exposta na teoria literária do autor italiano com o lançamento do livro Seis passeios pelos bosques da ficção33. Empregando a metáfora do bosque, cara a Jorge Luís Borges, para se referir ao papel moldador da vida das pessoas presente nas narrativas de textos ficcionais, ele apresenta ao longo do livro as formas e os exemplos de como a ficção molda a realidade, mostrando as consequências positivas e as consequências negativas desse poder do ficcional. Do lado positivo, ele enfatiza a busca pelo sentido da vida e o preenchimento de sentido que os textos ficcionais proporcionam. Do lado negativo, o autor enfatiza o antissemitismo e a teoria da conspiração universal, com toda a perseguição aos judeus e a consequente Solução Final. O texto ficcional seria então um bosque que se bifurca, impelindo em todo momento o leitor a fazer escolhas. Essa perspectiva de Eco tornou-se preciosa para nós e clareou as nossas ideias por dois motivos principais. Primeiro, porque o autor discute as narrativas ficcionais a partir de um fundo histórico e geográfico e emprega uma metáfora espacial para expressar o problema, mostrando que existe o entrelaçamento entre o problema do espaço e o do ficcional explícito nos “bosques da ficção”. O segundo motivo é que o autor imaginou o problema tendo como referência o antissemitismo, especialmente os Protocolos dos Sábios de Sião, como resulta claro da leitura do último capítulo do livro. Neste capítulo, intitulado “Protocolos ficcionais”, o autor insinua que o exemplo paradigmático de como a ficção se expressa em bosque são Os Protocolos dos sábios de Sião devido à forma como foram compostos e aos seus recursos narrativos. O bosque da ficção são protocolos ficcionais, sendo assim o seu desvendamento é de importância salutar para a historiografia porque curiosamente o relativismo historiográfico tem sido produzido em detrimento desse escorrimento da questão judaica sobre a produção do conhecimento histórico.. 33. ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.. 24.

(25) Norman Cohn34, o historiador que desvendou a falsidade e a ficção constituinte dos Protocolos, afirma que na década de 1930 os Protocolos eram o livro mais lido na Europa, ficando atrás em número de leitores apenas para a Bíblia Sagrada, uma vez que recebeu versões diversas e tradução para diversas línguas, tais como o inglês, o francês, o espanhol, o russo, dentre outras. Certamente em atenção a isso e na busca da maior compreensão dos bosques da ficção, Umberto Eco escreveu outro livro sobre o tema que lhe incomodava e que nos serve de orientação, a saber: O cemitério de praga35. Quando escreveu o livro Eco já contava com mais de setenta anos de idade, acreditamos que é a grande obra dele sobre a temática, ele pensou em cada detalhe que escreveu. Baseando-se em fontes documentais como diários de época e cartazes de jornais e panfletos, o autor cria o personagem Simonini, que vive na Europa no final do século XIX, dentro de um contexto em que teorias da conspiração, seitas secretas, complôs, ódio ao judeu e disputas nacionais são encaradas com certa naturalidade no enredo em que atuam os seus personagens históricos (notemos que Sigmund Freud também se faz presente enquanto personagem do livro). No entanto, o que queremos chamar à atenção não é o conteúdo em si do livro, e sim a sua forma. A impressão que temos com base nas leituras que fizemos em nossa Base de Pesquisa de livros de autores antissemitas é que nesse livro Eco como que atacou a produção antissemita a partir de suas próprias características, ou seja, misturou elementos reais com ficcionais para mostrar como foram produzidos os Protocolos e evidenciar a sua ficção. Aliás, a forma como Simonini, o personagem principal, age é muito semelhante à forma como os judeus agem na narrativa de Gustavo Barroso, isto é, uma ação subterrânea, dúbia e sempre à frente de seus oponentes. Ao escrever o livro dessa forma, Umberto Eco nos ensinou que para a compreensão dos intelectuais reconhecidamente antissemitas precisamos enveredar pelo bosque de suas produções ficcionais, razão pela qual não entendemos a tradução dos Protocolos e as obras integralistas feitas por Barroso como ponto de partida de suas construções espaciais, especialmente o seu projeto de nação, e sim como ponto de chegada. Como orientação metodológica para a análise dessas obras, baseamo-nos nos escritos de Gérard Genette e no seu conceito de discurso narrativo. Por discurso narrativo devemos entender uma dupla relação: relação entre um discurso e os eventos aos quais ele se 34. COHN, Norman. “Die Protokolle der Weisen von Zion”: Der Mythos der jüdischen Weltverschwörung. Baden-Baden; Zürich: Elster Verlag, 1997. 35. ECO, Umberto. O cemitério de Praga. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 2012.. 25.

(26) refere e a relação entre a trama discursiva e o ato de produzi-la36. Isso significa que, independente de as obras narrarem acontecimentos reais ou fictícios, a nossa atenção vai recair sobre elementos como a ordem da narração, o tipo de texto, a duração, a frequência, a velocidade e a voz constituintes da narrativa, pois esses elementos todos em conjunto e em interação formam o discurso de determinada obra. Mais ainda: analisar as obras à luz do discurso da narrativa significa partir do particular em direção ao geral e assumir que nenhum texto existe sem os elementos paratextuais (paratexto é considerada uma zona fronteiriça, de interação entre o peritexto, isto é, os elementos internos à obra, e o epitexto, os elementos externos), logo, o nome assumido pelo autor, o pseudônimo, prefácio, capas e notas de rodapé não devem ser coadjuvantes na análise historiográfica, porque são os fundamentos e os protagonistas para a produção discursiva da obra. Sendo assim, o nome de um autor não é um dado natural, e sim uma expressão contratual oriunda da relação entre o gênero textual, a história da obra e o paratexto, relação esta sempre dinâmica, móvel, jamais estática no tempo37. Com base nesse método e nas orientações teóricas, a dissertação está dividida em três capítulos, cada qual contemplando uma das obras analisadas. No primeiro capítulo, caracterizamos o discurso narrativo de Ideias e Palavras, tentando discutir o significado que a assinatura “João do Norte (Gustavo Barroso)” adquire à luz desse discurso. Assim, procuraremos mostrar as escalas espaciais, os temas e caracterizaremos cada uma das assinaturas, mostrando que, nesse processo de nomeação do autor, cumpria uma imagem positiva dos judeus, apontando que a assinatura “João do Norte” se remetia a “João do Rio”. No segundo capítulo, caracterizamos o discurso narrativo de A Ronda dos Séculos pensando o significado que adquire nesse discurso a autonomia da assinatura “Gustavo Barroso”. Mostraremos que a autonomização de “Gustavo Barroso” é acompanhada por um processo de negativação dos judeus e com a ampliação do papel da escala espacial internacional na narrativa e das guerras enquanto constantes históricas. Finalmente, no terceiro capítulo, analisamos o discurso narrativo dos Protocolos dos Sábios de Sião e discutimos que a assinatura “Gustavo Barroso”, já autônoma, se infla a ponto de não ser empregada apenas. 36. GENETTE, Gérard. Narrative Discourse: An Essay in Method. New York: Cornell University Press, 1990. p. 27. 37. GENETTE, Gérard. Paratexts: Thresholds of interpretation.New York: Cambridge University Press, 2001, especialmente “Introduction” e o capítulo 3, “The name of the author”.. 26.

(27) como um elemento colaborador de um processo de tradução da obra, mas sim da produção da autoria dela, elaborando outro texto.. 27.

(28) CAPÍTULO 1- „IDEIAS E PALAVRAS‟ E A ASSINATURA “JOÃO DO NORTE(GUSTAVO BARROSO)”. [Ideias e Palavras] é literatura apressada38. 1.1.. CONTEXTO. HISTÓRICO- BARROSO,. A GRANDE. GUERRA E. O. ROMANTISMO No seu seminal estudo sobre as origens da nacionalidade brasileira por meio da investigação de sua formação literária, Antônio Cândido39 caracterizou o contexto de produção e expôs as principais características do texto literário e da postura intelectual imbricada na ideia de Romantismo. Nascido no contexto da Independência do Brasil, de Portugal, especificamente no recorte em 1836 e 1880, o romantismo brasileiro nasce enquanto uma preocupação dos grupos intelectuais em afirmar e produzir a grandeza da jovem nação por meio de sua individualização e peculiaridade nas relações com outras nações europeias. Trata-se do esforço de erguimento de uma “literatura nacional”. Nesse movimento, destaca-se o período entre 1833 e 1836 em que um grupo liderado por Domingos José Gonçalves de Magalhães passou a se reunir em Paris, onde moravam, com a intenção de exaltar a sua jovem nação, esforço que culminou na fundação da revista Niterói, “Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes”, que publicava textos sobre literatura, música, química, economia, direito e astronomia alusivos ao referido recorte geográfico. Munido assim desse patriotismo e tendo essa presença marcante em solo francês, o romantismo brasileiro apresentaria duas características marcantes principais em suas diversas narrativas: primeiro, a concepção da religião enquanto religiosidade, despida de seu aspecto institucional ou dogmático, e enquanto um espiritualismo mais aberto e mais revelador, visto que mais aprazível ao livre desenvolvimento do Eu, do egocentrismo e de toda subjetividade. A segunda característica seria o indianismo, ou seja, a forma recorrente de apresentar o índio como o verdadeiro 38. BARROSO, Gustavo. Rio de Janeiro [carta] para CASCUDO, Luís da Câmara. Natal [carta]. 20 de agosto de 1920. Instituto Ludovicus, Natal. 39. CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1750-1836). Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 2000, 2 volumes.. 28.

(29) brasileiro em diversas narrativas, sendo que esse índio é geralmente apresentado como o gentil-homem, o virgem, o primitivo capaz de ser assimilado à cultura europeia, com uma tendência para particularizar temas considerados grandes (para essa conclusão é particularmente influente o livro O Guarani, de José Alencar). Em relação à posição e à sensibilidade40, o romantismo prima pelo individualismo e pelo relativismo, com fortes conotações locais e regionalistas, com um senso de isolamento quando se debruça sobre a natureza, conceito este associado ao cosmos e ao mundo. Além disso, de modo geral o autor romântico trabalha com a ideia de uma missão, sejam à qual ele se sente submisso, seja à qual submete os seus personagens, missão esta enquanto uma “representação de um destino superior, regido por uma vocação superior” tendo em vista a mudança das coisas do mundo por meio da explicitação de seu ponto de vista particular. 41 Publicada em 1917, quando Gustavo Adolfo Dodt da Cunha Barroso contava dezenove anos de idade e com a vívida experiência de residente em Fortaleza, no Ceará, a obra Ideias e Palavras42 consiste no primeiro livro do autor, que assim se debruçava sobre temas dispersos e diversos, tais como: observações folclóricas, manifestações culturais, animais, comentários sobre a política externa com ênfases nas guerras entre os países e ainda sobre religião, em especial o catolicismo. O conjunto complexo de temas e a formulação de um discurso narrativo capaz de abarcar e tornar coerente cada parte indicam um intelectual dividido entre as tradições locais referidas aos elementos pitorescos e as grandes questões nacionais e internacionais, trazendo assim uma assinatura dupla, uma dupla nomeação da autoria: “Gustavo Barroso” e “João do Norte” aparecem na capa do livro. Sendo assim, neste tópico objetivamos caracterizar o lugar social de Barroso na escrita e no contexto de publicação de Ideias e Palavras a partir de sua vinculação ao romantismo e ao folclore, tendo como referência o livro de Renato Ortiz.43 Nossa tese é, então, que Barroso se caracteriza como um intelectual romântico e folclorista, estando inserindo, portanto, em um movimento 40. “O Romantismo, porém, revoca tudo a novo juízo: concebe de maneira nova o papel do artista e o sentido da obra de arte, pretendendo liquidar a convenção universalista dos herdeiros da Grécia e Roma, em benefício de um sentimento novo, embebido de inspirações locais, procurando o único em lugar do perene”. CÂNDIDO, Antônio. Op. cit.. p. 22. 41. CÂNDIDO, Antônio. Op. cit. p. 25-26.. 42. JOÃO DO NORTE (Gustavo Barroso). Ideias e palavras. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurício, 1917.. 43. ORTIZ, Renato. Românticos e folcloristas: cultura popular. São Paulo: Edições Loyola, 1992.. 29.

(30) de pensadores como o de José Alencar, seu conterrâneo e expoente do romantismo e do pensamento acerca da nacionalidade brasileira devido à obra O Guarani44. Considerando o romantismo não somente como uma perspectiva psicológica, mas principalmente em sua perspectiva histórica, ele pode ser compreendido como um movimento literário surgido na Europa entre os séculos XVIII e XIX caracterizado pelo amálgama de posições políticas, culturais, artísticas e literárias. Com predominância da influência de autores alemães, como Herder, Goethe e Schiller, o movimento contrapõe-se ao classicismo, ao iluminismo e a mercantilização da arte.45 Assim, um desses amálgamas estabelecidos foi entre o romantismo e o folclore, ocorrido principalmente no mundo anglófilo e francófilo. Os folcloristas e os românticos se mesclam no século XIX por meio da preocupação em salvar uma cultura popular ameaçada pelas transformações da modernidade e pelos imperativos da industrialização, sendo que coube aos românticos a produção de uma compreensão dos populares enquanto pessoas ingênuas, anônimas e espelhos da alma nacional e ainda, como no caso de José Alencar, tido como o protótipo do romântico brasileiro, a associação entre o popular e o nacional na produção da nação brasileira.46 Como características da produção escrita romântica, podemos destacar o gosto pelo exótico, a escrita sobre países estrangeiros longínquos, um fascínio pelo Oriente, pela magia e pela história local, uma narrativa cuja ordem contesta a continuidade histórica e a ideia de progresso, a valorização das lendas enquanto arquivos de nacionalidade, a compreensão de que o povo é portador e transmissor fidedigno de uma tradição e a valorização dos segmentos considerados mais afastados da ideia de civilização, tais como o mundo do campo e o camponês.47 Especificamente no que concerne ao romantismo brasileiro vinculado à obra de José de Alencar, podemos identificar como suas características por meio da explicitação dos recursos discursivos e narrativos de O Guarani o mito da crença da paralização do tempo histórico, com um tempo e espaços virgens, a ideia de uma pureza original na fundação da 44. Cf. ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Ática, 2002.. 45. NUNES, Benedito. A visão romântica. In: GUINSBURG, J. (Org.). O romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993, cap. 3, p. 25-50. Devemos notar a preponderância da cena intelectual alemã na produção da visão romântica, lembrando que Barroso reclama como herança as tradições germânicas da sua família. Sobre o romantismo alemão, ver: ROSENFELD, Anatol. Aspectos do romantismo alemão. In:______. Texto/contexto. São Paulo: Perspectiva, 1969. p. 145-168. 46. ORTIZ, Renato. Op. cit. p. 6-7.. 47. Cf. ORTIZ, Renato. Op. Cit. p. 76-96.. 30.

(31) nacionalidade brasileira, a retratação dos personagens a partir de estereótipos figurativos, representando a castidade, a civilização, a selvageria e a paixão, citações de fontes históricas reais para endossar o seu conteúdo ficcional, a apresentação do amor enquanto amor assexuado e a aplicação do recurso externo/interno como uma forma de afastar para longe qualquer elemento perturbador da ordem. 48. 1.2.. O DISCURSO NARRATIVO DE „IDEIAS E PALAVRAS‟ (1917). 1.2.1. VOZ DO NARRADOR E VELOCIDADE DA NARRATIVA Constituído por quarenta e dois capítulos, dispostos em dezessete partes e ocupando duzentos e cinquenta e sete páginas, o livro em discussão é marcado pela abrangência de temas, tratados de forma subjetiva, sem linearidade, sem obedecer a uma linha evolutiva e cronológica. Os capítulos e as partes são apresentados tendo como lógica apenas a individualidade de seu autor, que não traz introdução, prefácio, notas nem referências bibliográficas ou documentais apesar de citá-las no início de cada capítulo como uma estratégia de desenvolvimento de determinado tema. De certa forma, o título reflete a dispersão interna na escrita: o autor apresenta ideias e palavras que julgou importante serem lançadas diante do contexto espiritual e cultural no qual se encontra a Humanidade. Aliás, a voz narrativa, tecida explicitamente em primeira pessoa, tem como foco de preocupação a humanidade, de modo que mesmo informações referidas à história local do seu Ceará ou de um país ou cidade pouco conhecida são percebidos como grandes acontecimentos humanitários, portanto, dignos de nota. Partindo de acontecimentos locais enquanto para demonstrar realidades mais genéricas e dentro de grande quantidade de temas, a narrativa torna-se densa e pesada, jogando muitas informações para o leitor. Embora cada capítulo tenha sua leveza própria e sua coerência interna, considerando o conjunto dos capítulos, a densidade prevalece sobre a leveza. O autor assume um tom pessimista em relação ao mundo contemporâneo, pois supõe que a humanidade está regredindo intelectual e culturalmente, nesse sentido, a sua escrita assume também a missão de salvação dessa mesma humanidade. Assim, assumindo um ponto de vista ocidental, Barroso começa o livro fazendo alusão a dois grandes 48. ORTIZ, Renato. Op. Cit. p. 76-96.. 31.

Referências

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