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Na realização deste estudo propusemos discutir acerca da oralidade no ensino de Língua Portuguesa, tendo como norte a questão se o ensino de Língua Portuguesa tem proporcionado práticas em sala de aula com a modalidade oral. Nesse sentido, procuramos investigar se os livros didáticos da EJA, de 6º e 7º anos, contemplam atividades voltadas para aspectos da oralidade e de gêneros orais, classificando-as em dimensões embasadas por Marcuschi (2010), Leal, Brandão e Lima e (2012). Essas dimensões englobam os principais aspectos ressaltados pelos estudos da área e pelos PCN que tratam do estudo da modalidade oral, que são elas: valorização de textos de tradição oral, oralização do texto escrito, variação linguística, relações entre fala e escrita e produção e compreensão de gêneros orais. Desta forma, nossa reflexão possibilitou constatar que as obras analisadas da coleção ―É tempo de aprender‖ procuram contemplar em suas propostas a oralidade como objeto e eixo de ensino, conforme orientam os documentos oficiais. Ressaltamos que, na medida em que privilegiam atividades didáticas variadas na direção de favorecerem o trabalho na sala de aula, estimulam a produção de textos orais, considerando os aspectos: variação linguística, relação fala e escrita, gêneros orais, oralização do texto escrito.

Nesse contexto, podemos observar que há atividades propostas no material didático com gêneros orais que não se limitam apenas a apresentar os gêneros e a propor suas produções, mas procuram trabalhar a discussão do gênero, as características, organização e função. No entanto, verificamos a necessidade de complementações por parte dos professores para que essas atividades possam ser desenvolvidas dentro de sequências didáticas, conforme o que apresentam Schneuwly e Dolz (2004) quando propõem procedimentos para o ensino dos gêneros orais e escritos.

Verificamos que há uma preocupação com atividades que estimulam o diálogo e a participação do aluno nas diversas etapas de realização das sequências didáticas. Essas sequências são constituídas por questões que se direcionam a promoção de discussões e instigam a participação do educando na problematização da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento das habilidades de argumentar, de defender pontos de vista, jogando luzes na construção de uma consciência mais crítica e interventiva.

No entanto, destacamos a necessidade de ampliar as atividades, envolvendo a realização de gêneros públicos formais, como por exemplo, os gêneros: seminário, debate, entrevista, exposição oral, debate, entre outros. Embora os livros apresentem atividades voltadas para a produção de alguns desses gêneros, observamos que o número de atividades ainda é incipiente se compararmos com as atividades de estímulo as conversas espontâneas entre os alunos, a compreensão textual, entre outros.

Tendo em vista que reconhecidamente esses gêneros ocupam papel social significativo nas práticas dos sujeitos, se faz necessária uma atenção especial para seu estudo na Educação de Jovens e adultos, considerando a necessidade social que representa o desenvolvimento de habilidades orais para inserção dos jovens no mundo do trabalho e no contexto das diversas relações sociais mediadas pela linguagem, materializadas nos gêneros.

Enfatizamos a importância que os estudos dos textos orais representam para esse segmento, considerando que, os jovens e adultos precisam ser preparados para utilizar a fala em situações sociais públicas, desde as mais espontâneas as mais formais e elaboradas. Dessa forma, eles se sentem mais autônomos, confiantes e dispostos a se posicionar diante de questões conflitantes, utilizando o diálogo para defender escolhas, emitir pontos de vistas, defender interesses, atuando assim como protagonistas das suas causas e das mudanças desejadas.

Desse modo, o desenvolvimento de habilidades orais contribui para que mudanças significativas sejam realizadas na vida dos jovens e adultos, por isso, a importância das reflexões e propostas considerarem nas atividades os conhecimentos que os alunos trazem de sua comunidade. Neste sentido, estamos enfatizando que é dando voz e vez para cada aluno que se promove a oportunidade de constituição do sujeito cidadão. Sem dúvida, tais questões relacionadas ao ensino contribuem efetivamente para a construção de relações mais democráticas e emancipadoras.

É certo que a sociedade brasileira já conquistou inúmeros espaços de participação social que funcionam como canais de discussão das questões de interesse comum, como os espaços de controle social das politicas públicas, onde muitos programas apresentam gestões colegiadas. Podemos citar, por exemplo, no contexto educacional, os conselhos escolares, os grêmios estudantis, os conselhos de alimentação e caixa escolar; entre outros. Esses espaços assegurados aos

cidadãos precisam ser ocupados por pessoas minimamente preparadas para debater questões pertinentes e operacionalizar informações. No entanto, percebemos um esvaziamento muito grande nessas instâncias por parte dos alunos, dos seus pais e até mesmo dos educadores; isso se deve em parte pela cultura de não participação da maioria da população, mas, também, pela falta de educação e qualificação das pessoas para atuarem nesses espaços.

Compreendemos que a implementação das orientações e estudos acerca da modalidade oral da língua com a inserção de conteúdos, metodologias e materiais didáticos que contemplem propostas didáticas com a oralidade são componentes importantes para a efetivação da oralidade como objeto de ensino. No entanto, há que se buscar também, melhorias em todo sistema de ensino, no sentido de que um conjunto de ações e investimentos sejam feitos para que a educação seja eficiente e de qualidade, como: melhoria na estrutura física das escolas, valorização dos professores, formação continuada etc.

Destacamos que o estudo também nos proporcionou ampliar a visão da oralidade no ensino. Como educadora, nosso olhar para a oralidade se resumia a oportunizar ao aluno dialogar, expor ideias, participar da aula e trabalhar os gêneros de maneira pouco sistemática. Com as leituras, ao longo da produção dessa reflexão, percebemos que o trabalho com os gêneros orais e seus domínios, especialmente em situações reais de uso, com objetivos que perpassem a vida dos alunos, promove a participação social dos educandos e contribui para que eles ocupem espaços de poder e decisão, utilizando a linguagem como meio de crescimento profissional, pessoal e social.

Consideramos importante, também, enfatizar que, como professores, precisamos nos preocupar com as questões que envolvem os aspectos discursivos e linguísticos no ensino da oralidade. Porém, não devemos nos esquecer de que todos os conhecimentos devem estar a serviço da construção de pessoas mais humanas; capazes de utilizar a fala nos diversos contextos; sabendo respeitar as diferenças de opinião; acolhendo o posicionamento dos outros, e, principalmente, os interessados em utilizar os saberes para construir uma sociedade melhor, mais ética e sustentável.

Como resultado dos aprendizados e experiências oportunizados por este trabalho, na perspectiva de contribuir com uma discussão que não se realiza apenas no plano da teoria, buscamos transpor os saberes construídos para prática e

partilhá-los com outros educadores que desejam ampliar os conhecimentos e habilidades envolvidos no trabalho didático com a oralidade.

Nesta pesquisa privilegiamos como ponto de partida estabelecer um diálogo com o educador Paulo Freire, que compreende a educação como um processo que deve conduzir a uma leitura crítica do mundo com o objetivo de transformá-lo para melhor. Nessa perspectiva, a linguagem assume papel central nas relações sociais, na construção do conhecimento, uma vez que, é através da língua que os sujeitos se relacionam e atuam no mundo.

Desse modo, nas situações sociais em que a participação por meio da fala constitui exigência fundamental que oportuniza o sujeito intervir nos espaços de maneira crítica, interventiva e transformadora, se faz necessária a preparação dos educando para essas situações. Nesse sentido, a escola deve promover o desenvolvendo das habilidades necessárias para que o aluno domine os gêneros orais fundamentais para as situações formais públicas e informais, como a capacidade de expor suas ideias, defender pontos de vistas, argumentar, propor, atuando assim, como protagonista de sua história.

A partir dessa reflexão, algumas propostas podem ser pensadas com vistas à implementação de uma perspectiva de trabalho com a oralidade na sala de aula, como a elaboração de materiais didáticos que sistematizem aspectos de gêneros orais e oportunizem aos alunos o acesso a diversos gêneros que tem incidência maior nas práticas sociais formais.

Não pretendemos, assim, deixar nosso trabalho arquivado em espaços de bibliotecas; pensamos em divulgá-lo, em apresentá-lo na nossa escola, e torná-lo ponto de partida para que outros docentes possam também realizar seus estudos, suas investigações, suas propostas inovadoras. Desse modo, estaremos atentos para as possibilidades de trabalhos futuros, principalmente, no que se refere aos gêneros orais, que poderão ser materializadas em projetos específicos no âmbito do espaço escolar, visando a colaborar com o espaço cidadão fora da sala de aula.

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