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2 BASES TEÓRICAS

2.2 EDUCAÇÃO AMBIENTAL

2.2.2 Palimpsesto da EA: discursos e práticas em tensão

Na Rio +5 (1997) foi aprovada a construção do capítulo 36 do documento, incumbindo à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) a escrita sobre o conceito de Educação para o Desenvolvimento Sustentável, e aí não se menciona a EA.

Para responder às recomendações do Capítulo 36 da Agenda 21, resultante da Cúpula da Terra, em 1992, a UNESCO substituiu seu Programa Internacional de Educação Ambiental por um Programa de Educação para um futuro viável. (UNESCO 1997), cujo objetivo é o de contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável. Este último supõe que o desenvolvimento econômico, considerado como a base do desenvolvimento humano, é indissociável da conservação dos recursos naturais e de um compartir equitativo dos recursos. Se trata de aprender a utilizar racionalmente os recursos de hoje para que haja suficientemente para todos e que assegure as necessidades do amanhã. A educação ambiental é colocada como uma ferramenta entre outras ao serviço do desenvolvimento sustentável. Segundo os partidários desta corrente, a educação ambiental estaria limitada a um enfoque naturalista e não integraria as preocupações sociais e em particular as considerações econômicas, no tratamento das problemáticas ambientais. A educação para o desenvolvimento sustentável permitiria cobrir esta carência. (SAUVÉ, 2005, p.19).

Justificava-se que a EA era uma educação descolada dos projetos comunitários e não formais. Certamente uma EA centrada no conservacionismo dificulta a articulação de aspectos sociais e econômicos. Mas “o reconhecimento desta limitação dentro do campo da EA foi sempre manifestado de forma crítica por diversos educadores, que tensionavam suas limitações”, ressalta Gaudiano (2001). Diferente de países desenvolvidos, a EA na América Latina e em países em desenvolvimento articulou muito mais a questão ambiental com a educação de adultos, os movimentos sociais, a educação popular, os setores laicos e religiosos

27 Conforme explicitado na introdução desta pesquisa, essa política pública nacional trouxe influências diretas

ao projeto da USP ora investigado, sendo seus aspectos epistemológicos e metodológicos replicados no plano político pedagógico do referido projeto universitário.

da sociedade. Essas experiências latino-americanas revelam a superficialidade do discurso dominante do PNUMA / PIEA, de que a EA é centrada na conservação ambiental.

Por isso, para Gaudiano (2002, p.152), trocar o conceito de EA por outro implica em:

Renunciar a um ativo político com um custo demasiado alto, porque significa desconhecer o esforço dos sujeitos específicos que têm construído formas discursivas características da região, embora existam outras de caráter dominantemente conservacionista e apolítico.

Em 1997, a Unesco e o governo da Grécia divulgaram seu documento Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para uma ação integrada, que seria base para o evento de Tessalônica, de comemoração a 20 anos de Tbilisi. Esse documento lançou o termo “Educação para o ambiente e a sustentabilidade”, tentando conciliar quaisquer antagonismos.

Como desafios da Educação Ambiental na América Latina e Caribe, Gaudiano (2001) pondera que ainda persistem em muitos educadores a ênfase conservacionista (sem fazer correlações histórico-político-econômicas) e a carência de sistematização sobre o que se faz; além da desvalorização da EA perante a gestão ambiental na formulação de políticas públicas e da crescente substituição da EA pelo conceito de Educação para o Desenvolvimento Sustentável dentro das instituições.

O autor (GAUDIANO, 2001) destaca das últimas décadas o III Congresso Ibero- Americano de EA, em 2000, resultando na criação da Rede Ibero-Americana de Educação Ambiental e na publicação da declaração de Caracas; a criação dos Ministérios de Desenvolvimento Social e de Meio Ambiente e de comissões nacionais de Meio Ambiente; a proposição de leis sobre EA; a criação e o fortalecimento de redes universitárias e outras em EA; o oferecimento de cursos de especialização em EA; projetos em parceria multinacionais; o programa latino-americano de formação de educadores populares ambientais, em que participam 11 países, impulsionado pelo Conselho de Educação de Adultos da América Latina e outros projetos com fomento/apoios internacionais.

Outra marca da América Latina é que, diferente de outros continentes, os biólogos daqui deram impulso inicial à EA em projetos de conservação e isto interferiu na expressão desse campo nessa região, com conteúdos e olhares dessa área. Mesmo assim, os discursos são diferentes daqueles de programas conservacionistas em países industrializados, apresentando elementos de ruptura, com propostas construídas às margens. Muitos grupos

e programas expressam “um profundo sentido social, econômico, político e cultural da EA, desde o local” (GAUDIANO, 2001, p.155).

O debate que se iniciara em 1992, no contexto da Rio-92, se aprofundou após a Conferência de Johanesburgo, em 2002, quando a Unesco propôs o estabelecimento da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável para o período 2005-2014. Resumidamente, destacam-se algumas críticas à proposta: as contradições do conceito de desenvolvimento sustentável; a imposição de uma proposta sem diálogo; o contrassenso de uma educação que define o fim – “para a sustentabilidade”, enquanto deveria promover a liberdade e a autonomia dos indivíduos; a desconsideração da história e identidade da EA em suas variadas perspectivas, que incluem lutas democráticas e ideais de emancipação humana; as diferenças dos contextos socioeducativos entre os países dos hemisférios norte e sul e características da motivação por interesses desenvolvimentistas neoliberais (LIMA; LAYRARGUES, 2011).

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, foi realizada em 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Foi um evento que contribuiu para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. Diversas críticas foram apontadas, entre elas sua organização, que focou em uma perspectiva prioritariamente economicista, descompensando o tripé temático, que inclui também as dimensões social e ambiental, e o fato de os representantes oficiais das nações participantes pouco caminharem com seus compromissos de 20 anos atrás. Também ocorreu um encontro paralelo, organizado pela sociedade civil e movimentos sociais de vários países, com múltiplas atividades participativas. Suas ações foram pautadas em reflexões sobre “as causas estruturais das crises e das falsas soluções”; sobre o poder de influência das grandes corporações e da iniciativa privada; sobre as negociações ocorridas no evento; sobre as consequências sofridas pelos povos pobres pelos impactos socioambientais da atualidade, afirmando inclusive que a pauta da “economia verde” é insatisfatória para lidar com a crise ambiental (RIO+20, 2012).

No documento final da Rio+20, após intensas negociações, podemos destacar alguns aspectos do item da “educação” que indicam uma tendência a ser desenvolvida nos próximos anos (item 231):

Encorajamos os Estados-Membros para promover a consciência do desenvolvimento sustentável entre os jovens, nomeadamente através da promoção de programas de educação não-formal em acordo com as metas da Década das Nações Unidas da Educação para Desenvolvimento Sustentável, 2005-2014 (RIO+20, 2012, p. 44).

Em relação às universidades, o documento as encoraja a adotar “boas práticas de gestão de sustentabilidade em seus câmpus e em suas comunidades, com a participação ativa de alunos, professores e parceiros locais” e também especifica a importância do ensino do desenvolvimento sustentável (DS) “como um componente integrado entre as disciplinas” (RIO+20, 2012, p. 44). Aponta a necessidade de fomentar as instituições de Ensino Superior (IES), sobretudo as de países em desenvolvimento, para inserirem a inovação e a sustentabilidade nos programas de educação e pesquisa, “incluindo empreendedorismo e habilidades de negócios” voltados aos objetivos do DS (RIO+20, 2012, p. 45, item 235).

Em tempos de manifesto do Congresso Mundial de Educação Ambiental28 pela defesa

de uma política de educação para o desenvolvimento sustentável, Gaudiano (2016) discute sobre uma relação de palimpsesto29 entre a EA e a educação para o DS, que segue

conquistando hegemonia no planeta. O autor tensiona mais uma vez a proposta da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, que possui uma perspectiva estratégica de desenvolvimento capitalista, para esclarecer a complexidade da luta pela emancipação e a confiança da capacidade humana de criar horizontes. Para ele, o ponto culminante da Década da Unesco de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS, 2005-2014) foi a criação de um programa "sucessor" do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (Unep), programa de ação global, sob uma avaliação suspeita, lançado com 360 compromissos na Conferência Mundial sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável.30

Constata-se, neste processo, que EA e a EDS são dois projetos político-pedagógicos distintos, com visões específicas de compreensão do humano no ambiente, de educação, em uma disputa pela hegemonia no campo da educação em relação ao meio ambiente. E, atualmente, Gaudiano (2016) questiona a consistência e aderência da EDS na América Latina,

28 Em fase de organização, World Environmental Education Congress (WEEC). Disponível em:

<www.environmental-education.org>. Acesso em: 01 ago. 2016.

29 Palimpsesto: termo usado por Gaudiano (2016), que remete a papiro ou pergaminho cujo texto primitivo foi

raspado, para dar lugar a outro.

30 A Conferência Mundial sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável foi realizada em Nagoya, Japão,

já que não há, até o momento, políticas públicas e articulações sociais identificadas com esse discurso. O que a maioria dos governos tem feito para agradar as agências da ONU é apresentar mudanças cosméticas em seu discurso institucional. Ironicamente, a EA se fortalece e afirma sua identidade na resistência à EDS, afirma o autor (GAUDIANO, 2016). São formas produtivas de resistência que afirmam sua identidade. Podemos reconhecer que um domínio da ESD existe no âmbito da política, mas sem hegemonia e, portanto, essa dominância enfrenta forte resistência de vários tipos.

Houve ainda muitos outros eventos relacionados à EA e à sustentabilidade, posteriores à ECO 92, até a Rio+20: os encontros regionais, estaduais, nacionais e mundiais de Educação Ambiental, que representam a universalização e o crescimento da EA como campo de conhecimentos e práticas (LOUREIRO, 2005).