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2 BASES TEÓRICAS

2.1 TEORIA CRÍTICA

2.1.1 Teoria Crítica suas origens e principais obras

A Teoria Crítica emergiu nos anos 30 do século XX, com um grupo de intelectuais de um instituto de pesquisa social em Frankfurt, na Alemanha, interessado em estudar as intensas transformações da realidade social alemã e da União Soviética da época. Procuravam discutir por que o socialismo aconteceu na Rússia e a população alemã apoiou o totalitarismo, por exemplo. A partir de uma revitalização do materialismo histórico, numa relação de tensão entre marxismo, Filosofia e Psicanálise, buscaram ampliar a discussão sobre a subjetividade e as mudanças na sociedade. Ressaltavam a importância da Psicologia para entender a história,

e criticavam a uniformização da existência individual na vida moderna, à qual são contrários. A Teoria Crítica, assim, assumiu um papel de revigorar a concepção dialética, compreendendo o marxismo como um corpo não acabado de verdades e, portanto, passível de revisões, complementações, reconstruções (PUCCI, 1994).

Adorno, Horkheimer, Benjamin e Marcuse são apontados como os filósofos mais destacados dessa escola. Fizeram análises críticas ao capitalismo, à indústria cultural, à fetichização das mercadorias, ao otimismo cristão e ao idealismo hegeliano. Esses autores convergem na ênfase às categorias políticas, sociais e culturais, à Filosofia e à Psicologia, procurando ampliar análises que só enfatizam categorias econômicas (PUCCI, 1994: p.31). Walter Benjamin (1985) aponta que “as mudanças ocorridas nas condições de produção precisaram mais de meio século para refletir-se em todos os setores da cultura” (p.165).

No entanto, tendo Marx como referência básica, a Teoria Crítica não aceita a exploração do trabalhador, a escravidão, a miséria na sociedade capitalista, e se opõe à reprodução crescente dessas condições, já que seus “interesses constantes são os de suprimir a dominação de classe” (PUCCI, 1994: p.31).

Sob influência de Kant e Hegel, a Teoria Crítica assevera a importância da história na construção teórica, na relevância de um aprofundado diagnóstico do tempo presente, no resgate da dimensão ativa e emancipadora da razão iluminista. E enfatiza sempre uma orientação à reflexão crítica e à emancipação nos processos de formação, na busca objetiva pela libertação dos totalitarismos e pela transformação da ordem vigente (MARCUSE, 1967).

Pucci (1994) destaca três momentos históricos da constituição da Teoria Crítica. Um primeiro momento se deu com o início do Instituto de Pesquisa Social da Escola de Frankfurt, em 1922, até o final da década de 30, tendo como base o texto de Horkheimer (1983) – Teoria Tradicional e Teoria Crítica. Nessa obra, em que pela primeira vez se apresenta o conceito de Teoria Crítica, o autor questiona a parcialidade ou o limite do conhecimento produzido no modelo da teoria tradicional (embora ele não a negue totalmente). E aponta a criticidade e a orientação para a transformação da sociedade, para a emancipação social, como duas características centrais da Teoria Crítica. Discute também a negatividade da dialética e de sua superação; a identidade da Teoria Crítica com o marxismo (como dimensão humanista libertadora, que tem uma intencionalidade de emancipar as pessoas de uma situação escravizadora) e uma crítica ao positivismo, cuja dimensão sistêmica e conservadora

representa a teoria tradicional, conveniente para a burguesia se manter no poder e se defender. Horkheimer valoriza os conceitos dialéticos de classe, exploração, mais-valia, lucro, práxis, entre outros, por carregarem criticidade e orientação à transformação social. Assim como Gramsci, Horkheimer valoriza os intelectuais orgânicos, como uma camada social especial que pode assumir o compromisso de uma visão mais ampliada da realidade.

Um segundo momento da escola de Frankfurt se caracteriza pelos trabalhos desenvolvidos nos Estados Unidos, por Horkheimer e Adorno, com a obra Dialética do esclarecimento, revelando o impacto ante a cultura de massa americana, que representava a expressão máxima do capitalismo na época. Seus trabalhos refletem certa desilusão da realização da emancipação kantiana, dadas as condições de fascismo, estalinismo e democracia de massa estabelecidas naqueles anos.

O terceiro momento envolve os escritos de Adorno a partir da segunda metade da década de 50, com “textos que refletem duas realidades paradoxais: a rica experiência alemã e europeia de pelo menos 10 anos de construção da democracia e o temor constante e pungente do retorno à barbárie fascista” (PUCCI, 1994, p. 40).

Alguns autores, como Gramsci, por exemplo, fazem críticas a esses filósofos de Frankfurt, apontando que se afastaram demais da ação no mundo histórico, da dimensão material da realidade. Apontam-nos como apenas denunciadores pessimistas e desesperançosos (PUCCI, 1994), sem apresentar instrumentos e práticas para superar o capitalismo. Horkheimer assevera, no entanto, que “a teoria que impulsiona a transformação do todo social tem como consequência a intensificação da luta com a qual está vinculada”. “Esta ideia se diferencia da utopia pela prova de sua possibilidade real fundada nas forças produtivas humanas desenvolvidas” (HORKHEIMER, 1983, p.52).

Para Melo (2011, p.256), a Teoria Crítica buscava uma saída, ancorada no referencial marxista, entre o socialismo ortodoxo soviético (dos revolucionários) e a postura social- democrata (dos reformistas), que se relacionava progressivamente ao liberalismo.

Em linhas gerais, os comunistas acusavam os reformistas social-democratas por terem traído os interesses da classe trabalhadora ao abandonarem o fim último da transformação revolucionária do capitalismo. Os social- democratas procuravam justificar caminhos alternativos para se imaginar uma sociedade na qual se pudesse combinar a intervenção do Estado e o mercado com a finalidade de alcançar uma redistribuição mais centralizada de recursos e prover, assim, mais oportunidades para a vida.

Adorno teve notoriedade antes de Marcuse e ficou conhecido ao lado de Horkheimer, tendo algumas de suas obras com grande circulação entre os movimentos estudantis de 68. Também participou em debates públicos com estudantes radicais “junto a Habermas, com os movimentos sociais e sindicatos, com Oscar Negt, influenciando o cinema novo alemão...”. Em seu estilo ensaístico, Adorno enfatiza que a forma está relacionada ao conteúdo do pensamento. O autor tem inúmeras obras que aprofundam a negatividade da dialética, da estética, da formação, da relação teoria e prática e da emancipação (MAAR, 1994, p.13).

Para Adorno e Horkheimer, a razão iluminista desenvolvida pela burguesia continha as dimensões emancipatória e instrumental, mas à medida que a burguesia foi impondo seu domínio sobre as outras classes sociais, foi privilegiando a dimensão instrumental e perdendo seu potencial libertário. Com o surgimento do capitalismo monopolista3; a intensificação

colonialista, as revoluções científicas e o predomínio da razão instrumental tornaram-se onipresentes a serviço do progresso, da exploração dos trabalhadores e da reprodução ampliada do capital.

Para os frankfurtianos, o poder das relações sociais é decisivo, sofrendo ainda os efeitos das pulsões instintivas. Marx e Freud desvendaram os determinantes da limitação do esclarecimento, da experiência do insucesso da humanização do mundo, da generalização da alienação e da dissolução da experiência formativa. As relações sociais não afetam somente as condições da produção econômica e material, mas também interagem no plano da “subjetividade”, onde originam relações de dominação (MAAR, 1995, p19).

E, influenciados por Kant, Adorno e Horkheimer (1985, p.104) apontam na mesma perspectiva que:

Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cintas para conduzir a grande massa destituída de pensamento.

Tais teóricos críticos defendem a realização de um diagnóstico rigoroso de época fundamentado na investigação de sua história, na identificação dos obstáculos colocados à emancipação social e das contradições do funcionamento e reprodução do capitalismo,

3 Uma etapa da economia capitalista do final do século XIX, nos EUA e nos países mais industrializados da

Europa Ocidental, em que megaempresas passaram a dominar tecnologicamente um setor inteiro da economia, em formato de monopólios e oligopólios, como exemplos, os setores de produção do aço (siderurgia), de máquinas e motores, locomotivas, navios e petróleo, aos quais o Estado se submeteu. (KOUZMINOV, 1948).

compondo uma crítica imanente robusta (ADORNO; HORKHEIMER, 1973). Nesse sentido, a Teoria Crítica também reúne denso diagnóstico sobre “indústria cultural”, que se contrapõe ao conceito genérico de “cultura de massas”, buscando indicar claramente os responsáveis por tais manipulações ideológicas nas mídias e na comunicação em geral.

Para a Teoria Crítica, como consequência do capitalismo, também se intensifica e legitima a frieza, que, para Gruschka (2014), tem um lugar central nas obras teórico-críticas e se constitui no princípio básico da subjetividade burguesa, que trata os homens como mercadorias. O autor a define como “a vontade em fazer dos outros um objeto à disposição do interesse próprio, organizar estrategicamente o comportamento em relação as outras pessoas e colocar-se indiferente diante da desgraça dos outros com a qual se contribuiu” (p.38).

Embora a frieza não seja contemporânea do capitalismo, pois ela já existia na sociedade que os burgueses queriam superar, o desenvolvimento do capitalismo produz uma normatividade específica, que, pela primeira vez, possibilita a consciência crítica em relação à frieza e se expressa como uma atitude imoral diante da desgraça e dos sofrimentos alheios. A Teoria Crítica enfatiza que as forças produtivas ou estão concentradas / reservadas para grupos privilegiados ou não são garantidas em sua totalidade e a frieza burguesa é responsável pela conformidade com esta situação.

Como é insuportável para uma pessoa deixar-se tocar por tudo o que vê, ela precisa se autopreservar e adotar uma postura de impassibilidade e indiferença para com o outro. Assim, frente à injustiça e à dor, as pessoas tendem a retomar a ideia de vida correta, realizando a generosidade diante dos fracos e amor ao próximo. Gruschka (2014) ilustra essa falsa generosidade, dando o exemplo da camaradagem de poderosos e ricos com crianças, idosos e animais de estimação, “como um álibi diante do narcisismo próprio” (p.45). E é nessa caridade cínica de um sistema que explora e rouba riquezas da maioria, que, “quanto mais baixo as pessoas socialmente fracas precisam se curvar” (Ibidem), tanto mais se fortalece a ideia de que são fracas e dependem de um salvador caridoso.

Os comportamentos calorosos muitas vezes assumidos em espetáculos substitutos de proteção animal, de ajudas humanitárias, representam simbolicamente alívio e compensação contra a frieza. As ações filantrópicas e assistenciais ainda são a confirmação interiorizada da desigualdade social e da manutenção fria do status quo. Em oposição à frieza, propõe-se uma

solidariedade geral entre as pessoas, apesar de reconhecer que, na sociedade burguesa, não há uma base material que permita isso. A solidariedade fica congelada nos interesses particulares onipresentes. Dialeticamente, a frieza anula o particular em sua insensibilidade com cada pessoa que padece na miséria e trata a sociedade como algo genérico universal. Gruschka (2014) ressalta, no entanto, que frieza e atitude calorosa não são opostos, mas reações dependentes, que precisam uma da outra, com qualidades próprias. Ou seja, a bondade indiferente reforça a frieza e a legitima, caracterizando o afeto dispensado como uma atitude narcísica.

A indiferença dos indivíduos isolados para com os outros procura justificar- se moralmente com a preocupação dos indivíduos consigo mesmos, o que é irônico porque a vantagem de um implica na desvantagem do outro. O sentimento humano se atrofia na economia de lucro (ADORNO apud GRUSCHKA, 2014, p.57)

A indiferença também pode ser constatada na imparcialidade da linguagem científica, na descrição dos fatos e objetos, na própria racionalidade calculadora de tornar tudo objeto a ser explorado, dominado, numa total ausência de paixão.

Sendo assim, a história da civilização não pode ser associada à evolução do progresso, pois a humanidade fez e faz crueldades para estabelecer e manter a dominação e as desigualdades entre as pessoas. E muita opressão foi exigida para condicionar os instintos. A famosa citação “a maldição do progresso irrefreável é a regressão irrefreável” (ADORNO, 1985, p.11) sintetiza a relação de poder e opressão para que todos se adaptem, de forma alienada, a um sistema de desigualdades. Adorno (1995) não deixa de alertar que aquele que se gaba do que conquistou para si, graças à sua dedicação, tem que negar a pressão que sofreu para isso.

“A frieza torna-se nítida na perda de sensibilidade” (GRUSCHKA, 2014, p.49)4. Segundo

Adorno, até o amor é proibido na sociedade burguesa, pois ele ameaça o controle da dominação sobre si mesmo e sobre os outros. A não ser que seja amor enquanto ideologia, que funciona segundo o princípio da troca e da concorrência.

Adorno (1995) parte da ideia da importância de conhecer os pressupostos da frieza para que ela possa ser superada. Para ele, “uma emancipação do homem orientada pelo tema

4 Esse aspecto da perda de sensibilidade merece ser aprofundando na questão socioambiental, já que

respeitar outras formas de vida sem fins lucrativos e utilitários, considerar os ciclos naturais e a interdependência entre vidas e ambientes e suas sinergias exige muito desta dimensão da sensibilidade.

da dor dos homens apenas seria possível, se esta mantivesse uma relação esclarecida, mas nem por isso de rejeição da emoção mais humana de todas contra a frieza: a compaixão” (p.51).

Para finalizar esta introdução sobre a Teoria Crítica, indicam-se aqueles que Vizeu, Meneghetti e Seifert (2012) apontam como elementos fundamentais de suas contribuições: a) a compreensão “das contradições produzidas nos sistemas de produção capitalista e em todas as instâncias sociais relacionadas à produção das condições de existência dos indivíduos” (p.572), desvelando as aparências da realidade; b) o questionamento da racionalidade instrumental dominante que transforma os indivíduos em meio para atender aos fins do capital - o lucro e acúmulo de riquezas e privilégios. Dentro dessa racionalidade, o pragmatismo utilitarista tornou-se a filosofia e a ideologia dominante, orientador da vida em sociedade; c) valorização do contexto social-histórico e seu movimento dialético para compreensão da realidade. As teorias críticas questionam as “verdades formadas apenas da apresentação do fenômeno ocorrido na unidade da consciência do indivíduo”(p.572), entendendo o indivíduo como sujeito autônomo que é central na construção da própria história e que, ao mesmo tempo, pertence a um coletivo e “ao movimento maior da história da humanidade”(p. 573) e d) o exame das ideologias e suas intervenções nos juízos filosóficos da sociedade, presentes também no senso comum, nas ciências etc. usadas como “recursos de poder e controle do capital sobre o trabalho”(ibidem). Busca-se, dentro da Teoria Crítica, analisar de que forma as ideologias presentes nas racionalidades podem afastar a emancipação do indivíduo, aprisionando-o numa “gaiola psíquica”(ibidem). O quinto e último elemento observado refere-se ao tratamento da questão da emancipação individual e coletiva, como o próprio objetivo da Teoria Crítica, o que nos faz observar a importância dessa teoria para discutirmos a EA emancipatória e o objeto desse estudo.

A seguir trataremos das principais críticas e conceitos desenvolvidos por alguns autores da Teoria Crítica.