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3.5.8 – Palmas Eu Gosto de Tu

Gênero: Ficção (Drama, Comédia) / Ano: 2014 / Realização: André Araújo, Roberto Giovannetti, Hélio Brito, Marcelo Silva, Wertem Nunes, Eva Pereira / Produção: André Araújo e Rafael Franzine para SuperOito / Roteiro: André Araújo, Hélio Brito, Fernando Maia, Wertem Nunes, Marcelo Silva, Eva Pereira / Fotografia: Roberto Giovannetti, Gustavo Sá, BR153 Imagens / Edição: Roberto Giovannetti / Som: Esdras Campos, Jonatan Piesanti, Frederico Garibalde, Jessé Fonseca / Música: Paulo Vieira, Heitor Oliveira / Direção de arte: Simplérrimo, Érika Mariano / Elenco: Piettro Lamonier, Vivi Veloso, Dodi Reis, Emiliane Passarini, Gustavo Marco Alves Ramos, Thiago Omena, João Lino Cavalcante, Marina Kamei, Graça Maria Pereira Alves, Taiom Nunes, Ivan Vieira, Parraê Maria, Rosemeire Faleiro, Patrícia dos Santos, Carolina Kamei, Hitalom Bastos, Poliana Alves de Oliveira, Sabrina Fittipaldi, Paulo Vieira, Hygor Diniz, Junior Foppa, Manoel Dias Barbosa Junior, Ricardo Freitas, Léo Pinheiro, Maria Gabriela, Mayumi Mutuoca, Cristovão Feitosa, Iva de Oliveira, Kaká Nogueira / Duração: 91’49” / Financiamento: PROMIC – Programa Municipal de Incentivo à Cultura 2013 – Fundação Cultural de Palmas.

Sinopse: Seis histórias independentes envolvem pessoas que vivem em Palmas e mantêm relações diferentes com a cidade. No primeiro episódio, casal experencia várias fases do seu relacionamento romântico na ponte FHC. No segundo episódio, pescador encontra no lago de Palmas uma mala recheada com uma fortuna obscura e vê nessa sorte a chance de reunir a família, desmantelada pela falta de dinheiro. No terceiro episódio, garoto enfrenta na periferia a pobreza e a saudade da mãe ausente, enquanto recebe os cuidados do pai, empenhado em afastá-lo da consciência das tragédias da vida. No quarto episódio, estudante mobiliza amigos para ajudá-lo a preparar um inusitado jantar romântico para a namorada em plena Praça dos Girassóis. No quinto episódio, rapaz recém-chegado do interior encontra morada em uma kitnet, onde terá que conviver com confusões, fofocas e romances com tipos humanos bem diversos. No sexto episódio, uma jovem despreza Palmas profundamente, enquanto seus pais e um amigo lutam para que ela conceda um olhar mais receptivo à cidade.

São bastante evidentes e incontornáveis os fatores que requerem a inclusão de Palmas Eu Gosto de Tu entre os filmes a serem observadas nesta tese. Logo de partida, embora não se possa afirmar que uma almejada profissionalização do cinema feito em Palmas tenha sido alcançada em um momento específico da linha do tempo – e se é que tenha sido alcançada! -, esta obra produzida pela SuperOito serve como um marco neste processo, pois sintetiza algumas conquista essenciais na direção contrária de um cinema mais artesanal ou mesmo de um cinema de bordas. Como buscarei demonstrar, houve na equipe envolvida um empenho no máximo acabamento possível através dos recursos obtidos através de financiamento público, inclusive com escolha de pessoal técnico capacitado e remunerado; opções estéticas aproximam o filme de modelos próprios do audiovisual adequado aos espaços comerciais; e, de fato, a ocupação desses espaços esteve entre os objetivos do projeto. Com isto, Palmas Eu Gosto de Tu alcançou o mérito de ser o primeiro longa-metragem – um formato por si só já raro no Tocantins – com produção inteiramente local a ser exibido em uma sala comercial convencional, ou seja, fora do circuito alternativo de espaços culturais ou festivais.

Sua pré-estreia se deu ainda na Sala Sinhozinho do Espaço Cultural de Palmas, tradicional reduto do cinema menos hegemônico na cidade e administrado pela prefeitura de Palmas, que, afinal, foi responsável pelo financiamento da obra. Porém, dois dias depois, entraria em cartaz em uma das seis salas do Cinemark Capim Dourado, multiplex instalado no maior centro comercial da capital. Ainda que este fato esteja longe de garantir estabilidade de produção ou viabilidade econômica para a cinematografia local, apresentava um forte valor simbólico de admissão no território normalmente reservado aos blockbusters, o que enfim proporcionou uma atenção inédita da imprensa palmense para o cinema autóctone (Jesus, 2014).

Inclusive os desafios de fazer uma cópia para cinema comercial que aqui não tem, é em São Paulo. É um capítulo à parte. Então em 2014 surgiu também o Palmas Eu Gosto de Tu, que foi um projeto bem mais elaborado, que apresentou dificuldades que transcendiam a produção do filme: como circular esse filme na cidade, como a gente conduziu uma campanha sem recursos de publicidade, mas estrategicamente usando a imprensa e a cobertura que a gente teve da mídia mirando as metas que a gente estipulou para o projeto. Que inicialmente era de estrear em uma sala comercial de cinema, o que até então nenhum filme tocantinense tinha feito isso. E conseguir cinco mil espectadores, que é um número difícil de ser atingido em cinema regional em sala comercial (informação oral)56.

Ultrapassando essa dimensão da tecnologia e da pós-produção, Wertem Nunes, um dos autores convidados para o filme, localiza, de forma muito geral, repercussões estéticas geradas por esses objetivos de inserção comercial:

Eu acho que o Palmas Eu Gosto de Tu teve essa coisa de se preocupar bastante com o tipo de filme que fosse finalizado para as pessoas assistirem no cinema. Teve esse cuidado de não ser um filme autoral, que eu quisesse fazer uma coisa da minha cabeça, que as

pessoas não quisessem assistir. Foi pensado para que as pessoas se identificassem (informação oral)57.

Para além desta pretensão em se colocar fora das bordas, Palmas Eu Gosto de Tu interessa a esta discussão pela explícita ambição em imaginar a cidade. Para tanto, ao mesmo tempo, utiliza a estratégia dos filmes em episódios que prestam homenagem a grandes cidades, tais como Paris, Je T´Aime (Olivier Assayas et al., 2006), New York, I Love You (Fatih Akin et al., 2008), Tokyo! (Joon-ho Bong et al., 2008) e Rio, Eu Te Amo (Vicente Amorim et al., 2014) e brinca com a fórmula, quase mesmo a parodiando. Nas palavras de André Araújo, o filme “estava disposto a contar não a história da cidade, mas retratar essa cidade de forma franca na escala de cinema”58. Embora o edital que premiou a proposta da SuperOito não exigisse uma temática que conferisse tributo a Palmas, definiu-se um caminho que possibilitava a mobilização de um público caseiro e ainda coletivizava a realização, ao trazer para a obra nomes notáveis do meio cinematográfico local em lugar de, mais uma vez, entregar a condução criativa apenas a André Araújo e Roberto Giovannetti, seu parceiro na produtora. Firmava-se, assim, uma outra homenagem, dessa vez aos próprios cineastas de fases anteriores.

No âmbito desta investigação, portanto, Palmas Eu Gosto de Tu instiga o questionamento sobre o resultado da combinação entre uma visibilidade privilegiada, maior do que a alcançada por qualquer outro filme tocantinense, e a suposta reverência à cidade. Como uma obra surgida neste contexto administrou a diversidade e o oficialismo (histórico e estético) da imagem da cidade? Neste âmbito, qualquer que seja a conclusão alcançada, torna-se relevante considerar a receptividade que o longa-metragem teve por parte de instituições legitimadoras, como no caso já citado da imprensa ou na presença do prefeito de Palmas à época, Carlos Amastha, durante o lançamento na Sala Sinhozinho.

A construção de ligações com expoentes locais se pronuncia já nos segundos iniciais de Palmas Eu Gosto de Tu, com os primeiros créditos sendo acompanhados por notas de violão e piano da trilha musical composta por Heitor Oliveira, professor de música com atuação na UFT, e Paulo Vieira, um dos atores mais populares da cidade e integrante do elenco do próprio filme. Percebe-se desde logo uma fusão entre a erudição de Oliveira e a visita a diversos ritmos da música popular brasileira, em especial nas canções executadas por Vieira em diversos momentos da obra. Estas variações indicam uma despreocupação em trabalhar o que seria uma suposta música tocantinense, apontando antes para a inclusão de artistas relevantes da cidade em uma produção que esboce uma síntese do cenário cultural local.

57 Entrevista concedida por Nunes, W. (2016). A entrevista integral encontra-se no Apêndice G desta tese.

Outro aspecto marcante do filme e já revelado nas primeiras imagens é o farto uso de imagens aéreas, sobretudo através de travellings, para construção de planos gerais grandiosos, fotografados como cartões-postais audiovisuais da cidade. Estas paisagens são invariavelmente acompanhadas da trilha musical e pontuam passagens mais pronunciadas da ação dentro dos episódios e, principalmente, entre os episódios.

Figura 25 - Ensaio sobre os planos de interlúdio entre os episódios de Palmas Eu Gosto de Tu, com utilização de fotogramas do filme e fotografias do acervo pessoal.

Na abertura, por exemplo, já são quatro os “cartões-postais”: uma ampla tomada da Praça dos Girassóis, com a bandeira brasileira em primeiro plano, o Palácio Araguaia e, ao fundo, perdendo-se no infinito, a avenida Teotônio Segurado (00’25”); as vidraças da parte frontal

do prédio do Ministério Público a refletir o céu e as nuvens, imagem acompanhada do título do filme (00’31”); um voo sobre o trecho mais movimentado da avenida Juscelino Kubitschek (00’36”); e a entrada da ponte FHC, com aproveitamento da amplitude azulada do lago e a inserção do título do primeiro episódio, Tá Longe59, realizado por André Araújo (00’44”). O som das águas, que se funde com a música no plano geral da ponte, anuncia o cenário de início da narrativa: a praia da Graciosa, apresentada com um plongée de um trecho de areia tocado por pequenas ondas do lago. Esta imagem forma o microcosmo afetivo do protagonista (vivido por Piettro Lamonier, ator, mas também cantor de algumas bandas palmense de música pop), um rapaz que surge em repetidas ocasiões se arrastando até a margem para vomitar e, em voice-over, explica que o lugar foi palco de todas as primeiras bebedeiras de sua vida (01’02”). Os laços da personagem com a praia são reforçados com um flashback em que aparece criança, a desenhar na areia com um graveto (01’50”). Em sua fala, somos informados de que cresceu na Graciosa. Como aquela memória está anos distante no passado, a direção de arte se dá com a ausência da ponte, uma paisagem bem mais rústica e algumas barracas de pau e palha ao fundo, que já não existem na contemporaneidade extrafílmica. Além disto, a edição providencia riscos na imagem que mimetizam velhas gravações. Estes recursos demonstram que um “filme de época” em Palmas se faz com reconstituição de duas décadas atrás e uma textura de fitas VHS avariadas.

O episódio de André Araújo é, antes de tudo, uma história de amor trivial: encontro, namoro, separação e reencontro. A esta essência, acrescenta-se a diferença de temperamentos entre os dois amantes, bem como a leitura que fazem desse romance. Esta diferença se corporifica também nas distintas experiências com a Graciosa. Se o rapaz conheceu desde sempre o lugar e acompanhou suas mudanças, refletidas na sua própria vida – é, portanto, o pioneiro -, a moça (Vivi Veloso) personifica a migrante que aporta em uma Palmas já estabelecida. Em seu flashback, também criança, caminha em um tronco de coqueiro caído, conduzida pela mãe (02’14”), enquanto sua voz adulta sintetiza o assombro frente às peculiaridades da cidade nova: “Quando a gente chegou naquele terrão, eu perguntei pra minha mãe: Mãe, cadê a praia? Eu pensei que a praia da Graciosa era que nem a praia da novela, com aquelas ondas, com o povo de sunga jogando vôlei. E ali era um povo com a bunda sentada na água, bebendo cerveja. E um sol! Olha, não era fácil, mas era o que tinha”. Há, mesmo na cidade tão jovem, uma territorialidade particular, um modo de uso da praia de rio, e essa territorialidade não se apresenta nem como familiar e nem como simpática à personagem, a quem cabe assimilar a terra estranha.

59 Este episódio foi, em 2018, recortado do longa-metragem e exibido isoladamente, como um curta- metragem, no Festival Chico.

Figura 26 - Ensaio sobre o episódio Tá Longe, de Palmas Eu Gosto de Tu, com utilização de fotogramas

do filme e fotografias do acervo pessoal.

O realizador recorre uma vez mais em sua cinematografia aos arquivos audiovisuais históricos nesta obra. Lá estão novamente os registros de Sidinei Madalena e as reportagens da TV Anhanguera, com o diferencial de agora estarem à serviço de uma obra ficcional. A paisagem reconstituída da praia é modificada pela construção da ponte FHC, finalizada em 2002, processo apresentado no filme através de um parêntese documental. Imagens do rio Tocantins antes do represamento, a praia antiga com muitos quiosques e os carros estacionados na areia se misturam aos telejornais, que exibem toneladas de pedras sendo despejadas nas águas, o soerguimento das vigas de sustentação da ponte e os operários a trabalhar, e narram os fatos com os números maiúsculos da edificação (02’35”). Esta

sequência mista de ficção e não-ficção se encerra com um plano geral da ponte e os tons dourados do poente, ainda dos arquivos, que são sucedidos por outras tomadas da estrutura feitas na contemporaneidade do filme, sem um marco de separação entre os dois registros (04’08”).

A partir deste ponto, o episódio se apropria da ponte como seu único cenário. É na via de pedestres que, em plano e contraplano, vemos o primeiro encontro das duas personagens, que caminham cada qual num sentido (04’31”). É no mesmo lugar que o casal se beija e tece elucubrações sobre o amor. Lírica, a sequência é desenvolvida de forma alegórica e antinatural, sem diálogos, mas apenas monólogos interiores das personagens a desvendar sua oposição: Para ele, o relacionamento trouxe tranquilidade; para ela, bagunça. Como visualidade, o romance transcorre através do efeito de time-lapse sobre elementos mínimos: o parapeito da ponte, a grade de proteção, os automóveis esporádicos que passam em alta velocidade, os dois atores e o posicionamento deles dentro da geometria composta. Aproximam-se progressivamente ao se conhecer, afastam-se progressivamente quando vem à tona a separação. Referendando a alta rotatividade da população local, a moça precisa partir. Para ele, “ela inventou um curso fora de Palmas”; para ela, “mestrado. Rio de Janeiro. Claro que eu ia” (06’16”). A música é intensa e constante, o que, aliado à maneira de filmar, confere ao episódio um ritmo de videoclipe.

Na convencionalidade do final feliz, há o retorno. Ao som de uma das canções de Paulo Vieira, os namorados se reencontram da mesma forma que na primeira vez, um indo ao encontro do outro na ponte (07’23”). Beijam-se, dão-se as mãos e se viram para o parapeito. Como celebração da felicidade, repetem a contravenção (citada na análise de Tempos Difíceis) de saltar da ponte e mergulhar no lago. Emergem e em, primeiro plano, uma outra vez se beijam nas águas. Em panorâmica, a câmera se afasta para focalizar a ponte, que será, por vários ângulos, sempre espetaculares, objeto das cenas de passagem para a próxima narrativa (08’37”).

O segundo episódio do longa-metragem, A Mala dos Peixes Graúdos, tem realização a cargo do tocantinense Hélio Brito, um dos mais experientes cineastas do estado, já atuante em obras que datam dos anos 1980 (Silva, 2017). Brito, porém, tem boa parte de sua cinematografia produzida em outras regiões do Tocantins, particularmente na cidade de Porto Nacional. Seu episódio aqui também tem como cenário fundamental (porém não exclusivo) o lago de Palmas, com a ponte FHC como elemento constituinte. É nela, aliás, montado em sua moto, esse veículo tão presente nas ruas da cidade, que desponta o protagonista Lindomar (Dodi Reis) (09’10”). Ele estaciona no acostamento, permitindo que vejamos ao fundo não a margem palmense do lago, mas a margem oposta, em Luzimangues. Trajado com bermuda, jaleco e um saco com varas, a personagem atravessa a grade do parapeito e desce para um banco de areia, onde prepara equipamento de pescaria, uma das atividades de lazer mais

populares dos tocantinenses e bastante praticada ali na ponte. O detalhamento das técnicas em vários planos e a música que cessa para dar espaço ao silêncio contribuem para o clima de solidão e meditação do pescador. Na espera, Lindomar observa a ponte e, em um close, cantarola o hino de Palmas (11’43”), ocorrência ufanista comparável à glamourização da paisagem nos travellings aéreos, porém agora menos sutil, ao recorrer a um elemento abertamente oficial.

Um corte no momento reflexivo do pescador transfere a ação para a casa de Lindomar. Em um plano conjunto do quarto com pouca luz, ele está deitado na cama (12’37”). Através de um espelho, pode-se ver sua esposa Vera (Emiliane Passarini) e é através do reflexo que as personagens dialogam. Tensa, esta conversa funciona para que o roteiro apresente o impasse existencial do casal. Sabemos que a família passa por grave crise financeira. Vera cobra uma solução de Lindomar e demonstra desejo de deixar a capital. Lindomar resiste, pede mais tempo, afirma não querer se afastar da mulher e dos filhos, mas expõe sua razão central de não partir: “Você tem que entender que eu amo essa cidade”. Desesperançada, Vera acrescenta um dado dramático: Seu pai já comprou passagens para que todos se mudem. Apresenta-se, portanto, novamente o tema da rotatividade populacional. Palmas é caracterizada não apenas como a oportunidade que atrai imigrantes, mas como lugar de imperfeições que centrifuga pessoas. Desta vez, porém, há uma narrativa que inclui a afetividade (até ufanista) no ponto de vista de quem tem que partir, mas não quer.

Outras cenas mais breve com Lindomar a pescar no lago são inseridas ao longo do episódio (13’38” / 15’25”), alternado-se com as sequências do drama familiar. Como um leitmotiv, a rotina do pescador pontua a edição e ainda confere à personagem momentos tanto de fuga dos problemas como de ponderação sobre eles. O desenrolar do embate entre Lindomar e Vera, por outro lado, sempre tem como palco o ambiente interno da casa, invariavelmente com pouca luz e escurecido pelos móveis de madeira e couro, em estilo clássico. Em uma das sequências, Lindomar vaga pela sala, observa fotos dos filhos nos porta-retratos e conversa com a esposa, que está fora de campo (14’01”). Fica sabendo que as passagens estão marcadas para dali a poucos dias e demonstra angústia. Vera entra em cena e lança novos argumentos, que inclusive ajudam a desenhar o casal como representação do palmense malsucedido: “Tá tudo muito complicado aqui em Palmas atualmente. Tá uma crise danada. O que mais se vê são casas à venda e para alugar e isso é gente indo embora porque não aguenta mais essa crise”. O marido, no entanto, permanece na hesitação e na esperança. Em outra sequência, as personagens, em primeiro plano, estão no sofá (15’41”) e mais uma vez a renúncia de Vera a Palmas é usada pelo realizador para uma descrição das relações locais com a economia e a política. Diz ela ao companheiro: “Eu também amo essa cidade. Mas a situação está insuportável pra nós e pra muita gente. Você sabe, aqui quase tudo ainda depende do governo. Já Araguaína [e então abre um sorriso], Araguaína é uma cidade com comércio aquecido, uma agropecuária forte. Lá a gente pode começar um negócio novo, uma

vida nova, com meus pais por perto, sem ter que puxar saco de político”. Embora no permanente papel da contestação, a fala de Lindomar corrobora as territorialidades perpassadas por assistencialismos e tráfico de influências: “Mas Verinha, o deputado vai tentar reverter a situação da minha demissão”.

Figura 27 - Ensaio sobre o episódio A Mala dos Peixes Graúdos, de Palmas Eu Gosto de Tu, com utilização de fotogramas do filme e fotografias do acervo pessoal.

Não havendo acordo entre as personagens, a narrativa conduz à separação. Em uma sequência externa, na calçada de uma rua residencial, Lindomar leva as malas da esposa e dos filhos para uma van (17’21”), típico veículo usado para viagens mais econômicas no Tocantins e que costuma buscar os passageiros em suas residências. Com a despedida, a ausência de música

nas sequências anteriores é quebrada por uma canção de Paulo Vieira, que, como em todo filme, aproveita como tema a situação momentânea da narrativa. Travellings das avenidas de Palmas realizados a partir de dentro da van e closes de Vera e dos filhos se alternam com o