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3.5.7 Terminal de Lembranças

Gênero: Documentário / Ano: 2012 / Realização: Gleydsson Nunes / Produção: G20 / Roteiro: Gleydsson Nunes / Fotografia: Anacleto Campanella, Gleydsson Nunes / Edição: Cledson Bosque, Weltom Max / Som: Cledson Bosque / Música: Elky Luiz / Duração: 20’07” /

Financiamento: Edital de cultura Programa Palmas pra Cultura – Fundação Cultural de Palmas. Apoio da Fragata Lavajato, Câmara Municipal de Palmas, Saneatins, Palmas Cultural, Topmídia, Menorah e Palmas Papelaria & Copiadora.

Sinopse: Nos primeiros tempos de Palmas, um enfervescente centro de comércio popular se estabelece em torno do terminal rodoviário provisório da capital. Com fraca infraestrutura, o local serve durante anos como moradia e trabalho para muita gente, mas também sofre com a

45 Entrevista concedida por Paixão (2018). A entrevista integral encontra-se no Apêndice C desta tese.

46 Ibidem.

má fama e o preconceito. Na década de 2000, uma rodoviária definitiva é construída longe dali e, por decisão do poder público, as casas dos comerciantes são destruídas e seus negócios transferidos para uma área remota da cidade, um processo doloroso e malsucedido que repercute até hoje na vida daquelas pessoas.

A trajetória de Gleydsson Nunes na história do cinema tocantinense, bem como de Terminal de Lembranças dentro de sua filmografia pessoal, retoma a narrativa da evolução de muitos cineastas locais, sobretudo no que se refere a um início que mescla a improvisação e a insistência, em uma linha do tempo que, aos poucos, vai sendo tomada por uma maior profissionalização da atividade. Destaca-se, no entanto, a consciência desta evolução por parte do realizador, que é mais um saído dos cursos de Comunicação Social locais.

Comprei uma câmera, juntei alguns colegas e fizemos um crowdfunding e fizemos esse vídeo [Resto de Esperança] que participou dessa edição [do festival Chico]. (...) Depois eu consegui um outro emprego que me deu mais um certo tempo e aí é que eu voltei à produção e foi quando eu abri essa nova fase de documentários, Apresentei o Resto de

Esperança e o Bicho Homem, o que eu considero um amadurecimento da produção. Você

sai daquela coisa estudantil e vai para uma mais consubstanciada, com um olhar mais amplo, um olhar histórico. Quando você está na faculdade você não tem a perspectiva histórica da produção. Quando sai é que você fala: Nossa! Isso aqui pode fazer parte de um acervo, de um estudo, de algo que fica para a posteridade. Eu acho que na faculdade você tem o ímpeto, mas não tem a perspectiva histórica (informação oral)48.

Este processo, através do relato de Nunes, envolve muito mais um aprendizado através de uma prática tortuosa do que pela aquisição de conhecimentos formais sobre o audiovisual.

Na parte de edição a gente pecava, porque só tinha uma pessoa e ele era uma pessoa que filmava casamento, eventos, então era bem limitado e só foi mudar a partir de 2008, quando entra a segunda fase (...). Com a chegada dos editais e com dinheiro envolvido para pagar editor e tudo, eu mesmo me forcei a pesquisar recursos de edição, até porque quando você vai contratar um profissional, se você não souber o mínimo ali de cada área, você acaba sendo passado para trás literalmente. O cara vai fazer um trabalho meia-boca e vai receber. Então você tem que estudar um pouquinho para saber e isso me permitiu dar um esmero técnico um pouco maior com relação à abertura, a tratamento de som, a correção de imagem, até mesmo a caracteres, essa coisa toda que é fundamental na obra. Que é a vestimenta da obra (informação oral)49.

A fala de Nunes ainda confirma o importante papel que o Festival Chico cumpriu, em especial nas suas primeiras edições, não só como janela principal de exibição para os realizadores locais. Através de seu engajamento no evento (embora como concorrente e não como organizador), o cineasta torna clara a capacidade daquela tela em estimular novas produções locais.

Eu nunca participei, porque eu queria mesmo era competir, queria estar do outro lado, exibindo. Queria estar na plateia. A adrenalina é inexplicável, você estar ali assistindo o

48 Entrevista concedida por Nunes, G. (2016). A entrevista integral encontra-se no Apêndice D desta tese.

seu produto e ver as pessoas assistindo. O Chico era anual, então a gente ficava sempre pensado o que ia produzir, o que ia fazer pro Chico. Tinha uma coisa que eu sempre fui um produtor independente e tinha muitas pessoas que trabalhavam em produtoras. Essas pessoas pagavam, não sei, enfim, utilizavam as estruturas das produtoras e a gente notava uma certa diferença nas produções que eram julgadas por um júri técnico e também o voto popular que elegia. Então era muito bacana (informação oral)50.

Terminal de Lembranças pertence ao que o documentarista denominou como uma segunda etapa da sua carreira, a partir do marcador por ele estabelecido: o financiamento das obras a partir de editais públicos. Organizado em uma estrutura bastante convencional, composta pela alternância entre depoimentos de personagens, narração em voice-over de fatos históricos que introduzem, explicam ou alinhavam aquelas histórias pessoais e a exibição imagética de farto material fotográfico e videográfico do passado, o documentário anuncia logo em seus primeiros segundos a disposição do seu autor em investigar a história da capital tocantinense. Mais que isso, o realizador reconhece a urbanidade da cidade como catalisadora da motivação e da criação de sua obra.

Isso me impressionava muito, como uma cidade tão moderna, tão progressista, com propaganda pra fora, como é que ela comportava uma realidade daquela bem no coração da cidade, ao lado da Teotônio Segurado? Ou seja, foi a geografia, foi a arquitetura que deu origem a esse filme. E aí eu fui investigar o que acontecia ali, que a cidade queria varrer aquilo ali. Ninguém falava, eles achavam que ali era uma favela, um antro de prostituição e havia sim prostituição. Então se não fosse aquela geografia, aquelas casas de madeirite, aquela arquitetura, possivelmente teria sido um filme que não teria existido (informação oral)51.

Por excertos de falas de personagens não identificadas, em voice-over, que são inseridos nos créditos iniciais, logo podemos ouvir: “Vim pra Palmas em 89. Final do ano de 89 cheguei em Palmas, cheguei em Taquaralto” (00’01”). Outras vozes afunilam o enquadramento que será exibido, anunciando um certo lugar chamado Pé Inchado, a simbiose deste lugar com a antiga rodoviária da cidade e a elucidação deste nome, que aludiria às pernas dos bêbados que ali ficavam caídos pelas ruas. Percebe-se nesse último aspecto a introdução do caráter de marginalidade e periferização atribuído à área, fundamental para a compreensão das memórias que serão relatadas.

A estratégia, já observada nas análises dos documentários Under the Rainbow e Kitnet – o Filme, de recuperação de imagens ancestrais de Palmas, tanto em vídeo como em fotografia, reaparecem nesta obra. Nunes, porém, se atém aos registros da região do primeiro terminal rodoviário, diversificando, no entanto, as fontes. Além de mais uma vez o trabalho de Sidinei Madalena ser acionado, o cineasta utiliza material de outros documentários, acervos pessoais dos entrevistados, de outros fotógrafos, do próprio realizador, bem como recortes dos jornais impressos locais Primeira Página e O Jornal. Nas primeiras sequências do filme, de toda

50 Entrevista concedida por Nunes, G. (2016). A entrevista integral encontra-se no Apêndice D desta tese.

forma, esses arquivos servem à já recorrente descrição dos tempos iniciais da capital e sua caracterização como paisagem débil, agreste, em construção: amplas avenidas vazias, caminhões, obras empoeiradas, estabelecimentos comerciais humildes, pessoas simples que descem dos ônibus no terminal improvisado (00’52”). A voz do narrador anuncia: “Próximo dali, estacionavam ônibus abarrotados de trabalhadores e aventureiros de todos os sotaques” (01’11”), estabelecendo, logo de partida, no discurso da obra o realce da diversidade e do desgarramento dos desterritorializados na formação social de Palmas. No que diz respeito à trilha musical, o trabalho de Elky Luiz opta por sonoridades que apenas dão o tom de tensão ou melancolia aos momentos narrativos, enveredando por uma neutralidade que não inclui arranjos marcados por identidades regionais. Durante os depoimentos, em geral, a música cessa.

São, aliás, numerosas as falas colhidas por Nunes, quase todas cedidas por pessoas que outrora moraram e comercializaram no Pé Inchado e, na contemporaneidade do filme, seguem trabalhando em outro local determinado pela prefeitura: o Rodoshopping. Os planos das falas seguem um padrão bastante tradicional: as personagens são, em sua maioria, enquadradas em primeiro plano, tendo ao fundo muitas vezes os produtos que comercializam, e dirigem seus relatos a um interlocutor fora de campo que jamais se pronuncia. Como a corroborar a diversidade da imigração, cada depoente é identificado com seu nome e a cidade de onde veio: Belém, Brasília, Rio de Janeiro, Goiânia, Porto Velho, mas também localidades no interior dos estados do Mato Grosso, de Rondônia, do Piauí, do Maranhão (a cidade de Imperatriz comparece três vezes), além de outras cidades do próprio Tocantins. O depoente Vartovicente da Silva, apresentado em uma varanda, introduz, já nos primeiros minutos (01’29”), o episódio dramático que culminaria na destruição do antigo terminal. Após explicar a chegada dos camelôs atraídos pela movimentação da rodoviária, narra a intervenção dos fiscais da prefeitura, que ordenaram a desocupação do local em um prazo de 24 horas, e também as articulações dos comerciantes para sensibilizar as autoridades. A fala é acompanhada de inserts de documentos reivindicatórios redigidos na época.

O subtema da moradia no Pé Inchado é inserido pelo narrador (02’10”) e desenvolvido por uma série de depoimentos. Manoel Pereira da Silva, filmado em frente a prateleiras com caixas de sapatos, explica que as pessoas instaladas no terminal não tinham recursos para manter um imóvel para comércio e outro para residência, de forma que as duas funções eram cumpridas pelo mesmo barraco (02’26”). Eurilene Milhomem, vista diante de bolsas e televisores, conta que iniciou com apenas um quarto, mas aos poucos expandiu sua casa com a compra de barracos dos vizinhos que se mudavam (03’14”). Sustentada por inserts de fotos antigas de sua família, ilustra a dinâmica do cotidiano à época ao opinar que o único porém do local era o pouco espaço para que as crianças brincassem, já que ficavam limitadas ao entorno de casa.

Figura 24 - Ensaio sobre Terminal de Lembranças, com utilização de fotogramas do filme e fotografias do acervo pessoal.

Sons distorcidos na trilha musical principiam novo subtema, relacionado ao preconceito sofrido pelos habitantes do Pé Inchado (04’12”). Um plano conjunto apresenta um terreno baldio, tralhas consumidas pelo fogo e um grupo de crianças a observar. Em outro plano conjunto, uma mesa de bar é ocupada por duas mulheres, cujos rostos estão desfocados por efeito de edição. Um plano médio nos revela um homem deitado no chão de terra, coberto por flores e ladeado por garrafas de bebidas alcoolicas. A voz narradora referenda a paisagem de marginalidade, ao informar que aquele era um lugar que “as ditas pessoas de bem” evitavam, por estar associado à prostituição e às bebedeiras. Edna Dias Leite, mostrada em

uma mesa de restaurante, dá materialidade ao discurso do preconceito, ao lembrar alguns apelidos do lugar: “sapolândia, ratolândia”, mas arremata que não se importava, pois ali criava os filhos e tirava seu sustento (04’24”). José Maria Lopes, enquadrado em um salão de beleza, expõe a vida à margem pelo relato do olhar externo, ao falar de conhecidos que o viam trabalhar no terminal e criam que ele havia se tornado mendigo (04’52”). Eurilene volta à cena com ilustração semelhante: Conta da rejeição sofrida pelos moradores quando iam às lojas de Palmas e diziam residir no Pé Inchado (05’08”). Por fim, Eva Maria da Silva, em frente a sua mercadoria de roupas, relata ocasião em que ouviu pessoas a comentar que as mulheres do local não tinham boa índole e precisou interferir: “Olha, eu sou da rodoviária, mas nunca fiz isso” (05’50”).

A cidade contemporânea quebra a coleção de imagens antigas expostas até então através de três planos gerais em perspectiva da avenida Teotônio Segurado, muito semelhantes, cada qual captado em um período distinto: dia, crepúsculo e noite, todos com intenso trânsito de automóveis (06’29”). A paisagem metropolitana remete a uma Palmas em rápida reformulação e modernização e dá mote ao subtema do desmonte do velho terminal. A dramaticidade se impõe na pergunta do narrador: “O que seria feito do comércio popular?”. Os depoimentos que se seguem dão a versão dos comerciantes sobre as decisões governamentais e versam sobre o impacto na atividade econômica daquela gente. Osmar Alberto Dutra, entrevistado em uma externa, detalha que o estado foi o responsável por determinar a saída do terminal e que os comerciantes, em assembleia, concordaram em se deslocar para outra área a ser determinada (06’47”). Damião Araújo de Sousa, em uma oficina, acrescenta a percepção de inadequação da nova área por parte dos atingidos, que, segundo ele, só se deram conta do erro tarde demais (07’10”). Inserts de recortes de jornais da época dos fatos acompanham ambos os depoimentos. José Marques Neto, sentado em uma cadeira espaguete, calcula em 60% a quantidade de comerciantes que com o tempo desistiram do Rodoshopping e situa que o fenômeno se deu pela falta de fluxo de clientes (07’26”).

Sobre fundo preto, letreiros comunicam a data da virada na trajetória dos entrevistados: 27 de outubro de 2001. Segue-se uma sequência de fotos de barracos destruídos, com trilha musical em tom mais fortemente melancólico (07’43”). A nova rodada de depoimentos foca agora na repercussão mais existencial das personagens. A primeira a se pronunciar, Rosângela Carvalho, em frente a uma série de computadores de mesa, se destaca por ser a única depoente razoavelmente jovem entre todos os ouvidos pelo realizador (08’45”). Não à toa, é também a única nascida em Palmas, o que compete para a pungência de sua memória sobre o dia fatídico, quando ainda era criança: “Pense você ver onde você cresceu, tudo no chão, tudo destruído, mais ninguém por perto, só aquele bando de barraco no chão”. José Marques Neto retorna aos depoimentos para se declarar revoltado “por dentro”, embora tenha saído pacificamente (10’01”). Por sua vez, João Dias Soares revela que, após a expulsão, caiu na

mendicância, catando lixo: “Nunca mais me acertei” (10’20”). Acreditava que o terminal seria um lugar onde poderia desenvolver seu trabalho e considera aquele final como “um massacre”.

Um penúltimo bloco do documentário se detém a observar mais detidamente a situação posterior dos comerciantes realocados no Rodoshopping. Acompanhada de trilha musical elegíaca, a narração retorna ao seu papel contextualizante para nos informar do paradoxo do local, assumindo o ponto de vista daqueles que antes trabalhavam no antigo terminal. Apesar de oferecer espaço novo para os comerciantes, o Rodoshopping foi construído a 500 metros da nova rodoviária, distância que impede o aproveitamento do fluxo de usuários em trânsito. Imagens dos boxes de comércio e um plano geral da moderna rodoviária compõem a sequência (10’44”). Os depoentes revelam o pessimismo que havia em relação ao sucesso da mudança antes mesmo que ela ocorresse e listam algumas outras razões do esvaziamento da nova estrutura: falta de divulgação, de transportes adequados e de eventos que atraiam público. O bloco ainda inclui uma fala do secretário de Indústria e Comércio de Palmas na época da transferência, Marcelo Torres, que, em um escritório, se diz seguro de que o governo fez tudo o que podia para viabilizar o Rodoshopping, mas admite que os planos não funcionaram a contento (12’48”).

Nos últimos minutos de sua obra, Gleydsson Nunes eleva de maneira notável o tom melancólico do roteiro ao unir a percepção de irreversibilidade do processo histórico com a consciência de memória e o consequente sentimento de saudade por parte das personagens. Esse direcionamento é expresso sobretudo por duas mulheres: Eva Maria da Silva, que já havia aparecido em depoimento anterior, e Maria das Graças Dias. Ambas surgem, separadamente, a caminhar no terreno vazio e cercado onde outrora ficava o velho terminal. Eva, de início, anda por uma rua de terra, acompanhada por trás em um travelling (14’24”). Com animação contida, rememora o terreno através das árvores conhecidas: “Ih o pé de manga ali, esse pé de manga bem aqui”. A situação de apego e desolação se alia à música dolente para compor uma fórmula melodramática que se estenderá até o final da projeção. Em voice-over, Eva ainda reforça a violência dos fatos passados e a inconformação, com colocações como “eu saí daqui na marra” ou “eu acho que até hoje eu tenho essa carta guardada em casa, de despejo”. Em um plano de construção lírica muito mais elaborada que as entrevistas realizadas até então, uma panorâmica vertical percorre uma grande árvore, da copa ao chão, onde está Eva, parada diante da cerca que a separa do território das lembranças. Mais adiante, enquanto caminha no mato, ela retoma o discurso da falta de resignação: “Eu hoje mora na 3 [com referência a sua quadra no modo antigo de endereçamento de Palmas], mas nunca esqueci aqui da rodoviária. (...) Eu acho que tem um negócio comigo que meu sonho é estar aqui nessa rodoviária” (15’55”). Em uma terceira aparição neste epílogo, Eva é enquadrada em primeiro plano, por trás de uma rede de proteção, seguido de um plano geral aéreo do terreno (17’14”). Com fatalidade, ela sentecia: “Mesmo que eu saia, que eu vá pra

outro lugar, sempre eu penso assim: que um pedacinho da minha vida ficou lá naquele cantinho (...) Um pedacinho da minha vida ficou lá em Palmas, lá junto da 41 [novamente referência ao endereçamento de quadras da cidade]”. Maria das Graças, por sua vez, apresenta na sua fala uma reflexão mais geral do sentimento compartilhado por Eva. Filmada em primeiro plano, tendo o mesmo terreno vazio por trás, ela comenta: “É ruim a pessoa pegar com o lugar que não é da gente. (...) Eu peguei muito com o lugar aqui. Não vou mentir” (16’26”).

Outras personagens reaparecem neste arremedo, sempre a reafirmar a relevância dos fatos narrados para a história da cidade e para a vida de cada um dos envolvidos. Três dessas falas, no entanto, se destacam por evidenciar a necessidade de preservação da memória e abrir, ainda que de froma difusa, para a vontade de uma expansão dessa memória. Damião Araújo de Sousa aconselha, em tom profético: “Guardem isso pra que a sociedade futura, talvez, quando chegar em uma outra localidade que vai ter que ser iniciada igual Palmas, não cometa os mesmos erros que cometeram por se deixar levar por fantasias” (16’46”). Osmar Alberto Dutra considera que há muito para ser contado sobre a antiga rodoviária, o que a referenda como um “marco” da capital (17’02”). Por fim, a câmera flagra alguns segundos de silêncio e reflexão dispersa de João Dias Soares, antes que ele sentencie uma espécie de justificativa do próprio documentário: “Difícil, porque a gente fala por aí, fala pra um e pra outro, mas tinha vontade de falar pra muita gente escutar, né?” (17’36”). Esta última manifestação, em especial, parece resultar da própria exposição à câmera e ao microfone, como se o entrevistado clamasse por uma midiatização que desse repercussão à sua história (ou percebesse a oportunidade de amplitude que ganhara ao falar para o cinema).

A historicidade da memória coletiva implica que, no decorrer do tempo, as formas pelas quais as sociedades organizaram suas memórias e conhecimento sobre o passado, como tentaram ‘salvar o passado do esquecimento’, variam de uma época para outra. (...) a memória está intrinsecamente ligada a uma tecnologia mnemônica que lhe serve como suporte material; (...) o suporte tecnológico utilizado para preservar o estoque de conhecimento sobre o passado compartilhado dentro de uma dada comunidade (isto é, a memória coletiva) deixa sua marca na estrutura e na lógica interna da memória. (Rusu, 2014, p. 294, tradução nossa)52

Terminal de Lembranças é encerrado com uma dedicatória do realizador, em letreiros sobre fundo preto, “a todos os pioneiros que ajudaram a escrever os capítulos iniciais da história de Palmas” (17’55”). A menção aos primeiros ocupantes da cidade inclui, portanto, a utilização de um termo que carrega uma marca que se coaduna com a imagem do migrante desgarrado, desterritorializado e sujeito aos desafios do lugar em construção, desafios esses que