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3.5.5 – Tempos Difíceis

Gênero: Ficção (Policial,Drama) / Ano: 2010 / Realização: Caio Brettas / Produção: Monise Busquets, Luciana Campoz para Trade Rock / Roteiro: Caio Brettas / Fotografia: Caio Brettas / Edição: não creditado / Som: não creditado / Música: não creditado / Direção de arte: Luciano Bortot (creditado como produção de arte) / Elenco: Thiago Omena, Bell Gama, Osmar Ziba, Nival Correa, Kaká Nogueira, Jonh Waner, Sérgio Nasser / Duração: 19’58” / Financiamento: Próprio / Repercussão: Prêmio do júri popular – Festival Chico 2010.

Sinopse: O traficante Paulista chega em Palmas e inicia relacionamento amoroso com Diana, viúva de um comparsa, ainda que Diana rejeite a vida no crime. Após investigação, a polícia local desvenda os negócios escusos de Paulista e consegue capturá-lo e a todo o seu bando. Na prisão, o rapaz passa a articular um plano de fuga com outros encarcerados.

Os modos de produção de Caio Brettas, natural de Minas Gerais, não diferem significativamente em relação ao restante do cenário de limitações e resiliência já identificados no trabalho de quase todos os cineastas em atuação em Palmas, sobretudo no que diz respeito às realizações anteriores à década de 2010. Ainda assim, sem maior integração com outros grupos mais atuantes do setor cinematográfico na capital, o autor desenvolveu uma trajetória com resultados estéticos distintos.

Logo entrei num grupo de teatro. No palco, eu ficava avaliando os passos das pessoas, ficava ali meio que na função de saber da peça, de entender junto com o diretor como é que era o processo. Então uma diretora diz: ‘Desce do palco, você é produtor, você vai me ajudar’. Nesse momento, eu entendo que não seria ator, mas eu poderia ajudá-la e acumulando o instrumento bateria com o teatro que eu já tinha, falei: ‘Eu não quero só isso. Como é que eu vou suprir minha vontade de arte?’. Aí aparece o cinema, que é tudo: é o teatro, é a música. E eu vi no cinema essa possibilidade de trabalhar tudo. Inclusive eu tenho muita vontade e fissura por arquitetura também. Aí, na faculdade de Comunicação, eu sempre cuidei dessa coisa de objeto de cena. Sempre que tinha algum trabalho de filmagem, eu cuidava muito disso. Então eu fui juntando o estudo de artes com vontades pessoais de romper com lugares e tudo isso me fez sair de Minas [Gerais] (informação oral)37.

Sua produtora, a Trade Rock, sediada em Palmas, tem como campo de atividades principal a organização de feiras, congressos, festas e exposições, porém com forte empenho em atividades secundárias de produções para cinema e TV, nem sempre desenvolvidas apenas no Tocantins. Nesta vertente, a empresa conta com um vasto portfólio de videoclipes e documentários em que a cultura – e particularmente a música – é o tema preferencial38. A produção ficcional, então, é ocasional na sua obra. Tempos Difíceis é o mais bem-sucedido exemplo, tendo recebido o prêmio de melhor filme pelo júri popular do Festival Chico. Além

37 Entrevista concedida por Brettas (2017). A entrevista integral encontra-se no Apêndice B desta tese.

disso, a realização se fez exclusivamente com os recursos da Trade Rock, sem financiamento público.

O média-metragem em questão traz uma concentração de Brettas em múltiplas funções: É o realizador, o roteirista e também o cinegrafista, o que indica uma obra bastante pessoal. Por outro lado, a restrição material e orçamentária, ou seja, o caminho da produção independente em um lugar sem a devida profissionalização do audiovisual pode dar sentido a certa precariedade no acabamento do filme e em constantes problemas relacionados sobretudo ao som, que dificultam mesmo a compreensão de diálogos em algumas cenas e cujo responsável não está creditado na obra.

Tempos Difíceis insere o olhar do espectador, desde o primeiro segundo, em um recorte bem específico da periferia imaginada de Palmas, tanto nas visualidades cenográficas como nas territorialidades encenadas. Seu enquadramento inicial é um plano-detalhe de pés calçando populares sandálias havaianas, uma enxada a preparar o cimento de construção, a roda de um carro de mão e o para-choque de um velho Fusca. No enquadramento seguinte, vê-se Neguim (Jonh Waner) em primeiro plano, corpo magro vestido em camisa regata velha, em frente a uma casa de alvenaria sem reboco, com dois pavimentos, cordas com roupas a secar e uma segunda personagem no alto do segundo pavimento. O diálogo, um conflito entre os dois e um desabafo de Neguim, que não quer mais ali trabalhar, está marcado por grande quantidade de palavrões, sotaque local, gírias, concordâncias verbais peculiares tanto da região como dos falares mais populares. Em meio à discussão, Neguim anuncia: “Eu vou fazer meus avião que é muito melhor que essa merda aqui!”, em que “avião” remete ao campo semântico do tráfico de drogas, assunto central no filme. Todas essas características visuais e verbais da primeira sequência, aliás, serão constantes em toda a obra.

A segunda ambientação apresentada é um quarto muito simples, com cama improvisada em madeira, paredes descoloridas, roupas pelo chão e um ventilador (00’39”). A personagem Diana (Bell Gama) está sentada no piso de cimento quando Neguim irrompe no local. Uma nova discussão se desenvolve. Diana questiona o porquê do companheiro não estar trabalhando e ele, mostrando papelotes de drogas na mão, argumenta que traficar é muito mais lucrativo e é o que vai tirará-los daquela situação: “A gente vai pro Maranhão, lá a gente se arranja com o Paulista e vai ser muito melhor” (01’31”). Temos aí uma primeira referência a um dos estados limítrofes com o Tocantins, embora o próprio Tocantins e mesmo Palmas não tenham ainda sido mencionados. Ao final da briga, Paulista, personagem citada, é posto mais uma vez em destaque. Diana o elogia e Neguim, agredindo-a fisicamente, questiona se ela tem algum envolvimento com esta pessoa (01’38”).

Um rápido travelling horizontal faz a passagem desta para sequência seguinte. São imagens de uma rua comercial típica das áreas mais afastadas de Palmas, com paredes envelhecidas,

grades, nomes de estabelecimentos e números de telefone pintados desajeitadamente nas fachadas (01’55”). Em seguidas, somos introduzidos a novas personagens: Ferreira (Kaká Nogueira), delegado, e seus dois policiais. Em uma mise-en-scène muito primária, o ambiente de trabalho destas pessoas é uma mesa de escritório, um notebook, um computador de mesa antigo, armas, carteira de cigarro, impressora, rádios walk-talk e uma parede quase vazia, com apenas um quadro roxo com algumas fotos (02’00”). Mais do que qualquer outro cenário do filme, este set apresenta problemas acústicos e grande dificuldade de compreensão dos diálogos, que, no entanto, não geram qualquer ação relevante.

A etapa de introdução de Tempos Difíceis se encerra em um plano conjunto de um cemitério. Diana, agachada em um canto, levanta-se, caminha um pouco e ajeita algumas flores (02’51”). Não há movimento de câmera. Na trilha musical, ouve-se um rap com andamento moderado. Em voice-over, Diana diz: “E Neguim, que eu achei que morreria do tráfico, morreu na queda de um elevador no centro da cidade. Ironia, ehn! E assim começam os nossos dias: difíceis”. Durante esta fala, desenha-se na tela o título do filme, com fontes estilizadas como marca e um acentuado sinal de autoria na expressão “de Caio Brettas”, que acompanha este título. Sobre o episódio repentino da morte de Neguim, gera-se uma conexão com uma trágica ocorrência real em um centro comercial que marcou a primeira década da cidade (Lauris, 2017). Sobre as relações com eventos que deram origem ao roteiro, o cineasta explica:

Eu fiquei muito impactado com a história. Um colega começou a me contar. Em 2001, veio um cara pra cá e ele era do Maranhão. A mãe dele traficava índios. Ela comprava crianças aqui por 100, no máximo 200 reais, e vendia em Ibiza por mil dólares. E ele já fazia tráfico de drogas em Palmas. Ele tinha um amigo, também traficante, que morre num acidente de confronto com a polícia, só que no meu filme eu coloco como o acidente do elevador que caiu no primeiro shopping que teve em Palmas. Então fui linkando fatos. São, portanto, vários tempos difíceis, para Palmas, para a família dele, daí o título (informação oral)39.

Quanto à opção pelo rap, o ritmo, muito identificado com as comunidades periféricas das grandes cidades brasileiras, aí incluída Palmas, ocupará integralmente a trilha musical da obra.

A sequência de créditos iniciais prossegue com a mesma canção, mas já em outro cenário, este o primeiro mais explicitamente palmense. A personagem Paulista (Thiago Omena), protagonista, desembarca de um ônibus na Estação Apinajé, o maior terminal de transportes públicos de Palmas, localizado próximo à Praça dos Girassóis e facilmente identificável, como as demais estações do município, pelas estruturas que aludem à arquitetura indígena (03’14”). Enquanto Paulista, com uma grande mochila nos ombros, caminha pelo local, a câmera o acompanha pelas costas, exibindo o comércio de rua ali presente e também alguns transeuntes, inclusive colocados em primeiro plano, enquanto o protagonista vai sendo

desfocado no fundo do enquadramento. Os créditos ainda se prolongam com outra sequência, em que Paulista chega à casa de Diana (03’37”). No encontro entre os dois, o diálogo evidencia o carinho, a intenção de Diana em se manter longe do crime e a tendência de Paulista em buscar amenizar o temor, porém sem garantir se afastar do tráfico. Como em toda a verbalização de Tempos Difíceis, é uma conversa pautada por muitas gírias e palavrões. Como arremata o rapaz: “Nós vamos levantar uma grana, curtir a cidade, curtir você, depois a gente vaza, rala peito”.

Duas sequências subsequentes acrescentam outras paisagens corriqueiras e, ao mesmo tempo, menos midiatizadas da cidade, ambas vivenciadas pela juventude cinematografada. Na primeira, Paulista e Diana chegam, acompanhados de um amigo, a um local de lazer noturno, como um bar (04’26”). Encontram um grupo de outros jovens e todos se cumprimentam com gestos que trazem à lembrança um ritual próprio do universo hip hop. Ressalte-se que esse campo cultural ainda contribuirá adiante com um outro elemento, quando, em uma cena de passagem sem maiores vínculos com a trama, um garoto dança break na rua (08’33”). De imediato, um corte nos conduz a um lento travelling horizontal diurno do ponto de vista de uma quadra esportiva de rua, onde outros jovens jogam basquete (04’46”). Ao fundo, pela rua, Paulista caminha, sem camisa, ostentando óculos de sol e bandana. O breve passeio da câmera revela muros altos, portões, uma lan house, a cerca degradada da quadra esportiva, enfim, elementos fáceis de serem encontrados em qualquer região residencial da capital, não necessariamente na periferia. Paulista encontra nas arquibancadas um grupo de jovens e os cumprimenta com o punho, em sinal de plena integração naquele ambiente. Esta e a sequência anterior são costuradas pelo mesmo rap. Porém agora, sem a mixagem com o som ambiente, é possível perceber melhor a letra, que se refere aos nomes dos estados do Pará, Maranhão e Piauí e tematiza sobre a falta de estrutura nas moradias, inclusive de invasões. Em uma única cena, Brettas faz uma concessão à paisagem de uma Palmas popularizada como cartão-postal. Após alguns planos gerais de um Fusca com pintura customizada circulando nas avenidas da cidade, o automóvel estaciona nos acostamentos da ponte FHC (05’58”). Paulista e dois colegas descem e vão até o parapeito. Em um dos enquadramentos, mais geral, a estrutura grandiosa da ponte atravessa o lago e se perde ao fundo, deixando as três personagens miniaturizadas. O grupo executa, então, uma diversão subversiva comum na cidade: saltar do parapeito nas águas do lago. Apenas os acompanhantes de Paulista pulam. Ao convidá-lo a fazer o mesmo, o protagonista retruca: “Paulista não nasceu pra morrer não, negão”.

Uma ligação que a personagem recebe pelo celular, ainda na ponte, encaminha a narrativa para o foco em outra marginalidade. Em um estabelecimento noturno, Paulista está à mesa, em primeiro plano, com sua costumeira bandana e agora também um chapéu, frente a frente com um homem mais velho (Sérgio Nasser) que traja paletó e é apresentado como um político

(06’57”). Negociam algo ilegal e brindam o acerto com cerveja, mas, à moda dos gangsters cinematográficos, o político pede que Paulista vá embora para não causar desconfianças. Logo em seguida, outra sequência noturna traz Paulista em ambiente de bar aberto, mais descontraído, entre pessoas conhecidas (07’22”). Em voice-over, a personagem reflete sobre a possibilidade de se encontrar todo tipo de pessoas na noite e a necessidade de saber se impor. Como ilustração, um rapaz aparentemente inconveniente é expulso do bar, entre tapas e empurrões. Apenas o som ambiente acompanha a cena.

Figura 22 - Ensaio sobre Tempos Difíceis, com utilização de fotogramas do filme e fotografias do acervo pessoal.

O cenário das ruas comuns de Palmas retorna em sequência que revela as investigações que a polícia desenvolve em relação a Paulista. No plano conjunto de uma lanchonete e suas mesas de plástico dispostas na calçada, a personagem conversa com outros homens e recebe discretamente uma encomenda não identificada de um homem que se aproxima (07’46”). Em lugar dos diálogos, inaudíveis pela distância, escutamos o som de cliques de uma câmera fotográfica, que pontua congelamentos ocasionais da cena e a caracterizam como um plano subjetivo do olhar espião.

Diversas sequências posteriores, aliás, aprofundam os estereótipos situacionais dos filmes policiais. Um dependente químico bate à porta de Paulista, que aponta uma arma e o expulsa violentamente (08’51”). A ação se dá em apenas uma tomada, realizada com a câmera na mão para produzir efeito de tensão e realismo, reforçado pelo cenário de construções precárias e escadarias para onde a personagem afugentada corre. Em uma sala, logo após, Paulista e três comparsas estão em volta de uma mesa improvisada com tijolos (09’20”). Sobre ela, estão espalhados cigarros, bebidas, uma arma, muita cocaína. O grupo prepara papelotes de drogas enquanto discute o tráfico aos berros e palavrões. Um dos rapazes cheira cocaína e é repreendido por Paulista. Outro, a quem chamam Osama (Osmar Ziba), é convocado para uma missão na rua e demonstra desconfiança e medo. Diana, sempre contrária àquelas atividades, observa a reunião, desaprova com um gesto de cabeça e se retira.

Em plano geral externo, em um terreno baldio, espaço vazio abundante em Palmas, o grupo chega dividido em dois carros e se reencontra (11’13”). Um outro automóvel se aproxima e dele o delegado Ferreira e seus policiais saltam para render os traficantes. Um dos bandidos é baleado. Antes de ordenar que levem Paulista, Ferreira encarna a truculência policial: sopra fumaça de cigarro no rosto do traficante e o esbofeteia, apesar de já tê-lo subjugado. O desenvolvimento da ação mistura a rápida edição de planos dos diversos pontos de vista dos envolvidos com, uma vez mais, a câmera na mão, mais solta. Chove e o som ambiente inclui trovões.

A partir deste ponto da obra, coloca-se, pela primeira vez na filmografia analisada nesta tese, a situação em que o cineasta desloca a produção para um lugar fora de Palmas. Os oito minutos e 12 segundos restantes de Tempos Difíceis são integralmente dedicados ao desenrolar do destino de Paulista e de seu comparsa Osama na prisão. As cenas foram realizadas na Unidade de Tratamento Penal Barra da Grota, ou seja, um presídio real, localizado na cidade de Araguaína, a pouco menos de 400 km ao norte da capital. Os corredores de um pavilhão, o pátio externo onde os detentos se distraem, o refeitório e as celas são cenários para as discussões, as festas (com o indefectível rap e o consumo de drogas), as reuniões religiosas dos presos evangélicos, as intrigas, o descaso dos carcereiros e, sobretudo, as articulações de fuga capitaneadas por Paulista. Esta fuga em massa, aliás,

constitui o último ato do média-metragem, que se encerra com um plano conjunto congelado dos presos em júbilo, com paus nas mãos, escapando por um corredor (19’12”). Em novas conexões entre fatos noticiados, fatos silenciados e construção ficcional, Brettas explica que

na cadeia ele [Paulista] movimenta o lugar todo. Revolucionou a cadeia. Ele fez todo mundo ter vontade de fuga. Foi uma das maiores fugas e ele foi diretor de todo o processo. E aí ele nunca mais voltou. Estou te falando uma coisa aqui real. Ele está em outro país. Eu sei da vida dele, mas não vou sair falando isso. Uns caras que eu conheço têm Facebook dele. Mas é um assunto delicado, pois é um assunto policial, mas eu não estou subestimando o trabalho da polícia. Eu só tenho direito de expressão. Se esse fato aconteceu, eu tenho que ficar calado por quê? (informação oral)40.

Ainda que o set de filmagem deste bloco da obra não se localize em Palmas, é preciso atentar para o fato de que tampouco há na diegese qualquer informação da localização daquela prisão, que assim faz as vezes de uma prisão genérica, presumivelmente relacionada ao lugar onde toda a narrativa vinha se dando. Se genérico, ao mesmo tempo aquele ambiente específico é estranho ao espectador médio, que, sem intimidade imagética, toma-o possivelmente como um presídio em Palmas.

Por fim, os créditos finais de Tempos Difíceis vêm precedidos de letreiros que informam o destino de algumas personagens a partir daquele momento dramatizado. Sobre esses prognósticos, interessa destacar aquele dedicado ao protagonista: “Paulista se escondeu em uma casa em Taquaruçu com Diana. No Maranhão virou aliado de sua mãe fazendo tráfico de crianças e adolescentes para Portugal” (19’16”).É a única ocasião em toda o filme em que há a menção nominal a uma localidade de Palmas, neste caso o distrito de Taquaruçu.

Ainda que exista essa ausência explícita à cidade específica em que se desenrola o enredo, Brettas está longe de ter desenvolvido o autoapagamento de Palmas em sua obra. As visualidades, desde a inserção mais evidente da ponte FHC até as sutilezas identitárias de uma periferia menos marcante, oferecem o acesso a essa geografia fílmica. Da mesma forma, o mergulho a partir da ponte, os encontros nas quadras esportivas, a tomada dos estados vizinhos como perspectiva de destino (Paulista vem do e retorna para o Maranhão), se, por muito triviais, não são territorialidades tão peculiares e exclusivas de Palmas, mesmo assim participam do seu cotidiano, geram uma familiaridade no espectador doméstico e, portanto, fazem com que a cidade extrafílmica penetre aquela imaginação cinematográfica.

Tempos Difíceis realiza um recorte muito específico e incomum da paisagem da cidade, em particular se comparamos com aquela paisagem habitualmente presente nas mídias, locais ou não. Há uma entrega integral às periferias palmenses. Os créditos finais elucidam a utilização da Vila União como set de filmagens, mas esta enunciação não se faz presente na diegese do filme. Ao mesmo tempo, o conjunto de lugares selecionados é preenchido por

territorialidades igualmente específicas, aquelas que abrangem o universo do tráfico de entorpecentes: a falta de rumo existencial, a instabilidade, a expectativa de faturamento e vida melhor, as agressões cotidianas entre amigos e companheiros, os ambientes provisórios e precários de habitação e negócios, a violência policial, o medo, o envolvimento político no crime, o vício, mas também o desejo de se livrar de tudo isso (encarnado na personagem Diana).

O existir marginal, como descrito acima, resulta de um novo recorte no microuniverso da periferia palmense, que, naturalmente, poderia estar a serviço de diversas outras narrativas diferentes. Portanto, antes que se afirme uma identidade, um não-descolamento entre a paisagem visual delimitada pelo realizador e as ações desenvolvidas na trama, faz-se necessário perceber um vínculo entre Tempos Difíceis e o gênero de filmes policiais, mais precisamente um possível subgênero verificado em tantas discussões sobre o cinema brasileiro contemporâneo (Rossini, 2003; Bentes, 2007; Salvo, 2012): o filme de favela, celebrizado por obras como Cidade de Deus, Tropa de Elite (José Padilha, 2007) ou Linha de Passe (Daniela Thomas & Walter Salles, 2008). Gênero e subgênero afloram nos diversos clichês já mencionados na análise. Deste modo, ao exercitar uma tendência cinematográfica de seu tempo, Brettas insere Palmas no mapa das marginalidades urbanas filmadas e, concomitantemente, encena e põe em debate na arena de uma paisagem palmense temas de