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3.2 – Procedimentos para uma Geografia de Cinema de Palmas

Na dimensão espacial do cinema reside, portanto, o foco central das observações a serem aqui realizadas. As questões do lugar fílmico em sua relação com o lugar não-fílmico, que incluem a possibilidade mesmo de uma diluição de limites entre esses dois polos, precisam,

para tanto, remeter aos diversos componentes da materialidade fílmica. Uma primeira tarefa que se apresenta é, assim, a identificação e reflexão sobre as paisagens dos e nos filmes. Por paisagem, entende-se aqui naturalmente não uma certa parcela de lugar em si mesma, mas a incidência do olhar humano sobre este lugar selecionado. Este olhar, afinal, é justamente o que parcela o ambiente olhado que, de outra forma, na ausência do fator humano, não receberia este seccionamento e muito menos seria submetido a alguma admiração, pois, como anuncia Simon Schama, “a natureza selvagem não demarca a si mesma, não se nomeia” (1996, p. 17). Compreende-se, portanto, através da abordagem deste historiador, a paisagem menos como uma determinação biológica ou geológica do espaço e sim como uma construção cultural, que interfere sobre os territórios, inclusive tornando-os fator de identidade, quando não marcas institucionais de nações, cidades, etc. Sem necessariamente contestar Schama, cabem aqui neste trabalho duas extrapolações das variadas paisagens “naturais” estudadas pelo autor. A primeira diz respeito à consideração de paisagens bem mais diversas que aquelas às quais se atribui o sentido mais corriqueiro do termo. Convém acrescentar o urbano, inclusive nos seus aspectos menos monumentais, e mesmo as microgeografias das paisagens internas, as salas e quartos e todos os demais cantos habitados dentro e fora dos filmes. A segunda, necessária a uma investigação sobre o audiovisual, diz respeito a tirar da visão a exclusividade de mediação entre lugar e observador, passando a especular também sobre paisagens sonoras – ainda mais quando se objetiva estudar casos ausiovisuais.

A partir dos fundamentos oferecidos pelas Geografias de Cinema, estas paisagens de cada obra abarcam tanto a noção de representação, ou seja, são recortes paisagísticos da Palmas que existe fora da tela e que foi submetida a seleções, montagens e adições visuais e sonoras, como a de ressignificação de lugares, de atribuição de funções, denominações, localizações, territorialidades enfim que necessariamente não se verificam de forma mimética na Palmas extrafílmica. Entre uma operação e outra, como se pode inferir, está a hipótese de uma cidade refundada a partir dos filmes, com paisagens que, antes de imitar lugares “reais”, existem primordialmente nos filmes, embora, a um só tempo, se nutram das vivências territoriais anteriores (dos cineastas, dos espectadores) e possam vir a contaminar, enquanto produtos culturais, os sentidos territoriais posteriores. Considerar estas paisagens, reforço, requer então atenção tanto às visualidades como às sonoridades das obras, sem que se esqueça, a partir delas, da cidade narrada e comentada também pelas verbalizações realizadas por personagens ou diferentes tipos de narradores.

Porém, ainda que esteja tão ligada à dimensão espacial, a paisagem – fílmica ou não – guarda uma historicidade. Construção do olhar humano, ela tem motivações sujeitas a mudar com o passar do tempo. Locais são desprezados ou privilegiados, reverenciados ou execrados de acordo com olhos e ouvidos de habitantes e visitantes – de cineastas também! – permeados

por um determinado momento histórico, social, político. A trajetória de vida do lugar, ainda mais se se trata de uma cidade, possibilita e impele, então, a reformulação das paisagens. Se, então, o caráter temporal está inserido na paisagem cinematográfica de qualquer cidade, os elementos contextuais de Palmas expostos no primeiro capítulo deste trabalho tornam urgente que se considere este aspecto. A curta história da cidade, a fundação muito recente, a progressão muito evidente de sua construção (ainda em curso), a presença insistente dos atores (políticos ou não) fundadores no cotidiano, o trato agressivo no controle das significações históricas e culturais e a forte midiatização da história local competem para esta urgência. Assim sendo, podemos reformular que as paisagens fílmicas da capital tocantinense serão discutidas aqui como lugares imaginados ao longo do tempo, não só como fruto de um passado acabado e pronto para análise, mas um presente peculiar, acelerado, camaleônico, que se desenrola no mesmo momento em que as câmeras estão em ação. Há, naturalmente, uma gama de formas possíveis de presença – caberia dizer até interferência – de um lugar na sua imagem fílmica. Essas possibilidades podem ir desde cenários muito discretos, com mínimo ou nenhum envolvimento da localidade com o enredo ou a visualidade da obra, até a elevação do lugar a tema ou mesmo personagem, tipo em que as representações mais miméticas, com paisagens pretensamente fidedignas à geografia consensual, seriam a variação extrema. Para instrumentalizar uma investigação acerca de como a produção cinematográfica de Palmas presentifica a cidade nos filmes e gera novas geografias de cinema, serão utilizados aqui conceitos como autoetnografia (ou autoexotização, como uma versão mais intensa do conceito) e autoapagamento. Estas ideias são utilizadas por David Martin-Jones e María Soledad Montañez (2013) no seu estudo a respeito do cinema uruguaio contemporâneo, que ganhou significativa proeminência em festivais a partir dos anos 2000, e as razões de uma forte tendência que os cineastas têm de minimizar ou até anular nos filmes marcadores que revelariam o Uruguai como cenário. A princípio, indicam os autores, esta atitude vai na contramão de muitas outras cinematografias de pequenas nações, em especial latino-americanas, em que predomina uma imagem bastante pronunciada dos países de origem e em que

cineastas de muitos países vendem preconceitos internacionais sobre suas nações (incluindo iconografias, paisagens e locações reconhecíveis nacionalmente) de volta para os espectadores internacionais, ao mesmo tempo em que fornecem algo positivo para o público doméstico com tais imagens. Tais filmes funcionam como traduções interculturais da nação para o consumo global, mesmo se o grau em que essa prática de autoetnografia de fato subverte ou propaga estereótipos permaneça aberto ao debate. (p. 30, tradução nossa)15

15 No original: “filmmakers from many countries sell international preconceptions about their nations (including nationally recognizable iconographies, landscapes, and locations) back to international viewers while also providing something positive for domestic audiences in such images. Such films function as intercultural translations of the nation for global consumption, even if the degree to which this practice of auto-ethnography actually subverts or propagates stereotyping remains open to debate.”

Martin-Jones e Montañez atribuem ao termo autoetnografia, em primeiro lugar, a utilização consciente de elementos reveladores do lugar do filme que geram uma autoimagem cultural. Mas, paralelamente, concebem que este certificado de origem, mais do que uma expressão espontânea de uma identidade, tem uma razão mercadológica e visa alcançar uma marca distintiva para o espectador estrangeiro. Esta lógica passa pela constatação de que muitas pequenas nações cinematográficas não costumam contar com público doméstico em número suficiente para se viabilizar economicamente. A carreira internacional, sobretudo no intricado circuito de festivais, seria o caminho mais evidente e, para tanto, o reforço nas tintas nacionais funcionaria como fácil atrativo para plateias ávidas por novidades culturais. Não raramente, este mesmo processo pode descambar em uma autoexotização do lugar abordado. É o que demonstra, por exemplo, Jeffrey Middents (2013) na sua análise sobre as poucas realizações que alcançaram uma proeminência internacional dentro de uma cinematografia tão periférica como a do Peru, em especial La Teta Assustada (Claudia Llosa, 2009), único longa-metragem do país a lograr uma indicação ao Oscar de filme em língua estrangeira. Middents compreende que este “trabalho em particular se encaixa dentro das expectativas das narrativas latino-americanas em geral, ao enfatizar um elemento de realismo mágico” (2014, p. 158)16, com aproveitamento de paisagens pitorescas, de hábitos culturais singulares e ampla estetização da pobreza. O autor também atribui estes aspectos à logica dos festivais, inclusive sublinhando que, no caso de La Teta Asustada, uma parte importante do financiamento da produção partiu de instituições ligadas aos festivais de Berlim e Fribourg. No mais, especificamente no caso de diferentes países da América Latina, observa que há "ênfase colocada nas idéias metropolitanas do nacional, ou seja, uma nação que é integrada na sua capital e elimina a diversidade da economia, etnicidade e cultura de outros lugares" (p. 159, tradução nossa)17, consequência de uma grande concentração dos meios de produção e de uma forçosa migração de cineastas para esses centros.

Apesar da disseminação do modelo de autoetnografia comentado acima, Martin-Jones e Montañez diagnosticam no caso uruguaio um fenômeno inverso, que denominam de autoapagamento. Aqui se constata o tratamento do país como "uma locação anônima para seus filmes, a retratar o 'sem lugar' ou o 'em qualquer lugar' resultante usando uma estética familiar para o público do circuito de festivais de cinema" (2013, p. 28, tradução nossa)18. Através da análise de filmes da principal companhia produtora nacional, a Control Z, - não a única, mas a maior responsável pela boa inserção uruguaia na cartografia cinematográfica recente - os autores identificam, entre os recursos que condicionam o autoapagamento,

16 No original: “work in particular fits within expectations of Latin American narratives in general by emphasizing an element of magic realism.”

17 No original: “emphasis placed on the metropolitan ideas of the national, i.e. a nation that is subsumed in its capital and elides the diversity of economy, ethnicity and culture elsewhere.”

18 No original: “an anonymous location for its films, depicting the resulting ‘no place’ or ‘anyplace’ using an aesthetic familiar to audiences on the film festival circuit.”

estreito enquadramento de personagens em panos de fundo mundanos, de modo que os interiores são tornados anônimos (por exemplo, casas, lojas, ônibus, quartos de hotel, cafés, bares, supermercados), assim como exteriores (por exemplo, uma rua, um ponto de ônibus, um telhado, uma zona comercial, um jogo de futebol, um balneário, uma praia); narrativas episódicas que proporcionam explorações psicológicas de personagens vistas através de rotinas cotidianas ou mesmo atividades repetitivas, em vez de diálogos extensivos; um uso por vezes intrusivo da música para acompanhar a imagem; e uso extensivo de tomadas longas e posições de câmera estáticas, que focalizam ainda mais a atenção do espectador na existência mundana das personagens. (p. 34, tradução nossa)19

De toda forma, a despeito dessas estratégias, não é fácil alcançar o pleno efeito de autoapagamento diante de todos os espectadores. Martin-Jones e Montañez se detêm, por exemplo, no que ocorre no longa-metragem Gigante (Adrián Biniez, 2009), também da Control Z. Embora a obra siga a fórmula de um enredo intimista, propenso a se dar em qualquer parte do mundo, ou seja, humano antes de uruguaio, a cidade de Montevideo se insinua aqui ou ali nas territorialidades da paisagem. Está na arquitetura de um prédio, nas marcas dos produtos à venda em um supermercado, em uma gíria pouco relevante, até mesmo na cuia para beber erva mate. É claro, admitem, que muitos desses detalhes só serão decodificados por uma parte bastante restrita do público, “espectadores com conhecimento sobre a América Latina e um olho de águia” (2013, p. 36, tradução nossa)20. Para os demais espectadores, menos habilitados a este possível jogo de identificações, ainda colabora para a falta de foco no geográfico uma realização que intensifica dramas particulares das poucas personagens, desviando o olhar das pequenas marcas mencionadas.

Para além da constatação do autoapagamento parcial ou total nas obras, a importância da discussão promovida por Martin-Jones e Montañez está na busca de uma explicação para esta conduta. Sua tese passa pela consideração da imagem construída sobre o Uruguai fora do país, ou antes, pela falta de uma imagem sólida, singular, turisticamente “vendável”, tanto em termos de iconografias como de paisagens, tanto em aspectos urbanos como rurais ou silvestres. Os autores ainda apontam uma espécie de esmagamento identitário por conta da posição territorial entre outros dois países muito maiores, mais influentes e, ao contrário, ricos em estereótipos: o Brasil e a Argentina. Em outras palavras, grande parte daquilo que garantiria ao Uruguai sua representação nacional (paisagens naturais, música, gastronomia, religião, etc.) são elementos compartilhados com os vizinhos, imageticamente mais poderosos.

19 No original: “tight framing of characters against mundane backgrounds, such that interiors are rendered anonymous (e.g., houses, shops, buses, hotel rooms, cafés, bars, supermarkets), as are exteriors (e.g., a street, a bus stop, a rooftop, a shopping district, a football match, a seaside resort, a beach); episodic narratives which provide psychological explorations of characters seen through quotidian routines or even repetitious activities rather than extensive dialogue; an at-times intrusive use of music to accompany the image; and extensive use of long takes and static camera positions, which further focus viewer attention on the mundane existence of the characters.”

Um sintoma desta condição, conforme a mesma investigação, está na ocasional utilização de locações uruguaias como set de filmagem de realizações argentinas, até por razões de barateamento de custos. São episódios em que o Uruguai “faz o papel” de algum lugar argentino ou simplesmente é um lugar-nenhum hispano-americano. Constatada essa realidade, recairia sobre os cineastas, na árdua luta pela visibilidade internacional da sua produção periférica, não o caminho tradicional da autoetnografia que intensifica as cores exóticas do lugar, mas a parcial “neutralidade” geográfica que aposta na universalização de enredos e narrativas: “Autoapagamento é uma maneira de negociar um lugar para a produção de filmes em relação ao financiamento global e às redes de distribuição - neste caso, a rede de festivais de cinema - quando a política da autoetnografia não funciona por causa da invisibilidade da nação internacionalmente” (Martin-Jones & Montañez, 2013, pp. 45-46, tradução nossa)21. Por fim, os autores, a partir de inquéritos colhidos com cineastas uruguaios, identificam ainda uma resistência em vincular esta cinematografia com os rótulos latino-americanos, afim de evitar expectativas sobre certos clichês por parte do espectador externo, especialmente relacionados às questões do subdesenvolvimento. Como pontuado, em um desses depoimentos, pelo diretor executivo da Control Z, Fernando Epstein, “Luto fortemente contra conceitos globais como 'cinema latino-americano' ou mesmo 'cinema uruguaio'. O cinema uruguaio talvez possa ser melhor definido por uma modalidade de produção relacionada às possibilidades de financiamento e, portanto, ao porte dos filmes e não ao seu conteúdo temático ” (apud Martin-Jones & Montañez, 2013, p. 40, tradução nossa)22.

Se a autoetnografia pela via do exotismo ocorre com frequência nas pequenas cinematografias, a discussão acima procura demonstrar que a outra face, o autoapagamento, embora motivado pelas razões muito particulares expostas, não se limita ao caso exposto. Os próprios Martin-Jones e Montañez, em seu texto, relembram, através de estudo de Mette Hjort e Duncan Petrie, as escolhas do cinema da Dinamarca, a partir dos anos 1990 e do movimento Dogma, que também disseminou essa nação europeia nos mais prestigiados espaços de exibição e debate cinematográficos sem recorrer a qualquer nacionalismo dinamarquês. Logicamente, entre Uruguai e Dinamarca e entre seus dois contextos cinematográficos, apesar desta coincidência, há imensas diferenças estratégicas e de recursos.

Cabe ainda, nesta discussão sobre seletividade de paisagens audiovisuais em prol de objetivos comerciais ou ideológicos, citar um caso a mais, bastante diverso dos anteriores e que

21 No original: “Auto-erasure is a way to negotiate a place for film production in relation to global funding and distribution networks—in this instance, the film festival network—when the politics of auto- ethnography do not function because of the invisibility of the nation internationally.”

22 No original: “I strongly fight against global concepts like 'Latin American cinema' or even 'Uruguayan cinema.' Uruguayan cinema can be perhaps better defined by a modality of production related to the possibilities of funding, and therefore, to the size of the film rather than by its thematic content.”

convida a um inusitado paralelo com Palmas, assunto central deste texto. Trata-se das representações cinematográficas e televisivas recentes do Cazaquistão, antiga república soviética da Ásia Central, tornada independente em 1991. Daquela época até os dias presentes deste trabalho, o país segue governado pelo mesmo presidente, Nursultan Nazarbayev. Este não é um detalhe acessório. Paralelamente a um histórico polêmico em termos de democracia, Nazarbayev comandou uma empreitada de modernização e promoção internacional do Cazaquistão que culminou na transferência, em 1997, da capital: de Almaty, o maior centro urbano do país, para Astana, uma cidade nova, planejada no século XIX, mas que, com seu novo estatuto administrativo, se transformou num canteiro de obras grandiosas, com erguimento de prédios futuristas, à moda de tantas outras cidades pós-soviéticas. Astana vem sendo, desde então, objeto de muitas análises que buscam compreender a intervenção aberta do poder estabelecido e das elites que o sustentam num projeto urbanístico que ambiciona representar com e na materialidade da cidade, a um só tempo, um sentido de unidade nacional, uma aparência ultramoderna (apesar da tradição rural e nômade de boa parte da população) e o autoelogio do regime no poder.

Tais contradições são preocupações de Natalie Koch (2012, 2014) e especialmente de Mateusz Laszczkowski (2015). Este último investigador pesquisa empiricamente os afetos despertos por esta cidade nababesca e artificial em seus habitantes e conclui que, embora o governo Nazarbayev pretenda tirar proveito destas percepções, utilizando-as em discursos ufanistas, há um empecilho desafiante: Os afetos são instâncias que não residem nos prédio e avenidas, mas na subjetividade dos usuários da cidade, na sua vivência cotidiana. Assim sendo, aqueles indivíduos que despertam para a artificialidade de Astana ou para o fato de que, por trás de muitas construções visualmente sedutoras, há materiais e estruturas de baixa qualidade, acabam por desenvolver afetos negativos.

A compreensão que essas abordagens críticas do fenômeno Astana oferecem é exatamente o que convida a pensar sua repercussão no audiovisual local, ou, como pede uma Geografia de Cinema, como o audiovisual pode ser uma ferramenta relevante para um projeto de poder em proporções nacionais. Logicamente, a inscrição do Cazaquistão no rol das pequenas nações cinematográficas parece evidente, estando suas produções excluídas dos grandes circuitos comerciais internacionais. A partir do século XXI, os títulos que mais ajudaram a colocar o país em um tímido canto do mapa do cinema foram Mongol (Sergei Bodrov, 2007), épico sobre o guerreiro Genghis Khan indicado ao Oscar de filme em língua estrangeira; e Tulpan (Sergei Dvortsevoy, 2008), drama sobre a vida dos nômades e vencedor de alguns prêmios internacionais, inclusive em Cannes. Ambas as obras são coproduções com uma série de outros países, como Rússia e Alemanha. Desastradamente, não se pode esquecer que a relação entre o Cazaquistão e o cinema ficou rabiscada também pelo grande sucesso de Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan (Larry Charles, 2006), produção anglo-americana em que o comediante Sacha Baron Cohen vive um

jornalista cazaque ensandecido que desembarca nos Estados Unidos para realizar reportagens sobre a superpotência. Os insólitos equívocos da personagem no seu choque cultural, na verdade, são veículo para o roteiro tripudiar da ignorância do americano médio a respeito da realidade de outros países. Porém, sem controle sobre tais conteúdos, as autoridades cazaques tomaram como uma grande ofensa para a nação asiática, em um daqueles episódios de ironia malcompreendida (Hay, 2016).

Exemplos como os de Mongol e Tulpan se identificam, portanto, com uma conduta comum de cineastas das pequenas nações na busca por espaço no mercado exibidor internacional, a saber, a da autoetnografia, com exploração de raízes históricas, paisagens pitorescas, costumes surpreendentes de certas populações, enfim, imagens que conferem a um lugar periférico aspectos diferenciados o bastante para lhe garantir atratividade no mercado alternativo. Naturalmente, é uma autoetnografia que facilmente desemboca em um autoexotismo. Tais estratégias se pautam por sempre marcar na materialidade fílmica a nação de origem da obra, mesmo que esta marca seja tantas vezes distorcida, caricata, kitsch, profundamente ideologizada. Não importa: é o gentílico atribuído ao filme que confere um dos seus principais atributos de vendagem. Exatamente este fenômeno mobiliza Peter Rollberg (2015) em outro texto empenhado em desvendar a capital cazaque através do