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2 RENDIMENTO ESCOLAR: UM OLHAR SOBRE SEUS PRINCIPAIS

2.1 Breve Introdução à discussão de Fluxo Escolar

2.1.1 Panorama do Rendimento Escolar no Brasil

O referencial teórico abordado busca expandir a compreensão acerca do rendimento escolar, fator indispensável para construção de uma educação de qualidade. Para tanto, a princípio, apresentamos o panorama do rendimento escolar no Brasil. Essa discussão mais ampla permite compreender que o rendimento está sujeito a algumas tendências tal como discutimos a seguir. A segunda subseção avança na reflexão ao abordar o processo de transição, além de discutir como o rendimento escolar fica sensível a essa fase de transformações. Por fim, também é necessário discutirmos quais fatores externos e internos à escola moldam os resultados escolares.

Os indicadores de rendimento escolar do Brasil retratam um sistema educacional como sendo um dos mais “[...] ineficientes, desiguais, excludentes e improdutivos do mundo” (TAVARES, 2016, p. 113). O rendimento escolar ainda é uma das maiores fragilidades do sistema educacional. Dentre os países da América Latina, o Brasil é o que ostenta maiores taxas de atraso, chegando a 40% (CRAHAY; BAYE, 2013). Embora alguns autores reconheçam que as taxas de reprovação tenham caído, esses valores ainda permanecem altos (TAVARES; FARIA; LIMA, 2012; OLIVEIRA; SOARES, 2012).

De acordo com Tavares, Valle e Maciel (2015), os estudos sobre reprovação não são recentes. Em 1940, o então diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógico, Lourenço Filho, já discutia a respeito do rendimento escolar:

Na verdade, a este aspecto nenhum supera em importância. De nada valerá planejar, aparelhar as escolas, provê-las de mestres, convocar os alunos, se acaso estes não frequentem regularmente as aulas ou, frequentando-as, não adquiram os níveis de educação desejados (LOURENÇO FILHO, 1940, p. 659-660).

Há 78 anos, Lourenço Filho reconhecia a complexidade dos estudos acerca da reprovação. Nessa lógica, atribuía, como umas das possíveis causas do fracasso escolar, “[...] a incapacidade da escola em atender aos reclamos sociais da educação” (LOURENÇO FILHO, 1940, p. 660). Segundo o autor, aquelas escolas eram incapazes de motivar tanto as crianças quanto seus familiares a entenderem as vantagens em frequentar e avançar nos estudos. Nessa perspectiva, isso se devia ao fato de as escolas não exercerem sua verdadeira função social, que era, no seu entendimento, o “preparo para a vida e para o trabalho”. Desse modo, o ensino ofertado assumia um caráter de preparação inteiramente formal, isto é, puramente restrito aos processos de alfabetização.

São muitos os estudiosos (BARRETO; MITULIS, 2001; TAVARES, 2016; CRAHAY; BAYE, 2013) que ponderam sobre a atual situação da educação nacional. Dentre as mudanças que vêm ocorrendo, destacam-se a universalização do Ensino Fundamental e a obrigatoriedade da oferta dessa etapa do ensino, porém esses avanços não foram suficientes para responder a questão do insucesso escolar. A esse respeito, Oliveira e Soares (2012, p. 8) argumentam que as escolas foram incapazes de responder a essas mudanças: “[...] o sistema educacional brasileiro não estava preparado para receber este influxo de alunos, principalmente considerando que estes vieram dos estratos socioeconômicos menos privilegiados”. Por sua vez, Sá, Barreto e Mitrulis (2001) afirmam que, em 1970, na faixa etária de 7 a 14 anos, de cada três crianças, duas frequentavam a escola. Segundo os autores, embora o acesso ao ensino tenha melhorado, o mesmo não se pode afirmar a respeito da qualidade do ensino:

[...] no que se refere à qualidade do ensino e ao sucesso escolar da maioria, o balanço de seu desempenho é seguramente insatisfatório, tendo persistido o caráter excludente e seletivo do sistema educacional brasileiro no decorrer desse longo período. (SÁ BARRETO e MITRULIS, 2001, p. 103).

Em semelhante perspectiva, Tavares, Faria e Lima (2012) e Setubal (2007) sustentam que a mensuração da proficiência aponta para a deterioração dos padrões de qualidade. Esse padrão perverso culmina na reiteração da desigualdade. A queda da qualidade percebida, a

partir da década de 1990, guarda relações com a ampliação do acesso e com as políticas de correção de fluxo. Diante disso, os ganhos obtidos pelo acesso foram minimizados pela queda da qualidade (TAVARES; FARIA; LIMA, 2012). Observou-se, portanto, que as políticas de acesso e de fluxo ignoraram a necessidade de preparar a instituição escolar para lidar com as crianças sem suporte familiar. Consequentemente, as crianças oriundas de famílias de baixo poder aquisitivo, que antes eram excluídas da escola, passam a ser excluídas na escola. Isso porque a escola desconsiderou as transformações sociais e as diferentes necessidades dos grupos sociais que passaram a frequentar esse universo.

O despreparo das escolas para lidarem com esse público ainda se reflete ora nas taxas de reprovação, ora na queda de proficiência. Crahay e Baye (2013) afirmam, tendo como base a análise logística, que todos os países que praticam a repetência em larga escala fazem-no de acordo com o nível socioeconômico dos alunos. Ou seja, a repetência atinge os alunos menos favorecidos.

De acordo com Prado (2000), repetência e evasão são problemas crônicos que sempre permearam a educação brasileira. No cerne da problemática defasagem idade/série, está o insucesso escolar. Em consequência disso, há um duplo prejuízo: perda da autoestima dos alunos e aumento com os gastos da educação pública. De modo semelhante, Rebelo (2009) esclarece que os prejuízos da reprovação impactam além do rebaixamento da autoestima, causado pelos sentimentos de frustração, vergonha e autodepreciação. Outros prejuízos, como a separação dos antigos colegas, devem ser considerados.

Bacchetto (2016) estimou o custo financeiro da repetência para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A área urbana com maior concentração de alunos apresentou o maior custo, estimado em 7,38 bilhões de reais. Já a área rural teve um gasto de 1,41 bilhão de reais. Nas etapas da educação básica, os anos finais do Ensino Fundamental registraram 3,63 bilhões de reais em gasto, seguidos pelos anos iniciais do Ensino Fundamental, com 2,75 bilhões de reais; e pelo Ensino Médio, com 2,41 bilhões de reais. Os estados que mais gastam com a reprovação são: São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Indubitavelmente, essa prática onera o sistema educacional brasileiro. Bruns et. al (2012 apud SHIRASU; ARRAES, 2014) afirmam que esses gastos correspondem a 12% das despesas totais do ensino básico.

As informações geradas pelos dados oficiais permitem entender melhor o fluxo de acordo com suas particularidades. Baccheto (2016), por exemplo, analisando os dados do Censo Escolar no ano de 2012, atestou que a rede federal foi a que apresentou maior taxa de

repetência, embora represente apenas 0,4% de matrículas nacionais. Em contrapartida, a rede particular, no mesmo ano, apresentou a menor taxa de repetência, sendo responsável por 14,2% das matrículas em nível nacional. Outra informação produzida a partir desses dados retrata a realidade de alguns estados, como Alagoas, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Sergipe. Nesses estados, foi possível atestar que um percentual superior a 50% da população masculina das escolas urbanas registrou repetência no seu histórico escolar. Também foi possível observar uma semelhança nas taxas de reprovação das redes estaduais e municipais do mesmo estado. Quanto à população urbana e rural, foi possível confirmar uma taxa de 9,3% de reprovação nas escolas urbanas e de 11,9% nas escolas rurais. Destacamos, porém, as taxas relativas à reprovação na população de estudantes com deficiência, alcançando um patamar 21,8%. Por fim, no ano de 2012, havia 3.290.949 alunos repetentes. Destes, 75,7% estavam matriculados no Ensino Fundamental.

Além dos dados gerados pelas instituições nacionais, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), responsável pelo Programa de Internacional de Avaliação de Alunos (PISA)17, também subsidia informações da educação

nacional. O relatório intitulado “Brasil no PISA 2015: Análises e reflexões sobre o desempenho dos estudantes brasileiros” afirma que a defasagem idade-série ainda é um desafio para diversos estados brasileiros. Nesse contexto, o estado de São Paulo é o que apresenta melhor índice no fluxo. Já os estados da Bahia, Mato Grosso do Sul, Rondônia possuem os piores índices. Ao se pensar por rede de ensino, a rede municipal é a que apresenta os piores resultados. Em média, os alunos estão com quase dois anos de defasagem escolar quando comparados com alunos da mesma idade pertencentes a outras redes de ensino (FUNDAÇÃO SANTILLANA et al., 2016).

É possível afirmar que os estudantes da rede municipal e rural tendem a ter maior distorção de idade-série. Ainda segundo os dados do relatório, em média, 40% dos alunos afirmam ter repetido, ao menos uma vez, nos anos iniciais do Ensino Fundamental ou nos anos finais do Ensino Fundamental. Em países como Finlândia, Canadá e Coreia do Sul, esse número não chega a 5% (FUNDAÇÃO SANTILLANA et al., 2016).

Nesse cenário, o que conseguimos observar é que, ao longo do tempo, um desafio essencial tem persistido na educação brasileira: a urgência em garantir condições de

5 Programa Internacional de Avaliação de Estudantes realizado, a cada três anos, com alunos matriculados a

partir do 8º ano do ensino fundamental, na faixa etária de 15 anos. Abrange as avaliações nas áreas de leitura, matemática e ciências.

permanência do aluno mediante a oferta do ensino de qualidade (SÁ; BARRETO; MITRULIS, 2001). Essa permanência passa pelo fluxo adequado efetivado pela aprendizagem na idade correta, resultante das boas práticas escolares. Vale esclarecermos que o termo “aprendizagem na idade correta” não desconsidera a singularidade dos sujeitos, porém é necessário que os professores tenham altas expectativas sobre a capacidade de desenvolvimento dos seus alunos. Desse modo, incentiva-se o professor a buscar caminhos alternativos quando as rotas já utilizadas não tenham sido eficientes para gerar aprendizagem. Com isso, o professor se adéqua às necessidades dos seus alunos.

A subseção seguinte aborda a questão da reprovação escolar como prática pedagógica naturalizada e legitimada historicamente pelos brasileiros.