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NÚMERO DE ALUNOS MATRICULADOS

3.5 O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES PRIVADAS

As políticas de educação especial destinadas ao atendimento dos deficientes no Brasil historicamente estiveram muito próximas das instituições filantrópicas assistencialistas de caráter privado, principalmente a partir de convênios e de repasse de verbas públicas. O trabalho realizado com os deficientes e a consequente aproximação com o Estado possibilitou a essas instituições privadas adquirirem poder perante o Estado, interferindo nas leis e nos direcionamentos das políticas públicas de educação especial. Entender como esse processo mobilizou e interferiu na política estadual paranaense abre possibilidades para apreendermos também o movimento que ocorre com as políticas em âmbito federal, principalmente quando buscamos compreender a proposição das políticas de educação especial em sua totalidade. Neste momento concentramos nossa análise no movimento das políticas públicas de educação especial a partir do papel exercido pelas escolas especiais mantidas pela iniciativa privada no estado do Paraná.

O papel das instituições assistencialistas de cunho filantrópico como responsáveis pelo atendimento aos deficientes ganhou força e se solidificou no período de 1960-1970, marcado em todo o país pelo aumento das iniciativas não governamentais. Tornaram-se expressivas as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais vinculadas ao movimento apaeano, o qual se expandiu pela maioria dos estados brasileiros na segunda metade do século XX. Jannuzi (2004) ressalta que houve a permissão do Estado para a execução das políticas referentes à educação especial pela iniciativa privada.

No estado do Paraná, essas instituições assistencialistas são representadas principalmente pelas APAEs que, no site da FENAPAEs (2013), posicionam-se como a primeira forma de atendimento aos deficientes no estado e ressaltam uma história anterior às medidas oficiais do governo, marcada pela criação da APAE na cidade de Curitiba em 1962. Para Bueno (2004), a criação das instituições de atendimento à educação especial, como a Sociedades Pestalozzi e o Instituto de Cegos na década de 1930, foi acompanhada do crescente número de instituições privadas para atendimento aos deficientes.

Segundo Moraes (2011), o Paraná registrava, na primeira década do século XXI, 92% das cidades oferecendo algum tipo de atendimento aos deficientes ligados às instituições privadas assistenciais de cunho filantrópicos. Constatamos que a formação e o rápido crescimento das escolas especiais mantidas por instituições privadas assistenciais

pressionaram os formuladores das políticas públicas de educação especial para a organização de propostas de atendimento oficial às pessoas com deficiência, mas não aconteceu a construção de uma política direta por parte do Estado. Criaram-se apenas pontes entre ambos, com o Estado repassando recursos e pessoal e recebendo um espaço para execução desse tipo de serviço nas instituições.

A condição de fortalecimento dessas instituições privadas no Paraná se solidificou com a criação, em 29 de maio de 1993, da Federação Nacional das APAEs, que exerceu significativa influência no governo estadual no que se refere a políticas voltadas à educação especial. Moraes (2011) indica que tal influência pode ser percebida em algumas decisões parlamentares, votações e discursos relacionados à educação e à educação especial. Uma demonstração desse poder referido pela autora aconteceu quando, no segundo mandato do governo Lula, discutiam-se mudanças nas relações com as escolas especiais que giravam em torno das determinações ou das tentativas de formação de uma escola única, principalmente pelos defensores do compromisso ―todos pela educação‖. Tais ideias encontraram no Paraná forte resistência do governo e principalmente do movimento apaeano. Moraes (2011) aborda o momento dessas discussões no governo estadual, com maior ênfase em 2010 e 2011, acentuando que o Conselho Estadual de Educação do Paraná reconheceu as APAEs como escolas de educação básica. No entanto, o governo paranaense não mantém a proposta anterior e sim adapta a lei para a manutenção de uma postura discursiva de distanciamento do governo federal.

Nesse documento estão contidas indicações de ações governamentais que buscam justificar as mudanças em curso, a exemplo de um concurso público para professores que contribuiu

para uma significativa expansão da Educação Especial que passou de 52.139 alunos atendidos, em 2002, para 79.375, em 2006, o que representa 52,32% de acréscimo no número de matrículas. Deste total, o crescimento mais efetivo ocorreu na rede pública de ensino que passou de 17.796, em 2002, para 40.760 alunos, em 2006, o que equivale a 129,04% de crescimento. Por outro lado, no mesmo período, as matrículas na rede conveniada cresceram apenas 12,5% (PARANÁ, 2006, p. 34).

Esses dados foram utilizados pela gestão de Roberto Requião (1º de janeiro de 2003 a 4 de setembro de 2006) para exemplificar que

houve mudanças nos encaminhamentos para a educação e educação especial. No caso da educação especial, é dado destaque ao aumento referente ao atendimento especializado, com o acréscimo de convênios e repasses àqueles que trabalham com os alunos que necessitam de atendimento especializado. O que mais chama a atenção é a afirmação de que o governo conseguiu realizar alianças entre os órgãos do governo e a iniciativa privada para o atendimento especializado dos alunos. Moraes (2011) destaca, sobre esse aspecto, que houve uma ―nova‖ postura do governo estadual do Paraná em relação à chamada publicização e à privatização da educação especial. Pode-se observar essa articulação nas Diretrizes (PARANÁ, 2006, p. 33):

Tal período teve como perspectiva a retomada do diálogo com representantes dos diferentes segmentos que, historicamente, colocam em prática a Educação Especial no Estado do Paraná, a fim de resgatar-se o princípio do trabalho conjunto e articulado entre o poder público e a sociedade civil.

Para Moraes (2011) o governo Requião adotou a chamada ―publicização‖ da educação especial, que, segundo a autora, é

na verdade, a denominação ideológica dada à transferência de questões públicas da responsabilidade estatal para o chamado ―terceiro setor‖ (conjunto de ―entidades públicas não estatais‖, mas regido pelo direito civil privado) e ao repasse de recursos públicos para o âmbito privado. Isto é uma verdadeira privatização de serviços sociais e de parte dos fundos públicos (MONTAÑO, 2003, apud MORAES, 2011, p. 129).

Uma das marcas nos documentos em análise correspondente ao período do governo Requião e envolve a explicitação das diferenças entre o seu governo e de seu opositor que estava à frente da administração estadual no período anterior (governo Lerner, de 1° de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2002) e, ao mesmo tempo, seu distanciamento do governo nacional (gestão de Lula, de 2003 a 2011). Tal contenda com o governo federal se expressa principalmente nas Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos (PARANÁ, 2006), nas quais o governo estadual afirma que a preocupação do estado não levou em conta o ―desmonte da

Educação Especial‖ proposto pelas políticas nacionais, que nega o papel histórico das instituições filantrópicas.

Em 2010, Carlos Alberto Richa foi eleito para governador do estado do Paraná (2011)50 e na campanha foi oposição declarada ao grupo apoiado pelo então governador Roberto Requião. Mesmo não havendo declaradamente um entendimento entre os dois grupos em relação à educação especial, houve continuidade dos serviços e dos projetos.

O documento em questão evidencia a influência das instituições privadas assistenciais de caráter filantrópico na atuação do estado, principalmente do movimento apaeano e que encontra na pessoa do Flávio Arns um de seus maiores defensores. Porém, cabe questionar: tais encaminhamentos desse governo estadual rompem com a perspectiva neoliberal apresentada pelo governo nacional? Podemos compreender que esse encaminhamento é mais uma possibilidade de expressão do neoliberalismo apresentar-se na atualidade? Estaria esse encaminhamento do estado do Paraná mais próximo das bases do liberalismo clássico?

A produção de Moraes (2011) nos ajuda a compreender essa relação, pois a autora realiza um acompanhamento da constituição da política de educação especial paranaense, cotejando com o contexto nacional. É esse processo metodológico que permite à autora perceber o papel do ex-senador e agora vice-governador e secretário da educação paranaense, Flávio Arns, na relação entre público e privado.

A sustentação do discurso paranaense em prol da manutenção das escolas especiais e sua postura que consideramos de adequação à política nacional, através da Resolução 3.600 (PARANÁ, 2011a), pode ter influenciado ou até pressionado a política nacional, principalmente quando verificamos a publicação do Decreto n. 7.611 (BRASIL, 2011), que atribui papel relevante às instituições privadas. Esse aspecto se sustenta principalmente por verificarmos que a Resolução n. 3.600 do Paraná é do dia 18 de agosto de 2011 e o Decreto n. 7.611 é de 17 de novembro de 2011.

Percebemos que no Paraná a relação do governo com as instituições privadas assistencialistas de cunho privado é muito próxima. Isso não significa dizer que o governo paranaense estabelece uma política pública de educação especial divergente da nacional, mas sim que coloca a sua política de educação especial de uma forma diferente, fazendo com que estejam sendo cumpridas determinações nacionais,

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como de existir na política nacional a exigência de matrículas em escolas regulares. O estado do Paraná subverte a política nacional e sustenta a ideia de manutenção das escolas especiais, mas, ao mesmo tempo, transforma-as em escolas regulares. Outra sustentação dessa justificativa de subversão à política nacional, pois o estado vai permitir a existência das escolas especiais, junto com aquilo que chama de inclusão educacional, mantendo os serviços de apoio.

4 IDENTIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO ESTADO