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CAPÍTULO I – Enquadramento Conceptual

3. Ser Professor no Ensino Superior

3.3. Que Formação Pedagógica para os Docentes do Ensino Superior?

3.3.1. Para Uma Conceptualização de Formação

Existem diferentes quadros conceptuais que, integrando vários modelos, teorias e práticas de formação, tendem a designar-se por paradigmas. Parafraseando Popkewitz et. al. (1979, cit. Por Zeichner, 1983, p.3), um paradigma na formação de professores pode ser concebido como “uma matriz de crenças e assunções acerca da natureza e das finalidades da educação escolar, do ensino, dos professores e da sua formação que moldam formas específicas de prática na formação de professores.”

Éraut (1988) refere quatro diferentes paradigmas que englobam as práticas de formação de professores. Dois deles tinham sido já enunciados por Jackson, em 1971, os restantes têm vindo a impor-se posteriormente: o paradigma do deficit, do crescimento, da mudança e da resolução de problemas.

Quanto ao paradigma do deficit defende que a formação do professor é limitada e ineficaz, porque a sua formação inicial torna-se precária ou a sua actualização científica, no domínio disciplinar e/ou pedagógico, deficiente. Nesta perspectiva, todas as modalidades formativas devem actuar ao nível das competências práticas do professor, cuja inadequação é considerada responsável pelo insucesso escolar dos alunos. Portanto, apoiando-se em correntes comportamentalistas, os projectos de formação centram-se nas competências, na supervisão de práticas pedagógicas e em experiências de micro-ensino.

O paradigma do crescimento, por seu turno, considera que o professor tem um papel exigente, porque, para além das competências diversificadas, requer que esta faça uma reflexão e se posicione sobre os fenómenos educativos. Neste sentido, a formação procura contribuir especificamente para o desenvolvimento e realização deste profissional, que lhe facilite a concepção e assunção de um modelo próprio de ensino. A sua experiência profissional é valorizada no processo de mudança pessoal/profissional Este paradigma norteia-se por teorias construtivistas, que dotam o professor dos instrumentos necessários a uma reflexão e problematização dos fenómenos em que é especialista, e que recorrem essencialmente a modalidades de formações proactivas.

O paradigma da mudança parte do pressuposto da necessidade de adaptar as dinâmica educativas às sucessivas mudanças operadas na sociedade e no sistema educativo. Neste campo, a formação deve preocupar-se em ajudar o professor a lidar com as mudanças decorrentes das transformações introduzidas no sistema. Nenhuma das perspectivas anteriores serve este fim, uma vez que, por um lado, não cabe ao professor o diagnóstico dessas exigências sociais nem a ponderação das necessidades de formação que estas vêm introduzir, o que exclui a consideração do paradigma do crescimento; mas por outro lado, o paradigma do deficit mostra-se inapropriado por desvalorizar o Know how profissional já adquirido.

A perspectiva mais recente relaciona-se com o paradigma da resolução de problemas. Neste caso, a formação é vista como algo que deve dar resposta aos problemas diagnosticados pelo professor no quotidiano da vida escolar. Portanto, os problemas não se restringem apenas ao plano da sala de aula, mas sim a toda a dinâmica interaccional que ocorre na escola ou se reflecte sobre ela.

Zeichner (1983) procura igualmente definir uma sistematização de paradigmas relacionados com as finalidades primordiais que se observam nas práticas quotidianas de formação de professores: paradigma comportamentalista; paradigma personalista; paradigma artesanal; paradigma orientado pela/para a pesquisa; paradigma académico.

Embora tendo vindo posteriormente a reformular a sua tipologia (Zeichener e Liston, 1990, cit. Por Nóvoa, 1991), permanece válida a análise então efectuada.

De acordo com o autor, o que distingue os paradigmas entre si é a forma como se situam relativamente ao grau de especificação do currículo de formação, antes de ter sido efectuado um diagnóstico das necessidades e interesses dos formandos; e ao grau de problematização das formas institucionais e contextos sociais da educação permitido no programa.

No que respeita à primeira dimensão, opõem-se currículos já construídos, cuja intenção é a ministrar um corpo de conhecimentos, considerado necessário pela investigação ou pela tradição, ao exercício da docência e que, por isso, não é passível de ser negociado com os formandos a currículos que acentuam a participação dos formandos na construção de conteúdos, visando estes dar resposta às necessidades e preocupações explicitadas por aqueles. Situam-se, no primeiro

extremo, os paradigmas comportamentalistas e artesanal, e, no extremo oposto, os paradigmas personalista e orientado pela/para a pesquisa.

No que respeita ao grau de problematização das formas e contextos do fenómeno educativo, contrapõem-se currículos que os entendem como dados estabelecidos, que não compete ao professor questionar a currículos que procuram incentivar a problematização, por parte dos professores, das práticas organizacionais vigentes. Encontra-se, neste caso, apenas o paradigma orientado pela/para a pesquisa, ao passo que no pólo oposto se situam todos os restantes.

Partindo da classificação realizada por Zeichner (1983), mais recentemente Feiman (1990, cit. por Marcelo Garcia, 1993) apresenta as seguintes orientações conceptuais de formação, nomeadamente a académica, a prática, a técnica, a pessoal, a crítica/social.

A Orientação Académica é a que predomina em relação às restantes, cujo objectivo primordial é o domínio do conteúdo, sendo o formando encarado de forma passiva. Nesta perspectiva, o professor é encarado como intelectual, académico ou perito na matéria, privilegia a transmissão de conhecimentos científicos e culturais de modo a que o sujeito obtenha uma informação especializada, centrada sobretudo no conhecimento das matérias em que é especialista.

Pérez Gómez (1992) considera que existe, nesta orientação, duas abordagens diferentes: a enciclopédica, que define como o conhecimento mais importante a definir o conhecimento do conteúdo. Por outro lado, destaca a abordagem compreensiva que perspectiva o sujeito não numa lógica enciclopédica, mas sim como um intelectual que compreende logicamente a estrutura da matéria que possui.

A Orientação Prática destaca a dimensão artística e artesanal do ofício de professor e enfatiza a componente prática. O modelo de aprendizagem associado a esta formação é a experiência pela observação. Durante este período, o sujeito adquire competências práticas, aprendendo a agir em situações reais. O aluno tem uma acção passiva, não indo mais além do que aquilo que observa, o que transmite apenas uma visão parcial do ensino. Pérez Gomez (1992) também distingue duas abordagens nesta orientação: a tradicional, em que o sujeito realiza uma aprendizagem do “ofício”através do método tentativa – erro. Na segunda abordagem, a

componente reflexiva é o eixo central do processo de formação, o que implica um exame crítico da acção.

A Orientação Técnica assume que o professor deve conhecer todos os dispositivos do ensino, pelo que aprender a ensinar pressupõe conhecer e praticar os conhecimentos derivados da investigação sobre o processo de ensino. Houston apresentou, em 1981, um estudo (um dos mais representativos da orientação tecnológica) sobre a educação centrada nas competências, nos Estados Unidos, onde afirmava que “esta abordagem foi utilizada para formar dentistas e médicos, enfermeiros, engenheiros, professores e administradores escolares. Foi utilizada para treinar especialistas em Karaté e directores de restaurantes” (Houston, 1981, cit. por Marcelo, 1993, p.34).

A Orientação Pessoal, como deriva das correntes personalistas, entende a formação como um processo construído para desenvolver a compreensão do professor, que lhe permite mobilizar-se eficazmente a si próprio. A formação visa o desenvolvimento do sujeito, para que obtenha uma maturidade psicológica que lhe permite enfrentar e resolver situações de trabalho. O comportamento da pessoa depende do modo como se percebe a si própria, do modo como entende a situação em que está inserido e da inter - relação entre estas duas percepções.

A Orientação crítica/social fundamenta-se na teoria crítica do currículo. Nesta orientação, o professor define-se como um sujeito crítico em relação ao conhecimento e ao poder, faz do espaço de formação um momento de problematização e de reflexão crítica do fenómeno educativo e dos contextos em que ocorre. Portanto, os programas de formação orientam-se para a indagação e os conceitos de sociedade, como hegemonia, poder, construção social do conhecimento ou reprodução cultural estão integrados como conteúdos de formação.

Relacionando estas orientações com os trabalhos pedagógicos propostos por Lesne (1977, citado por Arroz, 1996)), podemos dizer que as três primeiras orientações remetem-nos para o trabalho pedagógico de tipo transmissivo. Elas procuram preparar o professor para certas funções ou compensar o desvio entre os comportamentos dos indivíduos e as exigências da sociedade. O modo de trabalho pedagógico do tipo incitativo está relacionado com a orientação pessoal, em que opera principalmente ao nível das disposições e motivos dos indivíduos, procurar tornar autónomas as aprendizagens e a gestão dos projectos de desenvolvimento profissional de cada professor. Por

fim, a orientação crítica/social insere-se no modo de trabalho pedagógico do tipo apropriativo, que, propondo a existência de uma relação dialéctica entre teoria e prática, conceptualiza uma formação informada por uma pedagogia crítica.