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O Paradigma e as Revoluções Científicas

A história da ciência usualmente relatava o progresso como um desenvolvimento linear, com gradual acúmulo de conhecimento, que resultou na visão científica de mundo; substituiu a Teologia e a Filosofia como norteadores principais da existência humana e conseguiu avanços tecnológicos que transformaram profundamente a organização social. Cada período da história da ciência é apresentado como um passo lógico no desenvolvimento das idéias e métodos científicos, aproximando-se cada vez mais da descrição mais verdadeira do universo.

Este modo de perceber o desenvolvimento da ciência foi revisado pelo físico e historiador Thomas Kuhn, que considerou tal descrição distorcida e romântica. Seus estudos partiram das observações de algumas diferenças entre as ciências naturais e sociais. Ele notou o grande número de desacordos entre cientistas sociais a respeito da natureza básica de problemas legítimos e de metodologias adequadas. Essa situação era contrastante com a atitude dos praticantes da astronomia, da química e da física, que não estavam envolvidos em controvérsias sobre problemas fundamentais, apesar de obterem respostas da mesma qualidade científica. Kuhn, aprofundando seus estudos, publicou um tratado sobre a história da ciência descrevendo-a como cheia de ambigüidades, cíclica, com estágios e características dinâmicas e específicas. O conceito central de sua teoria é a noção de paradigma definido como uma constelação de crenças, valores e técnicas compartilhadas pelos membros de uma determinada comunidade científica. Alguns paradigmas possuem natureza básica filosófica, sendo genéricos e abrangentes, outros governam o pensamento científico em áreas de pesquisas mais restritas e específicas. Dessa forma a extensão da influência de um paradigma pode ser tão grande que atue em todas as ciências naturais ou tão especializada que só funcione em áreas bem restritas do conhecimento. É uma noção nuclear, ao mesmo tempo lingüística, lógica e ideológica (Kuhn,1982).

A ciência não pode lidar com a realidade extremamente complexa e observar todas as variáveis envolvidas num fenômeno específico. Por isso mesmo, torna-se necessária uma seleção para reduzir o problema a uma escala trabalhável. O guia desta seleção é o paradigma, tão essencial à ciência quanto à observação e a experimentação. Daí entender-se que a aderência a um paradigma específico é um pré-requisito absolutamente indispensável em qualquer empreendimento científico, o que implica conceber um sistema de crenças definido na área de estudo.

O início das ciências, conhecido como período pré-paradigmático, é caracterizado por caos e competição conceituais entre grande número de visões divergentes da natureza. Entretanto, o conjunto de conceitos e crenças mais plausível, elegante, simples e aceitável, compatível com observações e métodos científicos que parecem dar conta das observações presentes e disponíveis e que promete uma orientação para futuras explorações, se configurar-se-á como paradigma dominante. Torna-se a forma mandatária de abordar problemas pela comunidade científica e tende a ser confundido como uma descrição acima da realidade, em vez de ser visto como um mapa útil ou uma aproximação conveniente. Ainda assim, o paradigma é nesta fase um poderoso catalisador do progresso científico, que Kuhn denomina período de ciência normal. Enquanto vigorar o paradigma, somente os problemas que tiverem solução provável no âmbito daquela visão de mundo serão considerados legítimos e todas as inovações não consideradas compatíveis são relegadas, pois são subversivas em relação ao compromisso básico da comunidade. A pesquisa da ciência normal é, portanto, cumulativa, pois ela enfatiza a forma de chegar aos resultados e os cientistas escolhem apenas os problemas que podem ser resolvidos pelos instrumentos conceituais existentes. Mais recentemente, Morin redefiniu o paradigma com um tipo de relação muito forte, possuidora de uma natureza lógica entre um conjunto de conceitos-mestres (Morin, 1996).

Novas teorias só poderão surgir quando as antecipações sobre a natureza e instrumentos, baseados no paradigma existente, estiverem fracassando; elas mudam regras básicas ou exigem reformulações nos pressupostos fundamentais e envolvem uma reavaliação de fatos e observações existentes. Kuhn caracteriza eventos dessa natureza como momentos da crise paradigmática seguida de revoluções científicas. Seus exemplos exponenciais são a transição da física aristotélica para a de Newton ou a teoria flogística

para a química de Lavoisier. Cada situação exigiu a rejeição de uma teoria científica amplamente aceita para outra, que em principio era incompatível; isso levou à reformulação da própria percepção do mundo.

As revoluções científicas são anunciadas pelo acúmulo de observações numerosas que não se encaixam de forma alguma no sistema de crenças existente – as anomalias - ou ainda um problema que deveria ser resolvido, resiste a esforços repetidos de representantes provenientes da profissão. Por curto período, as anomalias são percebidas como má-pesquisa até que confirmações experimentais sucessivas instaurem a crise. Os critérios para pesquisa tendem a tornar-se mais flexíveis. Os pesquisadores tornam-se mais abertos e predispostos a considerar alternativas desafiadoras; formulações teóricas competitivas proliferam e suas divergências aumentam gradualmente. Reinicia-se o debate a respeito de pressupostos fundamentais, legitimidade de problemas e validade de métodos. Progressivamente, se estruturam concepções competidoras entre si, que possuem seus problemas de comunicação ou de linguagem, pois operam basicamente sobre postulados, hipóteses sobre a realidade e definição diferente para questões fundamentais.

A escolha de um novo paradigma ocorrerá quando for minada a profunda confiança que o paradigma corrente inspirou como uma representação verdadeira da realidade. “Ela não ocorre em estágios, passo a passo, sob o impacto inexorável da evidência e da lógica. É uma mudança súbita, semelhante a uma conversão psicológica ou a uma mudança de percepção entre figura e fundo; segue a lei do tudo ou nada. Os cientistas que abraçam um novo paradigma falam sobre a experiência do “AH! É!”que é uma resolução súbita, ou um flash de iluminação intuitiva. Para Max Planck, entretanto, o que ocorre é algo diferente; seguindo seus relatos “uma nova verdade científica triunfa não porque convença seus oponentes, fazendo-os ver a luz, mas porque eles eventualmente morrem e uma nova geração cresce familiarizando-se com ela”. (Grof, 1988). Uma vez que o novo paradigma foi aceito e assimilado, sua perspectiva e interpretação de mundo são incorporados aos livros, que como fontes autorizadas devem ser reescritos a cada revolução científica. Estabelece-se assim um novo período de ciência normal (Alves, 2000).