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Paradiplomacia: acerca de um novo debate nas relações internacionais

Sumário

CAPÍTULO 1: PARADIPLOMACIA – TEORIAS, UNIDADES SUBNACIONAIS E NOVO DEBATE NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

1.4 Paradiplomacia: acerca de um novo debate nas relações internacionais

A paradiplomacia é um tema de crescente importância na área das relações internacionais, que se refere aos processos da extroversão de atores subnacionais, como governos locais e regionais na esfera internacional. Seu intuito é obter recursos e resolver problemas específicos de cada área com rapidez e facilidade sem a intervenção dos governos centrais.

“A paradiplomacia é envolvimento dos governos subnacionais nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional.” (PRIETO, 2004)

No campo prático das relações internacionais, a paradiplomacia tornou-se importante temática porque modifica as concepções tradicionais que têm nos Estados nacionais seu foco exclusivo. Desde a década de 1950, com o final da Segunda Guerra Mundial, as relações internacionais passaram a sofrer mudanças em relação aos atores responsáveis pelos acordos e negociações internacionais. Ao longo dos anos, este passou a estar aberto, também, a outros agentes por meio de processos de transnacionalização17.

Há quase um consenso entre os autores do tema de que essa nova dinâmica de negociações e interações foi intensificada a partir do final da década de 1980 e início de 1990, constituindo- se assim uma segunda onda de paradiplomacia, durante o final da Guerra Fria (ALMEIDA e SILVA, 2007).

16 As reflexões contidas nesta etapa da pesquisa têm como referência os capítulos do livro A dimensão internacional e as relações internacionais, de Mariano e Barreto (2004), Questão subnacional e integração regional: o caso do Mercosul; Keating (2004), Regiones y asuntos internacionales: motivos, oportunidades y estrategias; Hocking (2004), Regionalismo: uma perspectiva das relações internacionais; Prieto (2004), O outro lado do regionalismo pós-soviético e da Ásia do Pacífico: a diplomacia federativa além do mundo ocidental; e Sassen, O Estado e a nova geografia do poder. Do livro Governos subnacionais e sociedade civil: integração regional e Mercosul, os capítulos de Mariano e Mariano (2005), Governos subnacionais e integração regional: considerações teóricas e Kugelmas e Branco, Os governos subnacionais e a nova realidade do federalismo.

Tal como o processo exercido pelas empresas multinacionais, que culminaram em uma primeira onda de paradiplomacia nas relações internacionais.

17 Tal como o processo exercido pelas empresas multinacionais, que culminaram em uma primeira onda de paradiplomacia nas relações internacionais.

Com essa nova reestruturação das relações internacionais e com a intensificação da globalização econômica, houve uma inserção de novos agentes no cenário internacional, que, assim, deixou de ser área de influência apenas dos Estados nacionais. Pode-se dizer que existem dois grupos de novos atores. O primeiro está composto pela ação de agentes subnacionais, como governos locais (estados/províncias/departamentos e municípios/ayuntamentos). O segundo, por empresas transnacionais, organizações não governamentais e organizações internacionais. A partir da década de 1990, o fenômeno da paradiplomacia, portanto, se intensifica de maneira inédita. As razões encontram-se tanto em mudanças no âmbito do Estado nacional e do sistema internacional, como nas transformações econômicas e políticas que ocorreram regionalmente (KEATING, 2004).

No cenário pós-guerra fria e de ascensão da globalização econômica, ocorre um fenômeno que se pode chamar de mutilador da soberania dos Estados nacionais. Isso ocorre pela articulação de um duplo efeito de erosão do papel destes. O primeiro é a materialização dos efeitos da globalização nos territórios dos governos locais, que os guindam à condição de atores internacionais sem voz e poder para tal. O segundo ocorre pelo fortalecimento, como estratégia da globalização, das entidades gestoras no processo (em particular o Banco Mundial), que coordenam esforços no sentido da adoção de políticas de descentralização de atribuições e competências, em direção às esferas inferiores de governo.

Esse processo possibilitou a ascensão de governos subnacionais como atores das relações internacionais, que adquirem crescente importância relativa, uma vez que – como já visto – a política externa é de responsabilidade exclusiva dos Estados nacionais, que de certa forma estão enfraquecidos. A intensificação dos processos de interdependência, nos termos de Nye e Keohane, aumentou as iniciativas de integração regional, ao mesmo tempo em que provocou mudanças nas condições de gestão dos Estados nacionais.

Ou seja, na medida em que os Estados nacionais vêm perdendo terreno de atuação tradicional, como agente do desenvolvimento regional e nacional, ocorre a transferência de responsabilidade para os níveis estaduais (ou provinciais) e locais de governo, em uma tentativa de amenizar os efeitos negativos dos processos de integração (KEATING, 2004). Agora, as políticas aduaneiras se veem limitadas por regimes comerciais globais e continentais, assim como as políticas regionais redistributivas18. Por isso, os governos nacionais põem mais

ênfase na competitividade nacional e menos no equilíbrio regional, deixando esse espaço para os governos subnacionais (KEATING, 2004).

De acordo com Hocking (2004), há quatro maneiras para as unidades subnacionais influenciarem na política externa:

1) por meio de governos nacionais, via órgãos regionais; 2) diretamente, com os governos nacionais;

3) diretamente, por meio dos órgãos regionais;

4) diretamente com o sistema internacional, sem nenhum intermediário.

18 O autor refere-se à existência de políticas compensatórias dentro da integração regional. As políticas compensatórias servem para atenuar, ou até mesmo reduzir, as desigualdades regionais e locais, provocadas pela integração regional. Por exemplo, os fundos estruturais europeus. O processo decisório de distribuição dos recursos, neste caso, varia de acordo com o grau de desenvolvimento da região. Outro critério atinge regiões com problemas relacionados ao número maior de desempregado. E a aplicação desses recursos é feita em cooperação com as autoridades regionais, que ajudam a definir as prioridades de gastos.

Os governos subnacionais passam a desenvolver um novo protagonismo, muitas vezes inédito, em relação ao plano externo. Conjugam-se, assim, estratégias e iniciativas diferenciadas voltadas, por um lado, para atração de investimentos, a renovação da base econômica e a modernização da infraestrutura e, de outra, a melhoria da qualidade de vida, a integração social e a governabilidade (MARIANO e BARRETO, 2004).

As experiências ao redor do mundo têm demonstrado uma tendência simultânea de incorporação de novas funções (coordenação e articulação entre diferentes instâncias de governo, a iniciativa privada e demais setores da sociedade civil), e ampliação do campo de atuação subnacional em setores considerados estratégicos, como é o caso da gestão das relações internacionais (BORJA; CASTELLS, 1996). Mas a incorporação de assuntos internacionais às agendas locais dos governos esbarra em restrições, muitas vezes, jurídicas. O grau de protagonismo é definido distintamente, de acordo com a Constituição de cada país. No entanto, essas restrições também podem oscilar entre posições políticas, econômicas e sociais (KEATING, 2004).

Em casos como o brasileiro, embora a Constituição nacional apresente rígidos obstáculos à atuação internacional dos Estados, essa atividade é tolerada com a tutela do governo central. Em outros casos, a ação subnacional pode depender muito mais da correlação entre forças políticas, que podem tolher ou incentivar as iniciativas. Como exemplos, temos os casos argentino e russo (PRAZERES, 2004).

A partir disto, surgem diferentes linhas de argumentação no debate da paradiplomacia (KEATING, 2004; HOCKING, 2004). São elas:

1) as unidades subnacionais podem atuar no sistema internacional, desde que não confrontem o Estado nacional. É o caso da Argentina após 1994;

2) outra, mais avançada, entende que o governo nacional deve ter sua ação condicionada ao aval das unidades federadas. É o caso do Canadá e da Alemanha.

A partir disso, cabe o debate de como operacionalizar a descentralização das atividades de promoção do desenvolvimento e das relações internacionais, tendo em vista que os governos subnacionais são estruturalmente frágeis em suas relações bilaterais e multilaterais. Apenas as regiões e as cidades mais desenvolvidas economicamente (Länder alemães e grandes metrópoles globais) detêm recursos econômicos, políticos e institucionais suficientes para sustentar estratégias independentes de representação institucional e de promoção comercial direta no exterior (MARIANO; BARRETO, 2004).

Por isso, muitos governos atuam em rede de cidades, de regiões e ou autoridades locais/ regionais. As unidades subnacionais são estimuladas a agir de maneira mais dinâmica, com os processos de integração regional, podendo se converter em instrumentos de coesão regional. Essas redes também ajudam a organizar interesses de unidades subnacionais (Rede de Eurocidades, Comitê das Regiões e Rede de Mercocidades). (Idem, 2004).