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A paralisia do sono e o sonho lúcido Por Cleber Monteiro Muniz em 28 de fevereiro de

Alg u ma s pesso as re lat a m que, à s veze s, so fre m u ma p ara lis ia co rpo ra l ao se de it are m para do r mir. Afir ma m que, de it a da s, perde m o s mo vime nt o s e a capa c idad e de fa lar, fic a ndo co m o corpo pesado e "duro ", preso à ca ma. Ent ão , diz e m, o u ve m vo zes, e scut a m p asso s, vêe m e st ranhas c e na s o u pesso as e se de se spera m.

Co mo no ssa c u lt ura não é, infe liz me nt e, ama dure c ida no ca mpo o nír ico e ne m t a mpo uco para o co nt at o co m o mundo do inco nsc ie nt e, não so mo s preparado s para e xper iê nc ia s de st a nat ureza. Co mo resu lt ado , não sa be mo s o que fazer qua ndo ca imo s na par a lisia do so no , sendo to mado s pe lo medo .

Alg u ns e xper ime nt a m int e nso t erro r, supo ndo que est ão enlo uqu ece ndo o u prest es a mo rrer. Out ro s, superst ic io so s, crêe m qu e o "D ia bo " o s persegu e e at é que o s su fo ca.

O me do se de ve ao desco nhe c ime nt o . Na verdade, a para lis ia do so no co rrespo nde a u m e st ado não usua l de co nsc iê nc ia no qua l at ing imo s lu c ida me nt e o limiar e nt re a vig ília e o so nho . Em o ut ras pa la vr as: no ssa co nsc iê nc ia se e nco nt ra e m u m po nt o limít ro fe e nt re o mu ndo víg il e o mu ndo o nír ico .

Obv ia me nt e, não est o u me re fer indo à narco le psia o u a est ado s pat o ló g ico s similare s, no s qu a is a pe sso a desfa le ce ma nt e ndo a co nsc iê nc ia e m sit ua çõ es arr isc ada s co mo dura nt e o traba lho o u no t rânsit o . Re firo -me ape na s à para lis ia q ue a lgu ma s ve ze s e nfre nt a mo s dur a nt es est ado s de re la xa me nt o pro fu ndo , lo go apó s no s de it ar mo s à no it e o u aco rdarmo s pe la ma nhã.

Não deve mo s co nfu nd ir a para lis ia do so no , que é ino fe nsiva, co m narco lep sia, que é u m d ist úr bio .

É impo rt ant e d ifer e nc ia r o pato ló g ico do inó cuo . A ino fe nsiva p ara lis ia a na lisada a qu i surg e qua ndo no s aco mo damo s par a re la xar, med it ar, do r mir o u "t irar u m co chilo ". Oco rre e m sit ua çõ es fa c ilit a do ras do so no , po dendo aparec er na fase inic ia l o u fina l d est e. Não se impõ e co nt ra a no ssa vo nt ade e m sit ua çõ es inad equad as o u de r isco , co mo dura nt e o ato de dir ig ir o u t raba lhar.

Esse e st ado limít ro fe no s o fer ece a o po rt unidad e de e xp er ime nt ar u m t ipo esp ec ia l d e so nho : o so nho lú c ido . Se, ao invés d e no s de ixar mo s t o mar pe lo medo , so uber mo s apro ve it ar a sit ua ção de imo b ilidad e para t raba lhar co m a ima g ina ção , ade nt rare mo s co nsc ie nt e me nt e ao no sso mu ndo do s so nho s.

Dura nt e a para lisia do so no , est amo s à s po rt as do no sso univer so o nír ico . E m t a l fase, po de mo s re vert er o pro cesso let árg ico o u dar-llhe co nt inu id ade. Se no s at error izar mo s a nt e a impo ssib ilid ade de mo v ime nt o s e as perc epçõ es a lt erad as, o revert ere mo s. Se no s ma nt iver mo s t ranqu ilo s e per mit ir mo s qu e o pro cesso nat ura l do so no t enha co nt inu id ade, t ere mo s a e xper iê nc ia fa nt ást ica do so nho lúc ido . É uma e xp er iê nc ia co biç ada po r mu it o s.

No s so nho s no r ma is, nu nca perc e be mo s que e st a mo s so nha ndo . Se mpre acred it a mo s e st ar aco rdado s: fug imo s do s per igo s, no s preo cupa mo s e m reso lver o s pro ble ma s co m o s qua is no s depara mo s, t e me mo s a s reaçõ es d as pesso as e a nima is co m o s qua is e st a mo s so nha ndo et c.

No so nho lú c ido , est a fa lt a de d iscer nime nt o não e xist e. O so nhado r co mpree nde que e st á so nha ndo e age de aco rdo co m est a co mpre e nsão .

Dura nt e a fa se int er me d iár ia e nt re so no e vig ília, co me ça mo s a t er percep çõ es a lt era das, o s pr ime iro s co nt ato s imed iat o s co m o mu ndo fa nt ást ico . Os no sso s pe nsa me nt o s adqu ire m a lt o grau de nit id ez e po de m ser vist o s e o uvido s co mo se pert ence sse m ao mu ndo e xt er io r. As vo zes, so ns, ima ge ns e t o ques que perce be mo s são imag ina is, ist o é, são fo r ma s me nt a is. Não o bst ant e, seu impact o rea líst ico e nit id ez ( nu mino sid ade) são int e nso s e espa nt a m a s pe sso as qu e a inda não est ão fa miliar iz ada s co m isso . No sso s me do s, dese jo s, a ne lo s, fru st raçõ es et c. se co rporific a m e m imag e ns me nt a is cu ja s fo r ma s apre se nt a m a fin id ade co m o t eo r do s se nt ime nt o s que as gerara m.

Aq ue le s que a lme ja m a e xper iê nc ia do so nho lúc ido pro cura m indu z ir a para lisia do so no por me io do re la xa me nt o co nsc ie nt e. Ao at ing í-la , sa lt a m para o o utro lado de sua s e xist ê nc ia s.

Caso t enha mo s int eresse e m a pro ve it ar a para lisia co rpo ral p ara o bt er mo s u ma e xper iê nc ia o n ír ic a co nsc ie nt e, po de mo s no s va ler d e u m pro ced ime nt o mu it o simp le s: u ma vez at ing ida a imo bilidad e, pro jet a mo s u ma ima ge m me nt a l qua lqu er que no s agrade pro cura ndo vive nc iá -la luc id a me nt e, o u se ja, no s e mpe nha mo s e m int erag ir co m a mesma se m p erder a reco rdação de que é me nt a l e o nír ica. Ent ão , lo go no s ve mo s d e nt ro de um so nho lúc ido .

Po der ía mo s d izer, e m o ut ro s t ermo s, que co la bo ra mo s co nsc ie nt e me nt e co m o pro cesso nat ura l do so no -so nho ao invé s de det ê-lo pe lo medo . Apó s o est ado de para lis ia co rpo ra l ve m o est ado de so nho pro pria me nt e d it o . Se vive nc iar mo s lu c ida me nt e a s image ns me nt a is que se fo r ma m nest a fa se in ic ia l do so nho , lo go as mesma s se apre se nt a m a nt e no ssa co nsc iê nc ia co mo se fo sse m t r id ime nsio na is.

Fu i pro curado cert a vez po r u m rapa z que era fr eque nt e me nt e jo gado na imo bilid ad e co nt ra a sua vo nt ade. Ha via ape la do para méd ico s, sac erdo t es e o raçõ es para reso lver o "pro ble ma ". Não o bt eve su ce sso a lgu m. A para lis ia persist ia co nt ra t o do s o s seus e sfo rço s e o s de sua mã e e m supr imí-la.

O jo ve m est a va mu it o preo cupado . Havia s ido educado na re lig ião cr ist ã e acred it a va que a s t reva s fo sse m po vo ada s po r ent id ade s in fer na is. Te mia o at aque de a lgu m de mô n io na e scur id ão da no it e. Sua mã e est a va, na épo ca, t ent ando co nt at ar um e xo rc ist a.

I mag ine mo s po r um inst a nt e seu de se spero : para lisado na ca ma no escuro , o uvindo vo zes e st ranhas co m int enso impact o rea líst ico e, a ind a po r c ima, se nt indo -se prest es a ser at acado po r um de mô n io se m po der mo ver-se o u fug ir.

Inst ru í o rapaz a respe it o da para lis ia e ind iq ue i-lhe a lg u ns t ext o s para le it ura. Fiz e mo s ju nt o s u ma a ná lise d e suas cre nça s re lig io sa s, do t eor das percep çõ es a lt era das qu e e xp er ime nt a va, da nat ureza do s so nho s, do mu ndo do inco nsc ie nt e e do que a para lisia sig nific a va e m o ut ras cu lt ura s d ife re nt es daque la e m que e le viv ia . E le lo go fico u t ranqu iliz ado e fe liz. Co meço u a apro ve it ar sit ua ção de imo bilid ad e para t er so nho s lú c ido s e, ho je, c hega a se la me nt ar qu a ndo não a at inge. O "pro ble ma " se t ransfo r mo u e m a lgo dese já ve l ao e nco nt rar seu se nt ido e seu cur so .

A par a lisia do so no perde seu carát er t errific a nt e qua ndo per mit imo s cu mpra su a fu nção pro pic iado ra de e xp er iê nc ia s t ransc e nde nt e s.

Mu it a s vez es, a para lis ia do so no é de no mina da "p esade lo ", o que ne m se mpre é co rret o. Um p esade lo é u m so nho ho rr íve l, co m mo nst ro s, assa ssinat o s, to rt uras, sangue, cad á vere s et c. A para lis ia é a imo bilid ade do co rpo, a incapa c ida de de mo ver- se e de se le va nt ar. É aco mpa nhada po r a luc ina çõ es e, às ve ze s, po r uma pseu do -asfix ia.

A pe sso a co rret a me nt e inst ru ída a respe it o das et apa s de inst a laç ão do s est ado s o nír ico s po de reag ir co m nat ura lida de ant e a imo bilida de co rpo ra l, se m de se spero . Fo i esse o caso de u m a fe iço ado ao s so nho s lú c ido s que est udo u co migo .

O rapaz e st ava de it ado e pro fu nda me nt e re la xado . De repe nt e, sent iu que não po dia se mo ver o u fa lar :

"Eu tentava f alar mas a vo z não saía. Tentava le vanta r ma s não conseguia. Eu vi que já est ava co meça ndo a dormir."

Ha via at ing ido para lis ia e a lgu ma s perc epçõ es a lt erada s o assa lt ara m: "Ouvi o so m de passo s de algué m subi ndo pela e sca da. A pesso a chegou e ab riu a po rta se m virar a cha ve. Pensei: 'Eu tranquei a po rta. Como a pe ssoa con segui u abri r?'

Depois eu ou vi, na sala, o som d e um riac ho, de água.... 'Riacho dentro da minha sal a? Que ab su rdo ! Já são a s ce nas do sonho...' "

E m se gu ida, vo lu nt ár ia e co nsc ie nt e me nt e, o est udant e se ima g ina e m pé, d ia nt e da po rt a. A imag e m o nír ica da po rt a e de sua pesso a e m pé se co ncret iza m a nt e sua co nsc iê nc ia. E le est á lá, fre nt e à po rt a, vive nc ia ndo a ce na co m o me smo impa ct o realíst ico que t er ia se pert ence sse ao mu ndo

víg il. Não o bst a nt e, sa bia que seu co rpo dormia e que e xper ime nt a va u m est ado de rea lid ade inco mu m:

"Como sabia que e sta va dormindo, con cluí que só podia e star d ent ro de um sonh o e re solvi ap ro veita r para brin car.

Abri a porta e saí. Ao invés de de sc er a e sca da e ir pa ra a rua, pa ra f ora, eu f ui para o quintal. No quintal, sab endo qu e est ava em u m sonho, tentei f lutuar. Não con se gui.

Tentei mai s uma ve z, não con segui d e novo. Eu esta va euf órico p ela sen saçã o de pode r voa r então re solvi m e acalma r.

Tentei, com toda a cal ma e lentidã o, f lutuar levem ente e be m baixo. Consegui !

Flutue i até a laje da minha c asa. Olhe i ao red or. Tudo e stava igua l. Olhei o céu: tinha nu ven s e, mesmo assim, e ra um son ho ! Eu sabia que e stav a dormin do.

Então, agora conf iante, corri e dei u m grand e salt o do alto da laje, sem m edo. Come cei a subir c om uma vel ocida de eno rme !.

Um vento be m re al come çou a so pra r contra o meu rosto, que nem quando a gent e anda de ca rro rápid o e põe a ca ra pra f ora.

O vento com eço u a f icar cada ve z mai s f orte e eu me assu stei. Então acord ei."

Nest e ca so , a para lis ia po ssu ía u m sig nific ado espe c ia l par a o so nha do r, que a via co mo u m ind ic ado r de que o est ado o nír ico se apro xima va. Era o sina l d e que in ic ia r ia uma via ge m at ravés d a no it e, de que a ho ra de passe ar pe lo mu ndo int er io r ha via c he ga do .

Alé m do mu ndo usua l da vig ília há u m o ut ro mu ndo : o do s so nho s. É u m mu ndo que pert ence à d ime nsão do inco nsc ie nt e, se ndo co nst it u ído po r ima g ina çõ es espo nt ânea s, a ne lo s, dese jo s, reco rdaçõ es, t rau ma s... Na fa se da para lisia, est a mo s à s po rt as desse est ado de rea lid ad e inco mu m. As c u lt ura s a nt iga s, pr imit ivas e o rie nt a is de se nvo lvera m, ao lo ngo da h ist ó ria, mét o do s para co lo car a co nsc iê nc ia e m co nt ato diret o e seguro co m esse mu ndo mist er io so .

O mu ndo do s so nho s é rea l à sua pró pr ia ma ne ira. Infe liz me nt e, nó s, o c ide nt a is mo d er no s, so mo s a inda mu it o at rasado s nesse c a mpo . Prefer imo s e vit ar a esp inho sa que st ão re lac io nad a co m a co ncr et ude da psiqu e a e nc arar a crua rea lid ade do mu ndo o nír ico .

Sugestõe s bib liog ráfica s:

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URL: www.ps yc ho lo g y.a bo ut .co m/sc ie nce/p syc ho lo g y/ libr ar y/we ek ly

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A superação da paralisia corporal por meio da imaginação