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4. A ESCOLA ITINERANTE DO MST

4.1 A institucionalização da escola itinerante nos CEE do Rio Grande do Sul, Paraná e

4.1.2. A EI no Paraná

No Estado do Paraná a Escola Itinerante recebeu autorização de implantação e funcionamento por meio do Parecer do Conselho Estadual de Educação – CEE nº 1012/03, de 08 de dezembro de 2003. No Parecer do CEE-PR, a justificativa está assim redigida,

aproximadamente 13 mil famílias e grande contingente de crianças, em sua maioria sem possibilidade de freqüência à escola. As escolas municipais não dispõem de infra-estrutura ou recursos para atender, de forma muitas vezes inopinada, um grande conglomerado populacional. Para garantir a essas crianças o direito à educação, o Governo do Estado propõe a implantação da ‘Escola Itinerante’ nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) no Paraná. (PARANÁ, 2003, p. 01).

O Estado, neste caso, assume a responsabilidade para com as escolas nos acampamentos do MST, para assegurar o direito das crianças Sem Terrinha58

Aprovada pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná com parecer n 1012/2003 de 08/12/2003, está fortemente vinculada à intitulação de políticas sociais voltadas a Educação do Campo subsidiada via ações das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo (publicadas pelo Ministério de Educação). Escola itinerante, significa que esta escola acompanha o itinerário do acampamento até o momento em que as famílias acampadas chegam à conquista da terra, ao assentamento. O nome Itinerante significa também uma postura pedagógica de caminhar junto com os Sem Terra, o que sinaliza um grande avanço no sentido de afinidade entre os processos formais de escolarização e as vivências e práticas educativas de um movimento social organizado, como MST. (KNOPF, 2011, p. 01).

ao processo de escolaridade pela rede estadual de educação. A conquista da escola pelo MST se faz presente pela ação do CEE que reconheceu a legitimidade do direito à educação nos territórios do MST, mesmo que este território estivesse em disputa entre o MST e o latifúndio. Assim como no RS, o PR cria uma política pública para atender os direitos sociais dos Sem Terra à educação, mesmo que em caráter de itinerância. De certa forma, o Estado regulariza um processo educacional que já vinha ocorrendo nos acampamentos, mas sem que houvesse o processo formal de certificação da escolaridade por parte do Estado. A conquista da escola no acampamento se vincula à educação do campo como estratégia do movimento para ocupar a escola no seu território. Podemos dizer que a escola pública no acampamento é a escola do MST no território do MST, com uma dimensão pedagógica centrada no interesse de formação do MST. Dessa forma, Knopf nos traz que a Escola Itinerante,

A educação do campo está presente no acampamento do MST por meio da Escola Itinerante. Mas o Paraná apresenta uma particularidade frente ao RS e aos outros Estados que reconheceram a Escola Itinerante, a presença da oferta da educação básica na sua extensão e modalidades de ensino, além de prover a educação infantil e a EJA. Os legisladores educacionais reconheceram o direito à educação de forma extensiva, pois é grande o número de jovens e adultos analfabetos no campo. O princípio educativo do MST, “nenhum Sem

58 São filhos e filhas dos trabalhadores que integram o MST e que participam da luta deste Movimento. O nome Sem Terrinha foi criado num encontro das crianças Sem Terra em São Paulo, em 1997. Atualmente, esta identidade é reconhecida pelo conjunto da organização, como também para além dela. (MST, 2009, p. 16).

Terra analfabeto” foi estabelecido para a estrutura educacional das Escolas Itinerantes no Paraná. Vejamos o que traz o Parecer sobre isto.

No Paraná, a Escola Itinerante ‘buscará viabilizar a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, Médio, Profissional e a Educação de Jovens e Adultos sendo que, nos casos de atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais serão consideradas as legislações pertinentes a esta área, bem como aquelas que se referem ao ensino profissionalizante’ (fl. 10). (PARANÁ, 2003, p. 02).

Segundo dados do MST, o Paraná tem, na Escola Itinerante, a primeira e única experiência que prevê o atendimento de crianças, adolescentes, jovens e adultos nas diferentes modalidades da educação, ou seja, na totalidade da Educação Básica.

A Figura 3 apresenta o mapa do Estado do Paraná e traz a localização das escolas itinerantes existentes no Paraná no ano de 2005, após o reconhecimento das EI, pelo CEE. No mapa, percebe-se maior concentração da luta pela terra na região sudoeste do Paraná. Na região noroeste, o Acampamento Elias Gonçalves de Meura está localizado em uma área próxima a vários territórios do MST, como os assentamentos Milton Santos e Roseli Nunes. No Elias Gonçalves de Meura, está localizada a Escola Itinerante Carlos Marighella, que é objeto desta pesquisa, sobre a qual trataremos na seção 5 desta tese.

Figura 3. Mapa do Estado do Paraná com a localização das Escolas Itinerantes no ano de 2005

Diante disso, Knopf escreveu que

A Escola Itinerante está inserida nos acampamentos do MST no Estado do Paraná. Portanto, está vinculada a luta de uma organização política que estabelece objetivos para além das dimensões didáticas pedagógica da própria escola enquanto instituição. Este elemento agrega a ela características específica, próprias das circunstâncias em que está imersa; dentre elas a preocupação com a formação de sujeitos sociais que se reconhecem como classe trabalhadora, possibilitando-lhes a apropriação do conhecimento elaborado e visando a compreensão das contradições da sociedade capitalista. Por assim ser, também questiona o Estado em sua forma de estabelecer a gestão desta instituição. (KNOPF, 2011, p. 01).

Mantendo a lógica da estrutura da EI do Estado do Rio Grande do Sul, no Paraná, as Escolas Itinerantes funcionam atualmente tendo como escola-base o Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak59. Este Colégio está situado no Assentamento Marcos Freire, localizado, na cidade de Rio Bonito do Iguaçu, jurisdicionado ao Núcleo Regional de Educação60

A Escola-Base das escolas itinerentes no Paraná está situada no maior assentamento da reforma agrária da América Latina. Da ocupação realizada no dia 17 de abril de 1996, sugiu o Assentamento Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire, com 1.512 famílias assentadas. Para o MST é significativo a escola-base estar localizada no assentamento que tem história de luta por RA, pois traz o vínculo da escola com a luta pela terra. Esta escola preserva a documentação escolar dos educadores e educandos das EI, com o registro dos atos pedagógicos, conforme determina o Regimento Escolar e o Projeto Político-Pedagógico que disciplinam as EI no Paraná.

de Laranjeiras do Sul. Na estrutura funcional do sistema de ensino, os NRE são responsáveis, dentro de sua jurisdição, pela aprovação do Regimento Escolar e do Projeto Polítoco-Pedagógico de cada escola.

Na Figura 4, trazemos a foto com o portão de entrada do Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak.

59 O nome do Colégio foi uma forma de reconhecimento a Iraci Salete Strozak, que fazia parte do Setor de Educação do MST e lutava para que a educação acontecesse nas áreas de reforma agrária. Ela morreu em um acidente de trânsito envolvendo o ônibus em que viajava.

Por haver muitas escolas itinerantes, espalhadas em diferentes e distantes regiões do Estado do Paraná, em 2006, cria-se a segunda Escola Base – Colégio Estadual Centrão, no assentamento Pontal do Tigre, município de Querência do Norte, região da Foz do Iguaçu. É importante salientar que as duas Escolas Bases mereceram indicação para esta função, por estarem localizadas em áreas de assentamento, atendendo às demandas dos assentados e famílias próximas, assim como por terem uma direção de escola e corpo docente identificados com as escolas do campo com respeito pela luta pela terra. (CAMINI, 2009, p. 146). Mas o Colégio Estadual Centro encerrou suas atividades com Escola Base das EI no ano de 2010.

60 No Estado do Paraná, o sistema de ensino possui uma estrutura verticalizada, conforme segue: Secretaria de Estado da Educação – SEED, Núcleos Regionais de Educação – NRE e Coordenadorias municipais.

Figura 4. Portão de Entrada do Colégio Estadual do Campo Iraci Salete Strozak

Fonte: Acervo de Ana Cristina Hammel – Diretora Auxiliar do CEC Iraci Salete Strazak

As EI, portanto, só têm existência legal a partir da escola-base, conforme disciplinado pelo CEE. Neste sentido, as EI se subordinam à escola base, mas conseguem certa autonomia pedagógica apesar do controle estatal, que é exercido pelo Projeto Político- Pedagógico aprovado por instâncias estatais.

A distância da escola-base das EI é um fator de isolamento, conforme a pesquisa demonstrou nas entrevistas realizadas, pois a relação das EI com a escola-base se dá via correio ou deslocamento da Coordenação da Escola até a escola-base. Mas não há ingerência da escola base nas EI, pois entre elas há uma relação de pertencimento, cuja essência é o MST.

Em entrevista concedida no dia 07 de dezembro de 2013, a Coordenadora Pedagógica Natieli Celestino61

61 Coordenadora Pedagógica da Escola Itinerante Herdeiros da Luta de Porecatu, do Acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu, loclizado próximo à cidade de Porectu, no Paraná.

nos diz que “A escola-base é um legalizador das escolas itinerantes, então, existe o vínculo e acompanhamento pedagógico direto, porém não

presencial. O burocrático e normas são confiados à equipe pedagógica e não há interferência constante da escola-base”. (ENTREVISTA, 2013).

O quadro 2 traz a localização das EI e o distanciamento das mesmas da escola-base.

Quadro 02 - Distância das Escolas Itinerantes da Escola-base

Escola Itinerante Acampamento Município

Distância da Escola Base

Nível de Ensino estudantes Quant. de Zumbi dos Palmares Valmir Mota de Oliveira Cascavel 150 KM Ed. Inf., Ens. Fund e Médio 234 Sementes do Amanhã Chico Mendes Matelândia 220 Km Ed. Inf., Ens. Fund 58 Paulo Freire Reduto de Caraguatá Paula Freitas 302 KM Ed. Inf., Ens. Fund 18 Caminhos do Saber Maila Sabrina Ortigueira 399 KM Ed. Inf. Ens. Fund e Médio 185 Maria Aparecida Rosignol Eli Vive Londrina 400 KM Ed. Inf., Ens. Fund e Médio 348 Carlos Marighella Elias Gonçalves de Meura Jacarezinho 457 Km Ed. Inf., Ens. Fund 58 Construtores do Futuro Ezidio Brunetto Rio Branco do Ivaí 281 KM Ed. Infantil, Ensino Fund. 90 Valmir Mota de Oliveira Valmir Mota de Oliveira Jacarezinho 534 Km Ed. Inf., Ens. Fund e Médio 140 Herdeiros da Luta de

Porecatu Herdeiros da Luta de Porecatu Porecatu 554 KM Ed. Inf., Ens. Fund 50

Fonte: Ana Cristina Hammel – Diretora Auxiliar do CE Iraci Salete Strozak, 2013.

A EI está inserida nos acampamentos do MST, mas não na sua totalidade, pois a sua existência necessita de organização e dos interesses dos próprios acampados. Por decisão política do Setor de Educação do MST-PR, tomada em 2007, a EI só será criada e organizada nos acampamentos que tenham em torno de 200 famílias. Para esse fim, “durante uma semana fazem o estudo e debate do significado desta escola, organizando-a e colocando-a em funcionamento em conjunto com a comunidade acampada”. (CAMINI, 2009, p. 146). No Paraná, de acordo com o Setor de Formação, existem cerca de 70 acampamentos do MST no Estado, mas hoje, há nove escolas itinerantes organizadas e em pleno funcionamento, conforme Quadro 2. Isto porque, segundo Camini, “a decisão do Setor de Educação do MST é organizar cada escola à medida que a comunidade solicitar e tiver condições de mantê-las com educadores acampados”. (CAMINI, 2009, p. 151), mas isso não exime o Estado de suas responsabilidades para com a gestão documental dos educandos e dos custos de manutenção das escola públicas nos acampamentos do MST. Portanto, para o movimento, organizar a Escola Itinerante, com a responsabilidade e seriedade para sua implementação, se faz com as condições materiais e humanas necessárias ao seu funcionamento. Ou seja, é preciso o envolvimento da comunidade acampada para se ter a escola pública no acampamento. Neste sentido, não basta querer. É preciso disponibilizar força de trabalho para tal fim e isso se faz com pessoal qualificado para organizar e manter a estrutura da EI em funcionamento.

Para registrar a memória da Escola Itinerante, o Setor de Educação do MST-PR e a SEED estão produzindo os cadernos da escola itinerante, tendo o primeiro número publicado em 2008. De acordo com Leite e Amboni,

Os cadernos da Escola Itinerante buscam expressar o acúmulo da experiência pedagógica vivenciada pelas escolas, são construídos no intuito de contribuir na formação dos sujeitos que se inserem a escola, bem como, socializar e divulgar a experiências e produções e reflexões escritas acerca da Escola Itinerante, vindo a fortalecer a dimensão do registro e memória, na qual possui três números, a primeira publicada no ano de 2008 com o nome de Escola Itinerante do MST: História, Projeto e Experiências, o segundo Itinerante: a escola dos Sem Terra- Trajetórias e significados, o terceiro Pesquisas sobre a Escola Itinerante: refletindo o Movimento da escola e o quarto A Escola da Luta pela Terra (aguardando para impressão). (LEITE; AMBONI, 2014, p. 20).

Fazer a EI e produzir seu registro o Setor de Educação do MSR-PR, com apoio da SEED, vem realizando. Nesse sentido, a história da EI está sendo escrita pelo movimento nas ocupações da terra no Paraná, conquistando a escola nos seus territórios.