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2 PARLAMENTARISMO REVOLUCIONÁRIO: UMA TRADIÇÃO HISTÓRICA

2.8 Parlamentarismo revolucionário no Partido Comunista Italiano na época de Gramsc

O Partido Comunista Italiano (PCI), como seção da III Internacional foi fundado em 21 de janeiro de 1921 na cidade de Livorno, Itália, surge de uma divisão do Partido Socialista Italiano (PSI) no seu XVII Congresso. A fração maioritária será a abstencionista dirigida por Amadeo Bordiga, mas Antonio Gramsci fará parte do Comitê Central.

Num artigo para L’Ordine Novo, publicado no dia 12 de abril de 1921, Gramsci se refere aos comunistas e as eleições em sintonia com as decisões do II Congresso da Internacional Comunista que condenava o abstencionismo eleitoral, o Comitê Executivo do PCI numa resolução publicada no dia 01 de abril tomou a decisão política de participar nas eleições parlamentares que se realizariam no mês de maio, mesmo advertindo que se preparava para as “lutas mais decisivas”.

O título é Os comunistas e as eleições e inicia afirmando que o Partido Comunista é o partido político da classe operária revolucionária, e apresentando que a classe operária nasceu e se constitui nos quadros do regime constitucional e parlamentar. Isto fez que apoiem num primeiro momento variantes liberais com consequências catastróficas, depois democratas pequeno burgueses, até que, por fim, conquistou sua autonomia política com a criação do Partido Comunista, rompendo suas tradições e afirmando sua maturidade política. A classe operária não quer mais colaborar com as demais classes para desenvolver ou transformar o Estado Parlamentar burocrático, quer agora trabalhar positivamente em função de seu próprio interesse autônomo de classe. Apresenta candidatos para dirigir a sociedade, mas adverte que só pode exercer esta função histórica num ambiente institucional diverso que aquele atual e não mais nos quadros do estado parlamentar burocrático.

Sendo que a classe operária afirma ser a única classe capaz com os meios postos à disposição, nacionais e internacionais, de solucionar os problemas postos na ordem do dia pela situação histórica geral, as eleições poderiam dar reposta às seguintes cinco relevantes questões.

A primeira é quais são as forças reais da classe operária?

A segunda, quantos são na Itália os proletários que adquiriram consciência de sua missão histórica de classe?

A quarta, na confusão no caos atual, já existe grandes linhas da nova configuração histórica?

E a quinta, no contínuo processo de reintegração e decomposição, de decomposição e recomposição de forças sociais, das classes e da sociedade italiana, se tinha já configurado um núcleo primordial compacto e sólido permanentemente fiel às ideias e programas da Internacional Comunista e da revolução mundial, em torno da qual seja possível ter lugar uma nova e definitiva organização política governamental da classe operária?

O Partido Comunista se apresenta nas eleições para identificar suas próprias fileiras, para contar seus efetivos entendido como fase necessária do processo histórico que levará a ditadura do proletariado, a fundação do Estado Operário. Para os comunistas as eleições são uma das múltiplas formas de organização política da sociedade moderna. O Partido é uma forma de organização política superior, mais que as formas intermediárias como os sindicatos ou conselhos de fábrica, porque nas eleições se apresentam os projetos políticos gerais e as massas se pronunciam frente ao objetivo político supremo, a forma de Estado. O Partido Comunista mesmo sendo o partido revolucionário do proletariado, só pode atingir seus objetivos estratégicos com apoios de outras camadas, mostrando as eleições a força expansiva do proletariado revolucionário. Também permite observar que elementos não proletários apoiam a direção da classe trabalhadora. Estas últimas ponderações vão na mesma linha que a Introdução de 1895 de Friedrich Engels ao livro de Karl Marx A luta de classes na França. Isto não significa se iludir de forma alguma com as eleições, Gramsci de fato de estar referindo-se a um uso tático do Parlamento no marco de uma estratégia revolucionária.

Nessa eleição no ano de 1924, são eleitos 15 deputados comunistas na Itália, obtendo 304719 votos, que representava 4,6 %.

Em 06 de abril de 1924 Gramsci é eleito deputado em ausência, estava na URSS como representante do PCI na Internacional Comunista (IC), com 1856 votos pelo distrito do Véneto, e aproveitando a imunidade parlamentar regressa à Itália em maio desse ano. Lembremos que em 28 de outubro de 1922 havia acontecido a Marcha sobre Roma dos fascistas liderados por Benito Mussolini. As eleições foram realizadas sob a lei fascista que dava dois terços da representação parlamentar a lista maioritária, neste caso o bloco das direitas. Os comunistas tiveram 268191 votos, o que representava 3,74%, aumentaram em 4 sua representação escolhendo 19 deputados, entre eles, Gramsci que

foi eleito dessa forma. Podemos destacar o terceiro lugar do PCI na eleição obtido na região de Apulia.

Tem duas cartas de Gramsci à Julia Schucht, sua esposa, sobre o tema, a primeira é escrita em Viena, com data de 13 de abril de 1924, onde afirma que está inquieto pela dialética da vida, sendo eleito deputado por Veneto, e expressa sua preocupação que entrando na Itália mesmo sendo deputado teria dificuldades para participar do V Congresso da IC que se realizaria de 17 de junho à 08 de julho de 1924. Também escreve que o novo Parlamento italiano assumirá no dia 25 de maio desse ano.

Em 20 de outubro de 1924 o PCI propõe aos partidos antifascistas a criação de um Antiparlamento ou Parlamento das Oposições, mas como a proposta não é acolhida pelos demais partidos, os comunistas continuaram participando no Parlamento oficial, utilizando a câmara para fazer trabalho de propaganda.

Em 16 de maio de 1925, Gramsci pronuncia na Câmara dos Deputados seu único discurso, focando contra a lei de proibição da Maçonaria, desmascarando esta, afirmando que seu objetivo real visava proibir reuniões do Partido Comunista e outras organizações antifascistas. O discurso é publicado no jornal do PCI, L’Unita do dia 28 de maio do mesmo ano.

Neste discurso Gramsci realiza uma caracterização do fascismo e como este projeto de lei faz parte da estratégia fascista de “conquista do Estado” para depois falar especificamente da maçonaria, sua importância na Itália, representando como único partido real a ideologia e a organização real da burguesia e sua relação histórica com o Parlamento e o Estado. A lei não é dirigida contra a maçonaria em si, mas contra as organizações operárias, objetivando impedir um grande desenvolvimento destas no proletariado e no campesinato. Mesmo que Gramsci não tenha ficado satisfeito com o seu discurso, como observaremos na segunda carta a Julia Schucht, encontramos elementos de parlamentarismo revolucionário nele, quando a partir da tribuna parlamentar se dirige ao proletariado e às massas camponesas, um apelo extraparlamentar e advertindo aos fascistas que as massas não se deixaram esmagar e que o torpe sonho dos senhores não se conseguirá realizar. Termina seu discurso, interrompido várias vezes até pelo próprio deputado Benito Mussolini, afirmando que o movimento revolucionário derrotará o fascismo.

Nessa segunda carta, que mencionamos aqui sobre o tema, escrita em Roma, datada de 25 de maio de 1925 e dirigida sua esposa, Gramsci afirma que as dificuldades se multiplicam depois da aprovação da lei de proibição da Maçonaria, na verdade contra

as organizações, prefacio a todo um trabalho policial sistemático para desagregar o partido. Depois disso Gramsci expõe que debutou no Parlamento, foi seu único discurso, mas que seu debate foi ruim porque os fascistas concederam um trato de favor, o que considera um fracasso revolucionário. Foi interrompido várias vezes, mas com objetivo de desconcentrar e não de sabotar o discurso, e se autocritica afirmando que achou divertido, mas ao não conseguir se abster de responder, não conseguiu continuar com a linha preparada para sua intervenção. Mesmo assim com seu apelo às massas extraparlamentares operárias e camponesas, Gramsci realizara uma tática parlamentar revolucionária a partir da tribuna.

Nos Cadernos do Cárcere Gramsci fala de Parlamentarismo legal, quando se refere ao Parlamentarismo Negro num contexto de fascismo na Itália e stalinização na URSS, como mencionamos na parte referida ao Parlamento como instituição burguesa. Entende por Parlamentarismo negro os processos de constituição de tendências totalitárias no Estado, a abolição do parlamentarismo legal e a continuidade de lutas entre setores e frações políticas nos marcos de um novo absolutismo, mas que expressa e garante as modernas formas de produção capitalista. Para Gramsci, não é possível abolir uma forma, o Parlamentarismo, sem abolir seu conteúdo, o individualismo, do ponto de vista da apropriação individual dos produtos, em termos burgueses. A elaboração de Gramsci é complexa porque entende que o Parlamentarismo Negro é um tema que seu desenvolvimento permite precisar os conceitos políticos que constituem a concepção parlamentar. Para Gramsci, o sistema de forças num equilibro instável encontram um equilíbrio legal no Parlamento. Destaca também que as lutas devem exceder o terreno da legalidade porque quando uma luta pode se compor legalmente não é perigosa, se torna perigosa quando o equilíbrio legal é impossível, e utiliza a seguinte metáfora, isto não significa que abolindo o barómetro se pode abolir o tempo ruim. (DAL MASO. 2016, p. 162-163).

No dia 12 de novembro 1924, quando da reabertura da Câmara, o deputado comunista Luigi Repossi apresenta-se sozinho no plenário e lê uma declaração antifascista. Na sessão de 26 de novembro, todo o grupo parlamentar comunista volta ao plenário, abandonando o chamado “Aventino”.

Gramsci é preso em 1926 sendo deputado, sendo libertado apenas em 1937 poucos dias antes de sua morte.