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O mecanismo de atuação das astreintes traz a conclusão de que o sujeito passivo da multa é o réu.152

A conclusão acima transcrita decorre da circunstância de que a astreinte tem lugar nas ações relativas às obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa, donde se conclui que o devedor, em tais ações, é o demandado. Ressalva-se a hipótese na qual há apresentação de reconvenção, na medida em que, no caso, ocorre a inversão das posições ativa e passiva das partes.

Guilherme Rizzo Amaral153 coteja a possibilidade de o autor ser o sujeito passivo da multa, refletindo acerca da circunstância de que o demandante também está sujeito ao cumprimento de ordens judiciais. Sem negar tal possibilidade, o autor concluir que esse fato, por si só, não necessariamente autoriza a imposição de astreintes. E assim, conclui:

“Mais uma vez, parece estar-se diante de confusão entre as ‘astreintes’ e o

chamado ‘contempt of court’ ou, ainda, entre medida coercitiva destinada a proporcionar a tutela específica ao autor e medida de caráter punitivo, destinada a assegurar a autoridade e a dignidade do Poder Judiciário contra qualquer indivíduo.”

A leitura do que se disse poderia levar à conclusão de que a imposição de multa ao autor é possível, mas que, no caso, não estaríamos diante das astreintes. Isso porque, ao ser aplicada para o autor, a medida coercitiva estaria fora do seu campo de aplicabilidade, qual seja, o cumprimento de obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa.

152 “[...] Atua como meio de coação psicológica, destinado a vencer a resistência do devedor. Serve como

desestimulante à recalcitrância, como se extrai dos dispositivos que a preveem [...]” (SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006. p. 107).

153 AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: multa do art. 461 do CPC e

Mas há entendimento no sentido de que a finalidade da medida também é a de estimular a parte ao cumprimento de uma decisão judicial, e, nesse contexto, pode ser aplicada ao autor.154 Não obstante, mesmo que assim não se entenda, é possível encontrar posicionamento favorável à sua imposição ao demandante. É o que sustentam Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira:

“Basta pensar nas situações em que é possível a antecipação dos efeitos da tutela em favor do réu, mesmo quando ele é titular tão somente de uma posição passiva no processo, situação que nos parece possível. Por exemplo: numa ação de cobrança de quantia, ao contestar o pedido formulado na inicial, o réu nada mais está fazendo que pedir em seu favor seja deferida uma tutela declaratória de existência da dívida que lhe é cobrada; dessa forma, pode ele, demonstrando o preenchimento dos requisitos legais, pleitear a antecipação de algum dos efeitos dessa futura tutela declaratória que lhe seria deferida pelo provimento final – p. ex., impedimento de inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito. Nesse caso, nada impede que a tutela antecipada lhe seja deferida, impondo-se ao autor, ainda que provisoriamente, um dever de não fazer, sob pena de multa”.155

(destaquei)

Há exemplo de julgamento no qual houve a imposição de astreintes ao autor,156 em que pese se tratar de ação possessória, de natureza dúplice, pois. No caso, uma instituição financeira obteve decisão liminar para o fim de ser reintegrada na posse de um bem, em função do descumprimento do contrato celebrado entre as partes. O réu, então, demonstrou ter ajuizado ação na qual discutia os termos da avença, tendo sido determinada a suspensão do feito de reintegração, ao que se determinou a restituição do bem ao réu, sob pena de multa diária. O mérito do recurso foi a possibilidade de imposição de multa para autor, tendo o tribunal decidido que sim, ao fundamento de que a ação em questão é dúplice.

154 “De fato, devemos reconhecer que, diante da lacuna existente em nosso sistema processual, o

posicionamento que encontra respaldo suficiente seja o que atribui à parte contrária os valores decorrentes da multa. Referimo-nos à parte contrária, e não apenas ao autor, porque entendemos que qualquer uma das partes, inclusive o autor, pode ser, no curso do processo, submetida a uma ordem judicial, tendo o dever de seu cumprimento incondicionado.” (SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na

atuação das ordens judiciais. In: SHIMURA, Sérgio; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa (coord.).

Processo de execução. São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 482-508).

155 DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. 5. ed. Salvador: JusPodivm,

2014. v. 5, p. 464.

156 “Agravo de instrumento. Ação de reintegração de posse com pedido liminar. Decisão de origem que

revogou decisão anterior de reintegração em favor do autor para determinar a reintegração do réu na posse do bem. Existência de ação revisional questionando a abusividade de cláusulas. Aplicação do art. 265, IV, do CPC. Necessária suspensão do processo. Pedido do agravante para o prosseguimento da ação de origem. Impossibilidade. Agravo conhecido e não provido.” (TJAL, AI n. 0801497-97.2014.8.02.0000, 2.ª Câmara Cível, rel. Des. Elisabeth Carvalho Nascimento, j. 05.03.2015).

Outro caso no qual houve imposição de astreintes ao demandante se deu em ação de busca e apreensão, em que houve a purgação da mora pelo réu, ao que se determinou que o autor lhe devolvesse um veículo anteriormente apreendido, sob pena de multa diária. No caso, a parte requereu alegando que o valor da multa era demasiado alto, tendo o recurso sido improvido.157

Em que pese a existência de alguma discussão a respeito do assunto e da dificuldade em se encontrarem julgamentos afirmando ser possível a imposição de multa em face da parte autora, o advento do CPC/2015 certamente trará mudanças em relação a este aspecto. Isso porque não há como se entender pela impossibilidade de imposição de astreintes em face do demandante, consoante o texto do art. 139, IV.

O dispositivo amplia sobremaneira o espectro de aplicação da multa (e de todas as medidas coercitivas), uma vez que estatui que o juiz pode lançar mão do mecanismo com vistas a assegurar o cumprimento de ordem judicial. A lei não ressalva nenhum sujeito processual ou procedimento, de modo que a sua interpretação deve ser ampla, para compreender que o juiz pode fazer uso do mecanismo sempre que houver renitência não só das partes, mas de qualquer sujeito processual.

Uma vez que a lei diz que podem ser adotadas quaisquer medidas, não há razão para não entender possível o uso das astreintes. Parece-nos, entretanto, que a medida não terá lugar quando a determinação judicial disser respeito aos ônus processuais das partes. Assim, se o descumprimento da determinação acarreta uma situação desvantajosa para a parte, trata-se de matéria que está na sua esfera de disposição, pelo que, em nosso sentir, não haveria utilidade na imposição da medida.

Imagine-se, por exemplo, que em uma ação de usucapião o juiz determina ao autor que promova a citação de todos os confrontantes do imóvel, para fins de regularização processual. No caso, se desatendido o comando judicial a hipótese

157 “Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Purgação da mora. Perda superveniente do interesse

de agir. Obrigação da autora de devolver o veículo apreendido, sob pena de multa diária. Valor das

astreintes. Excessividade. Inocorrência. A purgação da mora nos contratos garantidos com alienação

fiduciária deve compreender as prestações vencidas até o depósito e os seus acréscimos. Recurso desprovido.” (TJSP, Ap n. 0002583-32.2013.8.26.0024, 27.ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Gilberto Leme, j. 12.08.2014).

não reclama o uso de meios coercitivos para fazer obedecer a ordem judicial. O mesmo se diga em relação à determinação judicial de emenda da petição inicial. Imagine-se, ainda, que se determina que o autor forneça o endereço correto do réu, para fins de citação. Todos esses exemplos estão ligados à esfera de disposição das partes, sendo que a desatenção da ordem acarretará as consequências desfavoráveis atinentes à desobediência da ordem. Fora daí, parece-nos que entender pela possibilidade de se insistir na determinação judicial, com a imposição de multa, seria contexto apto ao comprometimento da imparcialidade do julgador.

De outro lado, imagine-se ordem judicial direcionada ao autor em ação que verse sobre direitos indisponíveis, como por exemplo, onde se disputa guarda de criança, na qual o juiz determina ao autor que traga informações sobre o seu paradeiro ou quaisquer outras informações relativas ao menor. Na hipótese, parece ser possível a fixação de multa coercitiva em desfavor da parte demandante, se não houver o cumprimento do comando judicial, em razão da gravidade da desobediência e do bem jurídico objeto do processo.

Suponhamos, ainda, que em processo de execução, o exequente requeira certidão comprobatória do ajuizamento da ação (art. 615-A do CPC/1973 e art. 828 do CPC/2015), sem, no entanto, comunicar ao juízo quais foram as averbações efetivadas, nos termos do que determina a lei. Por se tratar de ato que pode gerar prejuízos ao adversário, parece-nos que o juiz está autorizado à imposição de astreintes em face do autor.

Portanto, perfeitamente possível é a imposição da multa coercitiva em face do autor ao se tratar das determinações contra si dirigidas, que não digam respeito a atos dos quais pode dispor. Em que pese a discussão existente sobre o tema, a nova disposição legal, em nosso sentir, autoriza expressamente tal conclusão.