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Da conclusão de que a interpretação das normas que preveem a imposição de astreintes deve ser ampla, alcançando, também, todos os sujeitos processuais, merece reflexão a possibilidade de imposição da multa coercitiva em face de terceiros, não integrantes da relação processual.

A questão diverge da anterior, na medida em que não estamos diante de pessoas que participam do processo, podendo-se concluir que a admissão das astreintes neste caso não seria possível, em função de ampliação demasiada de seu campo de aplicação. Demais disso, poder-se-ia argumentar que não há disposição legal expressa nesse sentido.

Tais conclusões, contudo, em nosso entender, são precipitadas. Isso porque há casos nos quais, em se tratando de ações promovidas em face de pessoas jurídicas, o cumprimento dos comandos judiciais depende dos seus dirigentes, de maneira que recusar-se a possibilidade de tais pessoas serem destinatárias da medida acaba comprometendo sobremaneira a necessária coerção para estímulo do comando judicial.

Daí porque há manifestação doutrinária que admite essa possibilidade:

“[...] vale indagar se é possível que o destinatário da multa seja um terceiro

(é dizer, sujeito estranho ao processo). [...] Parece-nos que a resposta é positiva. Se a multa é técnica de efetivação de tutela jurisdicional e se o magistrado tem autorização legal (calcada num direito fundamental constitucionalmente assegurado) para impor qualquer medida que se mostre necessária à obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente ao adimplemento (art. 461, § 5º, CPC), decerto que a imposição de multa a terceiro não pode ser excluída, a priori do rol de providências que podem ser adotadas pelo juiz.”180

Não admitir a imposição da multa coercitiva em face dos dirigentes das pessoas jurídicas, equivale a dizer-se que tal medida não pode ser aplicada quando tais pessoas forem demandadas, autorizando-se a renitência por parte daqueles que são responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais.

180 DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. 5. ed. Salvador: JusPodivm,

Dir-se-á, todavia, que o magistrado não tem elementos suficientes para direcionar corretamente o comando judicial, de modo que pode ocorrer de que a ordem tenha como destinatário pessoa diversa daquela que efetivamente pode cumprir o comando judicial. Além disso, pode argumentar no sentido de que não é possível que uma determinação que imprime violência – ameaça de invasão patrimonial – não pode atingir aquele que não integra a relação processual.

Em relação ao primeiro ponto, temos que a questão é plenamente solucionável, na medida em que, se a parte realmente não tem poder de direção e, por conseguinte, de cumprir a ordem, basta que informe ao juízo. Se a ordem se mantém, há legitimidade recursal para o terceiro se insurgir em face da equivocada decisão. Justamente por isso, também não convence o argumento de que por se tratar de ato que ameaça o patrimônio do seu destinatário, não pode ser direcionado a quem não é parte no processo. Se, por um lado, não é parte, por outro, pode dialogar e recorrer, pelo que não vislumbramos qualquer agressão a direito seu.

Perceba-se, ainda, que a imposição da multa coercitiva não é pessoal. A medida é direcionada para aquele que tem a função de cumprir o comando judicial. Se, por exemplo, há uma ordem de fazer em face do diretor de uma pessoa jurídica e esse diretor vem a ser substituído por outro, será este o destinatário da ordem. Não é demais repetir que a admissão da hipótese pressupõe a sua prévia intimação para o cumprimento do ato.

Há decisões judiciais que cominam astreintes a terceiros, embora tal hipótese não seja recorrente.181 No caso em testilha, a demandada era companhia telefônica em ação objetivando a sua condenação por danos morais, ante a inscrição indevida em cadastros de inadimplentes. Houve determinação judicial de que tais cadastros fizessem a retirada do nome do autor, sob pena de multa diária. Ao final, a

181 “Indenização. Inscrição indevida no Órgão de Proteção ao Crédito. Dano moral puro. Arbitramento.

Cominação de astreintes. Obrigação de fazer dirigida a terceiro. Necessidade de intimação pessoal. [...] –

Necessária se revela a intimação pessoal para cumprimento da obrigação de fazer com cominação de

astreintes, notadamente na hipótese em que a pessoa obrigada pelo comando judicial é diversa do réu. A

responsabilidade pelo descumprimento da obrigação de fazer não pode ser imposta ao réu, visto que o comando judicial sequer lhe foi dirigido.” (TJMG, ApCív n. 1.0480.09.129137-1/001, 13.ª Câmara Cível,

sentença determinou à ré pagamento do montante das astreintes, o que levou à interposição do recurso de apelação. No julgamento, restou assentada a impossibilidade de que a demandada arcasse com o valor, uma vez que, além de não ter havido a sua intimação pessoal, a ordem judicial foi dirigida em face de terceiro, pelo que a este caberia o pagamento do valor que incidiu.

Portanto, afigura-se plenamente aplicável a imposição da multa coercitiva em face de terceiros, desde que, embora não integrantes da relação jurídica processual, tenham efetivo poder de cumprimento dos comandos jurisdicionais, impondo-se a sua prévia intimação para tanto. No mais, aplicáveis, ainda, as considerações expostas relativas às astreintes em face do agente público, responsável pelo cumprimento de ordens judiciais.

Lembramos, ainda, que o CPC/2015 passa a prever expressamente que o juiz pode impor a multa coercitiva em face de terceiros. O art. 403, parágrafo único, dispondo sobre a exibição dirigida em face do terceiro, estatui que se o comando judicial não for cumprido, está o juiz autorizado, além da expedição de mandado de apreensão e da responsabilização da parte por desobediência, à imposição de multa, sem prejuízo do emprego de outras medidas coercitivas.

Não há, pois, qualquer razão para recusar-se a hipótese, notadamente em função do fato de que a nova lei processual prevê expressamente que aquele que não integra a relação processual também está sujeito à imposição de meios de coerção.

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