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A participação social no cenário contemporâneo: limites e potencialidades de uma democracia participativa numa conjuntura neoliberal

O CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE RIO DAS OSTRAS: HISTÓRIA, LIMITES E POTENCIALIDADES.

III.II A participação social no cenário contemporâneo: limites e potencialidades de uma democracia participativa numa conjuntura neoliberal

Para pensar a democracia e, enfim, a participação social no Brasil, é importante primeiramente ter em vista uma análise feita por Coutinho quando diz que

(...) a nação brasileira foi construída a partir do Estado e não a partir da ação das massas populares. Ora, isso provoca consequências extremamente perversas, como, por exemplo, o fato de que tivemos, desde o início de nossa formação histórica, uma classe dominante que nada tinha a ver com o povo, que não era a expressão de movimentos populares, mas que foi imposta ao povo de cima para baixo ou mesmo de fora para dentro (...). O Estado moderno brasileiro foi quase sempre uma “ditadura sem hegemonia”, ou (...) uma “autocracia burguesa”. (COUTINHO, 2008, p.111)

Ou seja, desde que as terras brasileiras foram descobertas por Pedro Alvares Cabral, em 1500 d. C., o Brasil sofreu influência externa direta, e também teve seu padrão de desenvolvimento, a partir deste ponto, sempre condicionado às características de subalternização, de separação entre a realeza e a ralé, entre quem mandava e quem obedecia. Devido ao atual discurso de Estado Democrático de Direito, pode não parecer que tais características de subalternidade e afastamento da classe trabalhadora da gestão governamental sejam presentes na sociedade.66 Porém, não apenas estão presentes, como também são corresponsáveis pela dificuldade de promover a adesão das massas aos aparelhos de controle social democrático. As heranças que os modelos de economia, sociabilidade e política que comandaram o Brasil desde seu “descobrimento” até

65 A participação social no Brasil foi acompanhada e discutida, neste trabalho, desde sua impossibilidade, nos anos da ditadura militar, até sua importância na agenda de discussões da sociedade nas décadas de 1970 e 1980, culminando na sua instituição pela Constituição Federal de 1988, e, particularmente na saúde, pelas Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90.

66 Até porque, esse é um dos discursos defendidos pelo neoliberalismo, de que a sociedade brasileira é livre, consciente, capaz de resolver todos os problemas da nação nas urnas eletrônicas – o que, por si só, culpabiliza a sociedade por “escolher” errado na hora de votar.

73 hoje, deixaram muito mais que marcas na história, no passado, essas marcas estão vivas no presente, como correntes que necessitam ser quebradas para que a consciência seja libertada, seja livre no mais genérico sentido possível. Não a consciência individual do que acontece à sua volta, porque cada homem tem sua consciência, sua concepção de mundo, mas uma consciência coletiva, que enxerga os limites postos à sua emancipação e é capaz de construir mediações e estratégias que rompam com esses limites.

Esses longos 500 anos de dominação não foram conseguidos de qualquer forma, sejam as elites cafeeiras, seja o seleto grupo que ocupa os postos mais altos de governo, ou qualquer outra minúscula parcela da população que deteve ou detém o poder, trabalhavam de forma a manter o seu controle. Mesmo a “revolução” burguesa, que sob uma perspectiva particular foi mais um golpe que uma revolução, se mostrou combativa e crítica inicialmente, mas depois endureceu-se a fim de conservar-se no poder. Neste sentido, um dos pontos que merece ênfase é o conceito de “revolução passiva” 67

de Gramsci, discutido por Coutinho (2007) ao analisar a sociedade brasileira, ligando-o (o conceito de “revolução passiva”) à concepção de modernização conservadora. Segundo o autor,

Ao contrário de uma revolução popular, “jacobina”, realizada a partir de baixo – e que, por isso, rompe radicalmente com a velha ordem política e social –, uma revolução passiva implica sempre a presença de dois momentos: o da “restauração” (trata-se sempre de uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical proveniente “de baixo”) e da “renovação” (no qual algumas demandas populares são satisfeitas “pelo alto”, através de “concessões” das camadas dominantes). (COUTINHO, 2008, p. 93)

Coutinho explica que, na história do Brasil, em todo o período de “transição ao capitalismo” todas as “revoluções” foram realizadas sob a forma do que Gramsci chama de “revolução passiva”, ou seja, “elitista e antipopular”, “pelo alto”, partindo da burguesia e não da classe trabalhadora, de cunho apassivador e não de fato revolucionário68, “desde a Independência política ao golpe de 1964, passando pela

67 Revolução que na verdade não é revolução, está mais para reformas, porque não têm origem na base, nas classes subalternas, são mudanças que acalmam os ânimos. Não deslegitimando as conquistas da classe trabalhadora, visto que por si só a burguesia não concederia benefício nenhum às classes subalternas, mas esses movimentos nunca alcançaram seu potencial máximo de conquistas, porque eram reformas feitas “pelo alto”, visando mais conformar a sociedade do que emancipá-la.

68

74 Proclamação da República e pela Revolução de 1930”.69

O que o autor quer dizer com essa afirmação, é que, no Brasil, todas as vezes que a sociedade se organizou, se mobilizou ou se movimentou de alguma forma a fim de transformar a realidade objetiva na qual estava inserida, a elite se apoderou das causas revolucionárias e promoveu algum tipo de reforma, com o propósito de acalmar os ânimos das classes subalternas. Como foi dito no primeiro capítulo, a revolução de 1930 foi dessa forma, e isso ficou bem claro quando o Governador Antônio Carlos de Andrade, então governador de Minas Gerais, diz sua célebre frase: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”. Isso não deslegitima, de forma alguma, as lutas da classe trabalhadora nesse período, ao contrário, o protagonismo da organização e mobilização das classes subalternas sempre gerou frutos, conquistas, que não poderiam acontecer via consenso.70 Mas demostra que, na história do Brasil, até a década de 1980, o que prevaleceu foi esse formato de contrarrevolução, mas que na realidade é a manutenção da ordem via reformulação das determinações já existentes, e liberando algumas reivindicações da classe trabalhadora.

O que se põe após a ditadura militar em resposta à grande movimentação da classe trabalhadora e suas conquistas, dentre elas a própria Constituição Federal de 1988, não foi uma “revolução passiva”, mas um movimento de contrarreforma do Estado. Porque os neoliberais não estavam tão preocupados em calar a voz do povo, em acalmar os ânimos, o que desejavam era “restaurar” o domínio, a não- intervenção e não-investimento estatal no social etc. Se validam de um profundo período de crise financeira, na década de 1980, e constroem as bases que lhes fundamentariam nos anos seguintes. E o que ocorre não é uma tentativa de negociação com as classes trabalhadoras, mas a desconstrução dos direitos conquistados, a desconstrução do cenário de embates políticos e guerras armadas. Sobre esse momento histórico, Coutinho faz uma análise de fácil compreensão:

Não creio que se possa encontrar nisso que chamei (um pouco simplificadamente) de “época neoliberal” esta dialética de restauração-revolução que caracteriza, sempre segundo Gramsci, as revoluções passivas. Na conjuntura em que estamos imersos, as classes trabalhadoras – por muitas razões, entre as quais a chamada “reestruturação produtiva”, que pôs fim ao fordismo e, portanto, às formas correspondentes de organização dos operários – têm sido

69 Ibidem 70

75 obrigadas a se pôr na defensiva: suas expressões sindicais e político-partidárias sofreram assim um evidente recuo na correlação de forças com o capital. (...) A luta de classes, que certamente continua a existir, não se trava mais em nome da conquista de novos direitos, mas na defesa daqueles já conquistados no passado. (COUTINHO, 2008, p. 102)