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Quadro de Informantes Jovens

Capítulo 3. A ASSEMBLÉIA DE DEUS NO CONTEXTO PENTECOSTAL: UM POUCO DA HISTÓRIA, REALIDADE LOCAL ATUAL E PERSPECTIVA

3.3 Estruturas administrativas e hierárquicas da Assembléia de Deus: Perspectiva local e percepção dos/as interlocutores/as

3.3.1 Participação dos/as fiéis: Algumas considerações

Na AD, conforme já referido, se imbricam uma estrutura hierárquica e autoritária com uma intensa participação dos membros, que divididos por faixa etária e sexo realizam diversas atividades. A sua participação e o que dela resulta em termos de segurança, auto-afirmação, criação e ampliação de redes sociais e aprendizados ou “novos aprendizados”, podem ser, na linguagem de Bourdieu (1996), vistos como capitais sociais e culturais, com os quais se joga principalmente neste contexto (eclesiástico), mas que também podem ser importantes em outros contextos e situações.

Participar e ter oportunidade de liderar pode ser importante independente da assunção a cargos, ou mesmo resultar em frutos interessantes para além do desenvolvimento espiritual; estimulando, por exemplo: o desenvolvimento da oratória, alargamento de rede de sociabilidade, desenvolvimento de qualificação para a liderança, entre outros; representando a participação nos moldes assembleianos, em que a comunidade tende a estabelecer elos de união e solidariedade, algo que atrai e tem somado, sem dúvida, para o crescimento da igreja, notadamente em relação aos jovens. Veja-se sobre isto o depoimento que se segue, de uma jovem convertida há cerca de

136 dois anos:

Eu acho que se você participa vai pra igreja, vai pra EBD, tem alguém que converse, é importante que você participe dos trabalhos, porque se você aceitou o Evangelho e só vai um dia por semana pro culto e não tem contato com ninguém, não conversa com ninguém, não tem alguma coisa na igreja que lhe segure mais. Primeiramente Deus, assim, porque você tem que querer... Eu perdi muito a timidez. Quando eu cheguei, a primeira coisa que me disseram foi: você tem de fazer discipulado prá você entender a doutrina da AD, o que vai acontecer com você a partir de agora. Logo no início eu não fui porque eu tinha um pouco de preguiça porque eu chegava da EBD, almoçava e quando via passava a hora, só que um dia de repente eu me vi indo pra o discipulado, já tava no meio do caminho e me ajudou muito. Aí depois de uns seis meses os irmãos me chamaram pra o conjunto, eu estou nele até hoje. Aí eu comecei a louvar, depois teve um grupo de jovens que eu também faço parte; aí, assim, eles dão oportunidade pra você louvar um hino; eu fiquei morrendo de medo. na EBD tem jograis. Então, esse meu contato com as irmãs, eu era a mais nova, então tinha todo um acolhimento, a irmã que eu considero mãe na fé sempre me deu muito apoio, então eu acho que foi muito importante, foi o conjunto. Eu digo que sou uma pessoa abençoada porque eu tive um acolhimento: na minha rua me tratam muito bem, aqui na Universidade; meu primeiro emprego, eu trabalho como agente de saúde, eu já trabalhei num escritório, já trabalhei na escolinha com minhas primas, já trabalhei vendendo tapioca (Valéria, 25anos).

Homens e mulheres, jovens e idosos participam de modos distintos dentro da igreja, em suas múltiplas atividades, sejam voltadas para a música, evangelização, oração ou testemunho. A participação mais ampla e espontânea da pequena congregação ou das igrejas da periferia parece contrastar cada vez mais com uma maior “organização” das maiores, notadamente do templo central, onde o culto fica cada vez mais parecido com aquele das igrejas evangélicas tradicionais.

As mulheres, que não podem participar do ministério, não deixam de exercer liderança, sendo bastante respeitadas e vistas mesmo como esteio da denominação, notadamente, as senhoras e idosas: visitadoras, conselheiras, “mulheres de oração”. Observa-se a presença de mulheres em posições de liderança (não remuneradas) nas igrejas e em vários cargos remunerados vinculados à administração da igreja, não ligados a hierarquia eclesiástica desta, o que lhes confere prestígio e poder. É fato que, como na política tradicional, o apadrinhamento e o parentesco podem pesar bastante na assunção de determinados cargos, principalmente aqueles tidos como “de confiança”.

Persiste em relação à estrutura administrativa da igreja, o cerceamento a cargos e à remuneração ligados diretamente ao “ministério” para as mulheres, o que se mostra “naturalizado” neste contexto. Do ponto de vista das relações de poder entre os gêneros, não se pode deixar de constatar que poder e dinheiro são distribuídos desigualmente,

137 ainda mais, considerando-se que a população feminina predomina e é considerada a base não apenas demográfica, mas espiritual, destas denominações. É importante observar, contudo, em acordo com o que revelam diversos estudos, que, paradoxalmente, ainda que se leve em conta o tom sexista do seu discurso, há espaço para as mulheres se colocarem, o que pode resultar e comumente resulta num diferencial positivo para as mesmas (MACHADO, 2005, SILVA, 2001; COUTO, 2001, 2002; SOUZA, 2004, 2007).

O fato delas não terem possibilidade de engajar-se no ministério, de certo, conforme coloca SOUZA (2004, 2007) poderia forjar uma maior liberdade de crítica, fato que não foi observado, ao menos em relação ao contexto a que tivemos maior proximidade. Neste caso, parece valer mais as ordenanças da igreja sobre o lugar de homens e mulheres em mútua interação com elementos da cultura machista. Num caso, apenas, vimos numa comunidade virtual, uma mulher, “esposa de obreiro” - como se denominam e são denominadas mulheres de pastores, evangelistas e presbíteros, principalmente; que reivindicava, de modo cuidadoso e pautado na Bíblia, uma maior participação e mesmo ordenação de mulheres, o que já se dá em outros estados, inclusive do Nordeste do Brasil, conforme lembrava então.

Voltando à questão da participação dos fiéis, em termos gerais, observa-se que não é uma questão tranqüila o convívio entre um modelo hierárquico/autoritário e a participação das “massas”, o que sem dúvida tem corroborado para cisões e descontentamentos no seio da denominação. No contexto local, observa-se, conforme já exposto acima, modificações que condizem com um “aburguesamento” com conseqüências também na forma de participação: menos “barulho” e mais controle na expressão dos “dons do espírito santo”, mais ritual e menos improviso, principalmente nos templos em que há uma maior presença da classe média. Isto ora pode ser visto com uma conotação positiva quanto negativa, predominando a última perspectiva na fala dos adultos e ex-assembleianos, enquanto os/as jovens, notadamente, os/as mais jovens tendem a fazer uma leitura que apreende de modo mais sincrônico (positivo ou neutro) a igreja. Conta ainda neste caso, o nível de comprometimento com a igreja. Se você, por exemplo, é filho/a de pastor ou presbítero, é comum que faça uma defesa mais acirrada dos pontos de vista da igreja/denominação.

F – Pelo que eu escuto hoje, tem havido muitas mudanças, né? S – As mudanças tem havido porque se a igreja não perceber que tá perdendo por conta dessas coisas e vai ficar sem ninguém. Se a igreja toma o dízimo de tu

138 que trabalha numa multinacional, ganhando milhões, mas tem que colocar um batonzinho, ela vai proibir? Tu és uma cooperadora da igreja, né? Agora estão olhando com os olhos carnais! F – E o que você acha disso? S – Eu acho uma coisa boa e acho uma coisa de querer usar a pessoa pra beneficiar eles, eu acho que está errado, eu acho que quando... É o que eu digo, Deus instituiu as coisas, trabalhar, a bíblia manda a gente trabalhar prá não ser pesado ao nosso irmão, então a gente tem que trabalhar, agora se você vai dizimar, se você vai ofertar isso é com você. Deus não vai impor nada pra você não. Agora eles mascaram a verdade com isso. Eu dou porque eu sou teu irmão, lhe ajudo, não sou obrigado a manter um circulo vicioso, né? As patentes vão aumentando, presbítero, aí depois passa pra evangelista, e vão ganhando na igreja. (Sérgio, 40 anos).

F – Porque eu vou no templo central e vejo tanta mudança, gente pintada, arrumada. P – Mas às vezes não é de lá, mas ele reprova, ele não vai mandar tirar na hora porque o pastor mesmo disse: “não é pecado você cortar o cabelo, não é pecado usar calça cumprida, mas é pecado você desobedecer às regras de sua igreja, se você não quiser obedecer, saia”. Eu era doida pra usar calça comprida, meu pai dizia o tempo vai lhe ensinar, aí eu tava no templo central o pastor disse o que é que a calça comprida vai fazer em você, porque as meninas não querem usar calça folgada, quando você usa calça apertada mostra o seu corpo e quem vê acha o quê; então eu pensei e não achei que fica bem em mim não. (Paula, 15 anos).

Menor organização, maior participação e apego aos costumes é algo que costuma ser associado à pequena congregação pelas pessoas mais escolarizadas/ das “igrejas grandes” ou “centrais”, que, embora por vezes respeitem, e até coloquem um acento positivo em determinados aspectos, demonstram preferência pelos moldes mais refinados dos templos centrais, os quais, por vezes, costumam freqüentar em detrimento da congregação mais próxima de suas residências.

B – Nos templos centrais existem pessoas com consciência mais aberta, então lá vai se chegar com unhas pintadas, com lábios pintados, com sobrancelha feita, ninguém vai dizer nada porque essa menina é filha de pastor, certamente a mãe é médica, ou é uma professora de renome, então: “calma com essa pessoa. Já na periferia é a filha da lavadeira, é a filha do pescador, da empregada domestica; então não pode fazer isso, e é seguido porque se não o presbítero vai disciplinar. F – Então as lideranças da periferia são mais duras? B – São mais rígidas, eles são mais cobrados. B – Onde tem pessoas formadas é mais maleável, onde tem pessoas simples é mais dura até pela própria cultura das pessoas. F – Mas as pessoas não vêem isso não… B – Vê, mas, dizem que Jesus se agrada de quem obedece, e vai colocando aquilo na cabeça do novo convertido; a pessoa chega querendo fazer o melhor, cumprir as regras, ele acha que obedecendo aquele presbítero ele vai seguir a bíblia que diz que tem que honrar a seus lideres (Beatriz, 43 anos).

É interessante reiterar as diferenças encontradas dentro de uma mesma congregação, o que pode ser atribuído em certos casos a diferenças de escolaridade e renda que se constituem internamente, a depender da homogeneidade ou heterogeneidade do grupo, acrescentando-se a isso: o tipo de liderança e a capacidade de

139 resistência dos grupos, que parece maior numa configuração onde predominam jovens, que ora se afastam, ora se rebelam, ou resistem, mesmo que “suavemente” a certas imposições (O mais comum entre os que são membros ativos da igreja, conforme veremos no capítulo que se segue), buscando conciliar o que demanda a igreja com suas convicções pessoais e com a sua leitura pessoal da Bíblia.

Tivemos oportunidade de presenciar algo interessante numa escola dominical de uma igreja considerada pelos/as entrevistados/as: “central” ou das “mais avançadas”, que exemplifica em parte tal questão nos dias atuais. Na ocasião se abordava no estudo “outras religiões e seitas”. Na classe das mulheres casadas, onde ficamos, escutamos o professor (homem moreno, aparentando em torno de 45 anos) condenar a idolatria, principalmente à adoração a Maria que denominava: “mariolatria”, como algo que persistia na Igreja católica e que seria um dos motivos importantes da desqualificação desta enquanto religião. No púlpito, logo depois, foi chamado outro professor para fazer um apanhado geral da lição.

Este, que, depois soubemos tratar-se de um militar de elevado escalão e escolaridade (homem branco apresentando em torno de 35 anos), dizia que a AD não era uma igreja fundamentalista, que não considerava que só seus membros iam para o céu e que era desrespeitoso para com os católicos dizer-se que eram idólatras ou falar de “mariolatria”. Isto foi algo que marcou pela presença num mesmo espaço de visões absolutamente destoantes. Questionando tal fato com alguns entrevistados/as, ouvimos estes discorrerem sobre as diferenças entre as congregações, a depender de sua configuração local, assim como atentar para o fato de que se tratava de uma igreja central, onde era cabível tal colocação, especialmente, se provinda de alguém de status elevado, como o senhor em questão.

A tendência nas nossas entrevistas foi uma percepção de que se poderia tranquilamente estar em outra igreja, já que todas (as evangélicas) levam ao céu. Pesando bastante para os “criados no evangelho”, principalmente, a tradição familiar e as relações de convívio e amizade construídas, então, na sua escolha em continuar na denominação. Afirmando-se, sempre que, entretanto, no passado havia outra perspectiva (mais fechada/radical), que, notadamente, para aqueles situados em contextos ditos centrais: ainda permaneceria em grande medida nas igrejas periféricas; o que, em parte, mas não totalmente, pudemos também perceber; sem deixar de considerar que este discurso evoca noções sempre passíveis de relativização - de centro e periferia – que demarcam crescentes diferenciações dentro da denominação.

140 Participar significa também contribuir financeiramente para o sustento da igreja, havendo uma recomendação para que membros e congregados o façam, embora não haja um grande alarde em torno da questão, como em outras igrejas pentecostais. A oferta, de início recolhida em bandejas, posteriormente, passou a ser feita numa espécie de saco que lembra um coador de café, de cor preta – “as salvas”, onde quase sempre de modo disfarçado, se coloca a oferta nos cultos, sem que se veja o quanto se ofertou. As ofertas e dízimos assim recolhidos são enviados para a igreja sede, onde é redistribuído conforme as necessidades da igreja e das congregações. Estando a cargo do ministério, e, principalmente das pessoas mais influentes dentro deste, o rumo a ser tomado nesta divisão. Mensalmente é feito no templo central um culto administrativo, onde se apresenta as contas e o modo como se aplica o dinheiro aos membros da igreja.

A questão financeira não é algo que foge às críticas, notadamente daqueles “menos comprometidos” com a hierarquia da igreja (adultos e alguns jovens). Diversos aspectos são considerados em tais críticas em relação à aplicação dos recursos, destacando-se a remuneração dos cargos do ministério e a pequena ação social da igreja. Para os/as jovens destaca-se principalmente a questão do recolhimento e desigual redistribuição dos recursos pelas congregações. Muitos consideram que o dinheiro de cada congregação deveria ficar nesta, e ser usado para seu benefício, havendo também a noção de que isso poderia causar uma desigualdade maior entre as igrejas, daquelas com maior ou menor possibilidade de auto-sustento.

Concordando-se em maior ou menor grau, os membros e congregados, incluindo os/as jovens, costumam acatar o que diz a autoridade, norteados pela visão de que esta deverá dar conta de si a Deus; observando-se, neste caso, a perspectiva protestante tradicional, de que cada um, inclusive a liderança, dá conta de suas atitudes individualmente à divindade e irá pagar pelos possíveis delitos cometidos, na eternidade.

Participar, também, implica em seguir o que é prescrito para o crente. Embora tal conotação assuma variações diversas em função de contextos internos a denominação, há previsão de punições para delitos cometidos pelos membros e congregados/as da igreja. Os/as congregados/as, contudo, podem chegar no máximo ao afastamento de um cargo ou posição num dado grupo, enquanto que no caso dos membros, poderá haver o disciplinamento, que consiste num afastamento e perda do vínculo com a igreja –

141 recolhimento do “cartão de membro” ao templo central, por três meses18. A “eliminação” do passado e o seu caráter por vezes banal, segundo uma perspectiva atual tem sido substituída por uma maior tolerância para com os delitos leves, assim como numa maior sutileza nos rituais de que se investe tal ocorrência.

No passado o afastamento por disciplinamento era atrelado, em muitos casos, a uma exposição pública do pecado diante da congregação, movido pela culpa; e do arrependimento, quando do posterior retorno, após cumprir-se o período de ausência das atividades desenvolvidas nesta. Nos dias atuais, ele costuma dar-se de modo mais discreto, podendo, caso não haja fofoca, apenas a liderança estar a par dos fatos que desencadearam a punição; o que não parece, contudo, ser o mais comum.

Delitos de natureza sexual encontram-se entre os principais motivos de disciplinamento, notadamente, o adultério e a “fornicação” antes do casamento, comumente denominados de prostituição, quando confessa ou descoberta, evidentemente. Ressaltamos que as mulheres costumam ser penalizadas pela perda da virgindade de um modo diferenciado; as reconhecidamente não virgens, não podendo participar junto com os/as outros/as jovens dos mesmos grupos, enquanto os rapazes não sofrem tal discriminação. Trataremos melhor esta questão nos capítulos que se seguem.

Não obstante, as formas de governo e de ascensão, que apontam para o valor da hierarquia, autoritarismo e fechamento do “clero” - o “ministério” - que representa, para muitos, a verdadeira “assembléia”, há participação e uma pluralidade de pensamento cada vez maior na dominação. Existem de fato várias igrejas na AD e múltiplas formas de ser assembleiano por trás do rótulo, que se consolidou (para o bem ou para o mal) numa marca, num sinônimo de “ser crente”. Assim, há entre seus membros os/as que estão na igreja, mas não concordam com determinados pressupostos desta, e/ou em relação a sua forma de gestão, há os que simplesmente desconsideram a autoridade pastoral em grande medida, enquanto há os admiradores e seguidores fiéis, sem desconsiderar neste caso, aqueles (homens, necessariamente) interessados em fazer carreira, que se esforçam para atingir seus objetivos, ainda mais, quando muitos cargos passam a ser gratificados ou assalariados19. A estas formas todas de participação e

18

É importante colocar que o congregado participa parcialmente das atividades da igreja, não podendo exercer cargos de liderança nesta.

19

Alguns estudiosos como Birman (2007) e Mariz (2007) fazem relação ao tratar da ascensão social dos crentes, ao próprio mercado interno à denominação, assim como as redes de colaboração mútua criada através desta.

142 interesses envolvidos correspondem estratégias para se lidar com as normas e os delitos, num movimento de aceitação e/ou resistência por parte dos fiéis em negociação constante com o que requer à igreja e sua liderança.

No capítulo seguinte ao abordamos a juventude mais diretamente, procuraremos deixar claro como isto se dá em relação aos/às jovens. Por hora, vamos discutir um pouco mais alguns aspectos correlacionados, relativos à dinâmica da denominação, destacando de modo mais explícito, como os/as interlocutores/as a concebem.

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