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Sexualidade, religião e juventude: Retomando direcionamentos e construindo hipóteses explicativas

A discussão que envolve religião e sexualidade é uma das características mais específicas da visão de mundo ocidental moderno, segundo Duarte (2005). Para ele/ela implica num sentimento espontâneo de antinomia, por trás de uma peculiar sensação de desafio e contradição. Parece prevalecer, à primeira vista, o contraste entre a representação erudita convencional “moderna” da religião como uma dimensão antiquada e pudica (se não abertamente “repressiva”) da vida coletiva e individual e a representação da sexualidade como a dimensão mais atualizada e expressiva possível da autenticidade subjetiva (p.137). Segundo o autor, tal visão é equivocada uma vez que diversos estudos têm apontado que a religião não tem nada de superado e intrinsecamente repressivo, assim como cada vez fica mais claro o caráter construído e culturalmente arbitrário da valorização da sexualidade.

Embora seja crescente, há ainda poucos estudos abordando a sexualidade entre grupos evangélicos, destacando-se no contexto brasileiro, a produção de Machado (1997a, 1997b, 1998, 2000, 2001, 2005, entre outros). Esta autora estabeleceu em função de sua pesquisa com carismáticos, pentecostais e protestantes históricos, uma diferenciação quanto à rigidez moral no interior dos grupos evangélicos, destacando num dos pólos do continuum os fiéis da Assembléia de Deus como os que mais fazem restrições ao vestuário, formas de lazer da sociedade mais ampla e práticas anticoncepcionais ditas abortivas; localizando-se os fiéis da igreja universal no outro extremo como os mais flexíveis em termos de usos e costumes e ética sexual. Seus estudos servem de referência para o cotejamento com a realidade que abordamos.

73 Estudos recentes, como os de Couto (2001), Duarte (2005, 2006) e Rohden (2005), procuram configurar o sentido das transformações religiosas nestes dias de velocidades comunicativas e tecnológicas, com a hegemonia das “idéias modernas” (ainda que não de modo absoluto) sobre a vida das pessoas, em particular dos/as jovens. Busca-se apreender como contextos, situações e marcadores sociais produzem especificidades em relação aos laços familiares, à vivência da sexualidade e da juventude, entre outros; antes de se partir para maiores generalizações.

Em relação à questão que envolve os/as jovens, a sexualidade e a religião, coloca- se, por um lado, um contexto favorável ao afrouxamento de valores, dentro de um universo múltiplo do ponto de vista religioso; onde, principalmente entre as igrejas tidas como “tradicionais”, observa-se o dilema entre à busca de controle do comportamento sexual dos/as jovens e o temor em perdê-los, num movimento por vezes ambíguo e/ou ambivalente. Da parte dos/as jovens crentes, observa-se por um lado, uma imersão cada vez maior no “mundo secular”, na sociedade inclusiva, da qual se torna difícil e mesmo pouco factível uma segregação (tampouco recomendável pela igreja/denominação). Ao mesmo tempo, defendendo-se normas e buscando-se vivenciar padrões de comportamento relativos à sexualidade, que preconizam noções e vivências diferenciadas daquelas que caracterizariam um modelo hegemônico de juventude.

Neste trabalho, com efeito, destacaremos características e possíveis tensões e impasses decorrentes de tais contextos situacionais. Estamos atentos à localização dos/as jovens entrevistados/as em suas diferentes situações e posições de gênero, escolaridade, localização espacial, entre outras, que delimitam possibilidades de lidar com circunstâncias relativas à vida afetiva e sexual.

Embora a homossexualidade não seja objeto de estudo central desta proposta, parece-nos que cabe considerá-la ao focalizar a sexualidade dos/as jovens evangélicos/as, considerando, especialmente, a forma como estas orientações sexuais tendem a ser vistas no meio protestante e pentecostal; a não aceitação ou mesmo condenação da homossexualidade e a existência de ministérios que objetivam sua “cura” (Machado, 1997a; Natividade, 2005). Procuramos verificar sua expressão e significado tanto nos discursos e práticas dos jovens quanto na visão da denominação e das igrejas locais.

Consideramos relevante, levar em conta, ainda que também não represente foco central de nossa análise, a reflexão sobre o trânsito de fiéis entre as denominações protestantes e pentecostais e outros grupos religiosos (MACHADO, 1998; MARIZ e

74 MACHADO, 1994; NOVAES, 2001; COUTO & ALMEIDA, 1998; COUTO, 2001). Especialmente, porque conforme afirmam Novaes (2001a), Machado (1995) e Couto (2001), muitos jovens tenderiam a se afastar das denominações mais rígidas nesta fase da vida5. No caso dos homens jovens haveria um afastamento total e no caso das mulheres uma transferência para denominações menos exigentes em relação ao vestuário e comportamentos. Isto se relacionaria, segundo as autoras, com a dificuldade dos/as jovens em aceitar normas conflitantes com as atitudes e comportamentos previstos para a juventude segundo padrões hegemônicos.

Tal questão será abordada em relação ao universo investigado, muito mais sob a perspectiva de entender porque os/as jovens permanecem nas igrejas; verificando-se ainda o que pensam estes dos que se afastam ou trocam de denominação e a que se costuma atribuir estes afastamentos; como são recebidos os/as que voltam, sejam eles: Rapazes ou moças. Procurando ainda, compreender se e de que maneira esta migração mantém relação com aspectos relativos às vivências sexuais e afetivas.

Os estudos e pesquisas sobre jovens e sexualidade em sua maioria não costumam ver na religião um elemento que repercute na vivência da sexualidade. Monteiro (1999) coloca como suposição, a partir de sua pesquisa numa favela carioca que a religião pode influir no adiamento da virgindade dos rapazes, o que não se confirmou entre as moças. Novaes (2005) afirma que talvez a rigidez moral se evidencie mais em relação às concepções sobre temas controversos que em relação às práticas sexuais propriamente. Verifica-se uma demanda por uma maior consideração desta temática em relação aos/às jovens evangélicos/as, evitando-se suposições que pressuponham visões estereotipadas destes como “reprimidos”. Ou, pelo contrário, os vejam como fazendo parte de um mesmo universo social, e, portanto apresentando visões e comportamentos semelhantes aos dos/as demais jovens, não carecendo, portanto, de maiores investigações, que levem em conta a afiliação religiosa.

A realização da análise e apresentação deste trabalho pressupõe, repetimo-lo, que, não obstante o processo de secularização das sociedades, principalmente dos centros urbanos ocidentais, há variantes e especificidades a serem consideradas; que os sistemas simbólicos religiosos ainda se constituem importantes mecanismos de construção da subjetividade humana.

Neste capítulo, um tanto quanto extenso, pretendemos ter atingido o objetivo de

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75 discutir e delimitar visões e conceitos pertinentes ao entendimento da realidade que nos propomos a investigar. Em seguida, abordaremos os meios e instrumentos a que recorremos na investigação, fazendo breve reflexão sobre o ato de fazer uma pesquisa nas ciências sociais - na Antropologia - e em particular, de abordar o campo religioso.

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Capítulo 2 METODOLOGIA

O trabalho ora apresentado enquadra-se no amplo espectro da abordagem qualitativa em pesquisa social. Privilegia-se neste tipo de abordagem a compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos a eventos, situações, processos ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana (MINAYO, 1992). Segundo Bauer e Gaskell (2002) a finalidade da pesquisa qualitativa é explorar o espectro de opiniões, as várias representações sobre a temática investigada.

Visando entender como os/as jovens evangélicos/as se concebem, enquanto filiados uma igreja/denominação pentecostal; sua perspectiva acerca da vivência da juventude e da vida afetiva e sexual neste contexto, foram realizadas vinte entrevistas, sendo onze com mulheres e nove com homens, dos/as quais quatro eram adultos - três homens e uma mulher - e os/as demais eram jovens. A maioria dos/as jovens freqüentava regularmente as atividades e cultos das suas igrejas, vários deles exercendo posições de liderança; uma jovem estava afastada e três dos adultos (três homens) eram ex-membros da denominação.

Foram realizadas observações de cultos, cerimônias, eventos e de alguns momentos de informalidade entre os/as entrevistados e demais interlocutores/as. Em alguns casos, foi possível observar aspectos relativos ao contexto familiar, de estudo e de trabalho destes/as. Também nos utilizamos de instrumentos analíticos auxiliares como: escuta da rádio evangélica da Assembléia de Deus, detendo-nos de modo particular em alguns programas que demonstravam mais diretamente o perfil e “a visão de mundo” da denominação no estado; e observação de sites e comunidades virtuais, particularmente de comunidades do site de relacionamento Orkut.

Abordaremos com maiores detalhes o processo de pesquisa e o modo como se deu o uso das técnicas de pesquisa mais adiante neste capítulo. No momento pretendemos discorrer um pouco sobre o que nos conduziu a realização deste trabalho, tecendo algumas reflexões sobre as técnicas de pesquisa utilizadas e o porquê das escolhas feitas.

2.1 Da idéia ao planejamento e deste à ação: Reflexões, transformações e

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