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Participação na economia da droga

No documento As FARC Uma guerrilha sem fins? (páginas 76-80)

A economia da droga desenvolveu-se na Colômbia a partir do fim da década de 1970. Num primeiro momento, tratava-se principalmen- te de plantação de maconha, que se difundiu em especial na Sierra Ne- vada de Santa Marta. Por volta de 1980, a importância desse recurso diminuiu, em parte devido à sua produção no próprio território dos Estados Unidos. Na época, a economia da coca começava a substituí-la. No entanto, as áreas cultivadas no território colombiano ainda estavam longe de igualar-se às da Bolívia e do Peru. A Colômbia ainda servia sobretudo de plataforma de exportação para o tráfico proveniente des- ses dois países, contendo laboratórios e rotas de escoamento para os Estados Unidos. A expansão dos cartéis de Medellín e Cali – que con- trolavam e centralizavam as exportações da cocaína produzida por múl- tiplas redes – ocorreu nessa fase. No entanto, as plantações também ten- diam a disseminar-se pelo sul da Colômbia sob a proteção das FARC, seja porque estas já estavam presentes lá, seja por terem acompanhado sua expansão.

O terceiro período começa por volta de 1994: a Colômbia também se tornou, de longe, o primeiro país no cultivo da coca. Para isso contri- buíram dois fatores: as campanhas de erradicação conduzidas pela Bo- lívia e pelo Peru e o desmantelamento dos cartéis de Medellín e de Cali, substituídos por uma miríade de pequenos cartéis. A produção local de folhas de coca eliminava custos e riscos inerentes ao transporte aéreo da

pasta-base6 dos outros dois países andinos, e os lucros dos colombianos

deram um salto. Em alguns anos, as áreas cultivadas no território na- cional aumentaram de modo impressionante. Em 2002, foram calcula- das em 169 mil hectares. E as FARC também estiveram diretamente envolvidas com a expansão, muito mais limitada, da cultura da papou- la – ela atingiu “apenas” 15 mil hectares no auge – e com a fabricação de heroína.

A adoção do Plano Colômbia em 2000, financiado conjuntamente pela Colômbia e pelos Estados Unidos, visa a reduzir o número desses cultivos, recorrendo principalmente à pulverização aérea e, acessoria- mente, aos métodos manuais de destruição. De fato, a superfície culti- vada diminuiu: em 2007, segundo os números oficiais, era de apenas 69 mil hectares. Sua detecção porém, torna-se cada vez mais difícil em razão da disseminação por todo o país, enquanto a introdução de novas variedades mais produtivas tem como resultado a manutenção de quase a mesma quantidade de cocaína produzida.

Durante vários anos, as FARC se defenderam da acusação de finan- ciar-se com a coca. No máximo reconheceram que recebiam uma taxa imposta aos plantadores – o gramaje – em troca da proteção que lhes davam. Proteção geralmente bem-aceita por defendê-los da anarquia que, com a grande alta de preços, espreita uma população inclinada a ceder à atração do dinheiro fácil e a abandonar o cultivo dos alimentos indispensáveis. A relação de osmose, mencionada, pôde assim prolon- gar-se. Na realidade, as FARC já desempenhavam muitas outras funções que propiciavam lucros mais consideráveis. Serviam de intermediárias entre os traficantes com quem negociavam os preços da pasta-base, produto da primeira transformação da folha de coca, e com base nisso também cobravam comissão. Exerciam sozinhas ou com os traficantes a vi gilância das pistas aéreas clandestinas e dos laboratórios, o que lhes propiciava mais uma maneira de participar dos lucros da atividade.

A partir do início da década de 1990, sua inserção na economia da droga foi mais longe em certas localidades. Foi assim que em Guaviare elas desenvolveram outro modelo, gerindo diretamente a produção de

6 A coca é transformada pelos camponeses em pasta-base. Esta é facilmente produzida: as

folhas de coca são misturadas a gasolina e cimento. É preciso ter de 250 a 500 kg de folhas para a obtenção de 2,5 kg de pasta-base, o que possibilita obter 1 kg de cocaína.

grandes áreas de plantio, que podem chegar a quase 100 hectares, bem como a venda aos traficantes. Situado nesse departamento, Miraflores, povoado atravessado por uma estrada que serve de pista de aterrissagem – em certos dias contam-se mais de dez aterrissagens – torna-se uma das mecas do tráfico e do império das FARC. No entanto, os progressos dos paramilitares e das Forças Armadas a partir do ano 2000 traduzi- ram-se na perda de uma parte de Guaviare, inclusive Miraflores.

Mais que o cultivo propriamente dito, na realidade é o processa- mento da cocaína final a fonte dos maiores lucros. A fabricação de pas- ta-base representa apenas uma etapa preliminar e fácil. A etapa decisiva é a dos laboratórios, os cristalizaderos, onde a pasta-base é misturada com gasolina, cimento e diversos ingredientes químicos: ácido sulfúrico, acetona, cloridrato de potássio etc. Ora, as FARC possuem grande nú- mero dessas instalações. Desse modo, inserem-se plenamente no tráfico. Assim como os narcotraficantes, já não recorrem nessas zonas ao traba- lho de colonos, mas aos raspachines.

A participação delas no tráfico não para por aí. As FARC esforçam-se cada vez mais por controlar uma parte das rotas de saída da droga e por completar dessa maneira seu domínio sobre todo o circuito do tráfico. Obrigadas a partir de 2003 a recuar territorialmente sob os fortes ata- ques das Forças Armadas e dos paramilitares, sua prioridade militar pas- sou a ser a manutenção dos corredores estratégicos que levam para o oceano Pacífico: donde os seus reforços nos departamentos de Chocó e Putumayo, na fronteira com o Equador. Com suas passagens para o Pa- cífico, o departamento de Nariño, poupado até então pelas plantações, passou a ser um de seus principais centros e também abriga um número crescente de laboratórios. As FARC dividem com os paramilitares e os narcotraficantes as fozes dos rios que desembocam no oceano. Quando não exportam por si mesmas, procuram cobrar uma taxa sobre as remes- sas dos narcotraficantes e dos paramilitares.

A zona do Pacífico não é a única em que se busca o controle das rotas de saída da droga. Estas passam cada vez mais pelos países vizi- nhos. Por conseguinte, guerrilhas e paramilitares disputam as regiões limítrofes, que passam a ser essenciais: Arauca e o departamento de San- tander do Norte para a passagem rumo à Venezuela; Vaupés para o aces- so ao Brasil; Putumayo para a entrada no Equador. São as regiões nas quais os confrontos armados continuam sendo mais intensos.

Apesar de sua participação maior na economia da droga, as FARC não podem rivalizar com as redes de narcotraficantes propriamente di- tos. Sua desvantagem é, ao contrário destes últimos, não ter acesso direto ao mercado internacional de consumidores. Elas não dispõem de uma organização financeira e comercial no exterior que lhes permita ali rea- lizar grandes operações financeiras. Nesse plano, continuam sendo sim- ples intermediárias.

Além do mais, as pulverizações aéreas diminuíram as taxas cobra- das dos cultivadores, e a diminuição de seu território nos últimos anos também tem afetado seu financiamento. Para contrabalançar essa ten- dência, em seus feudos de Caquetá e Putumayo elas eliminaram os intermediários, ou comisionistas, que se encarregavam das compras, passando a negociar diretamente com as redes de traficantes. Numa região como Meta, foi destruído grande número de seus laboratórios, e elas foram obrigadas a contentar-se com o gramaje. Em outros luga- res, elas são incapazes de manter com os cultivadores preços de com- pra semelhantes aos oferecidos pelos traficantes. Em certas zonas, por não disporem de liquidez suficiente, nos últimos tempos elas têm sido obrigadas a pagar os cultivadores com vales para muitos meses, vales que são revendidos com prejuízo quando os cultivadores precisam rea- lizar compras rapidamente. Seu domínio sobre a população sofre com isso. Elas atenuam essa evolução recorrendo quando podem a um con- trole cada vez mais rigoroso sobre os movimentos dos habitantes nes- sas zonas.

Indicamos no início do capítulo que o conjunto da receita das FARC era avaliado entre 500 e 800 milhões de dólares. Esse montante agora está diminuindo. Pelas razões expostas, a receita da economia da droga teria baixado em cerca de 30% a partir de 2004. A redução é ainda maior no que se refere à receita dos sequestros e das práticas de extorsão. Em todo caso, o conjunto dos recursos é certamente insuficiente para sus- tentar os ambiciosos planos militares que as FARC formulavam ainda há algum tempo.

No início de 2007, elas realizaram uma nova conferência, a nona desde sua fundação e a primeira desde 1993, da qual vários responsáveis só puderam participar por via eletrônica – as reuniões tornaram-se di- fíceis. As informações que delas vazaram estabeleciam que um dos obje- tivos prioritários era recuperar sua capacidade de financiamento: em

quatro anos, as FARC propunham-se obter 230 milhões de dólares su- plementares, a fim de reiniciar as operações ofensivas. Pode-se também acreditar que era para enfrentar dificuldades imediatas.

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