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CAPÍTULO 2: O DESENVOLVIMENTO DA ESFERA DISCURSIVA DO PLANEJAMENTO

2.4. A PASSAGEM DO PERÍODO DESENVOLVIMENTISTA PARA OS GOVERNOS MILITARES

Com a chegada de João Goulart ao poder, foi realizada uma tentativa de aprofundamento dos esforços de planejamento, especialmente pela criação do cargo de Ministro Extraordinário do Planejamento – ocupado por Celso Furtado – e a elaboração do Plano Trienal. O Plano procurava combinar crescimento econômico, redução das desigualdades e estabilidade monetária, em circunstâncias em que a inflação vinha se elevando.

Diante de uma série de restrições, como a ineficácia de medidas voltadas a controlar os preços e a turbulência política do período, o Plano não se realizou. Com a derrubada de João Goulart e o golpe militar de 1964, o quadro institucional brasileiro se alteraria drasticamente. Particularmente, o planejamento governamental passaria por uma série de modificações que passarão a ser abordadas.

Antes, contudo, é preciso chamar atenção para um efeito, em especial, das práticas de planejamento na década de 1950. Já foi feita referência à variada gama de arranjos criados no interior do Estado, associados a temas como a coordenação de ações, a elaboração de projetos, planos e diagnósticos sobre setores da economia. Esses novos espaços apontaram para uma disseminação (ainda que limitada) do papel do planejamento enquanto prática nas posições dentro do Estado, que, contudo, conviveram com uma burocracia tradicional, incapaz de cumprir os requisitos técnicos compatíveis com as tarefas do Estado regulador. Sobretudo porque, conforme já explorado, os governos da década de 1950 impulsionaram a capacidade regulatória e interventora do Estado, sem valer-se, entretanto, de amplas reformas administrativas.

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Fernando Henrique Cardoso chama atenção para a importância dessa difusão do planejamento nas posições de Estado. Esta difusão se dá num quadro de baixa qualidade técnica dos funcionários públicos, de modo que o planejamento, na ausência de reformas administrativas profundas, procurará construir-se a partir de ilhas de racionalidade, inicialmente circunscritas a pequenas frações da burguesia.

Neste sentido, a valorização do Plano Trienal, a quase mística da SUDENE, o próprio Plano de Ação e a enorme tarefa de difusão das técnicas de planejamento e da necessidade de planejar através dos cursos da CEPAL e do ILPES, foram criando os referidos “círculos de interessados” no planejamento, que penetraram amiúde, pelo mesmo processo de cooptação e contaminação da cúpula administrativa nos órgãos estaduais, regionais e nacionais de decisão econômica, de ação econômica direta e de administração, formando o que Hirschman chamou de “ilhas de racionalidade” (Cardoso, 1972, 98).

O governo militar, de certo modo, reforçaria o papel do plano ou das técnicas de planejamento como legitimadoras das decisões políticas. Mas não se tratava de mera continuidade da ampliação da intervenção econômica na década de 1950, no período nacional-desenvolvimentista. Isso porque, em condições ditatoriais, ganhariam peso as decisões políticas de corte autoritário, apoiadas numa tecnocracia comandando instrumentos estatais de planificação, numa espécie de submissão da política à força dos planos.

Os militares tomaram o poder sob um quadro de inflação e piora nas contas externas da economia, implicando restrições ao crescimento econômico. Para fazer frente a esse quadro, foi lançado o Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG, primeiro plano entre vários que os militares procurariam pôr em prática.

O Plano teve relativo sucesso em seu principal objetivo – o controle da inflação, já que houve diminuição dos preços, mas não foi retomado o crescimento econômico. Não será feita aqui uma retrospectiva detalhada da gestão de cada Presidente do período ditatorial. O ponto mais relevante é que os militares iniciaram uma série de reformas institucionais que repercutiriam sobre o planejamento. Importa assinalar a direção dessas mudanças, registrando seus momentos estruturantes, especialmente sob o foco de nossas preocupações até aqui: as formas de institucionalização do discurso do planejamento.

O sentido predominante das alterações realizadas pelos militares foi a busca da centralização administrativa como submissão do jogo de posições sociais, dentro do Estado e

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na sociedade civil, à postura tecnocrática e racionalizante dos instrumentos de planejamento. Gradualmente, o regime ditatorial realizou reformas organizacionais cujo alvo era a existência de um órgão de planejamento centralizador das decisões administrativas e elaborador de Planos que reunissem as ações e medidas estruturantes para o desenvolvimento, especialmente o econômico. As funções que o regime acresceria ao Ministério do Planejamento, criado no período anterior ao golpe, são um bom caminho para examinar a questão.

Já em 1964, o Ministério do Planejamento computava em sua gama de competências a coordenação econômica, por meio de Decreto que definia suas atribuições. Entre elas, destacam-se: dirigir e coordenar a revisão do plano nacional de desenvolvimento econômico; coordenar e harmonizar, em planos gerais, regionais e setoriais, os programas e projetos elaborados por diversos órgãos; coordenar a elaboração e a execução do Orçamento Geral da União, harmonizando-os com o plano nacional de desenvolvimento econômico.

Portanto, o regime militar realiza aquilo que denominamos a versão clássica do planejamento, caracterizada pela existência de um órgão central com competência de coordenação, de instrumentos pelos quais este órgão vincula as diferentes áreas da administração e de Planos que sintetizem as medidas estruturantes para o período de sua vigência. Dando visão de conjunto a esses elementos, trata-se de uma composição institucional pela qual se verifiquem as condições de uma administração sob a racionalidade piramidal, construindo visões de futuro e objetivos que darão origem às ações e medidas específicas, integradas sob a linguagem das estratégias do topo. O próprio orçamento passa a se vincular ao topo da pirâmide, constituindo a forma de financiamento dos projetos associados à realização de uma visão estratégica.

O que estava sugerido, já em 1964, era a redefinição de posições no interior da administração, de modo a fundar novo quadro institucional que pudesse conferir abertura à subordinação das frações estatais ao que dispõem os planos. É evidente que aqui não se pretende argumentar que a visão convencional de planejamento (plano, órgão central, visão em pirâmide) só é compatível com regimes ditatoriais.

Por outro lado, é importante notar que o regime militar se caracterizará pelo aparelhamento do Estado para uma tomada de decisões baseada no autoritarismo e na técnica burocrática.

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Nesse sentido, a força do Estado ditatorial, associada à falta de canais pelos quais a sociedade civil pudesse incidir sobre as políticas públicas, construirá as condições para que impere uma racionalidade tecnocrática pura que facilitará a centralização administrativa requerida para a execução dos planos de desenvolvimento.

Um ponto crítico para efetivar o papel destinado ao planejamento seria a concentração no órgão central de um rol de instrumentos pelo qual pudesse efetivar a visão de conjunto para todo o governo. Interpretação reforçada pelo fato de que, em 1967, com a edição do Decreto- Lei 200, o órgão central de planejamento passava a ter o nome de Ministério do Planejamento e Coordenação Geral.

O sentido das alterações até aqui referidas aponta para a recomposição dos centros de decisão no governo militar, rompendo os arranjos políticos e institucionais do período nacional-desenvolvimentista, tão bem expressos, por exemplo, pelos grupos executivos, mas também pelo apoio das representações dos trabalhadores. No regime militar, a própria política passaria a estar a serviço do plano, compreendido como um imperativo técnico; como uma racionalização da administração com vistas a realizar os objetivos para o desenvolvimento nacional.

O que está sendo abordado até aqui é justamente a construção de instrumentos na estrutura de Estado para reconstruir os canais de circulação de poder de modo a transferi-los ao órgão central de planificação. E assim se institucionalizará o circuito do planejamento, não apenas como órgão dotado de atribuições relativas à planificação, mas como sistema voltado a coordenar todo o governo e imprimir uma racionalidade ao conjunto das ações. O que, por seu turno, pressupunha o controle pela burocracia de planejamento das práticas que assegurassem seu poder de coordenação, vinculando planos, projetos e o orçamento a uma visão de conjunto tecnocraticamente elaborada.

Vale retomar o olhar para a construção e institucionalização do planejamento como sistema. Em 1969, são editados dois Atos Complementares (43 e 76) pelos quais o Poder Executivo fica obrigado a elaborar os Planos Nacionais de Desenvolvimento – PND. Os atos estabeleciam a correspondência entre o PND e os orçamentos plurianuais de investimentos. Estes teriam a vigência de três anos e seriam relativos exclusivamente às despesas de capital.

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Em 1974, o regime edita Lei em que transforma o Ministério do Planejamento em Secretaria de Planejamento, de status ministerial. Passava o órgão à estrutura da Presidência da República, dando mais um passo em direção à ideia de um órgão centralizador, operando com uma visão – acima dos demais órgãos – de integração em torno do Plano.

Suas atribuições eram as seguintes: coordenar o sistema de planejamento, orçamento e modernização administrativa, inclusive no tocante ao acompanhamento da execução dos planos nacionais de desenvolvimento; coordenar as medidas relativas à política de desenvolvimento econômico e social; coordenar a política de desenvolvimento científico e tecnológico, principalmente em seus aspectos econômico-financeiros; coordenar assuntos afins ou interdependentes que interessem a mais de um Ministério.

Enfim, as competências da nova Secretaria, com status ministerial e vinculada à Presidência, indicam que a prática do planejamento se consolidaria como sistema compreendendo as matérias sobre desenvolvimento econômico e social, planejamento, administração, orçamento e quaisquer assuntos relativos a mais de um órgão. Materializava- se, na estrutura de Estado, a ideia de uma racionalidade acima das racionalidades, com a transferência ao órgão de planejamento das competências e instrumentos pelos quais as ações de governo se articulariam num sistema que compreenderia desde os objetivos mais elevados até a definição de projetos e de dotações orçamentárias.

Nesse sistema, o plano estabelecia as diretrizes e as prioridades a serem obedecidas, o orçamento atribuía os recursos em conformidade com tais prioridades e cabia aos ministérios de cada área supervisionar as ações situadas na respectiva esfera de competência. A existência em cada ministério de um órgão setorial de planejamento e orçamento, composto por uma equipe técnica qualificada, encarregava-se de manter a articulação dos componentes desse sistema (Rezende, 15, 2010).

É preciso destacar uma tendência já verificada no período nacional-desenvolvimentista, que é a crescente formação de um corpo técnico voltado às questões do planejamento. Ainda que o sistema de planejamento atinja o ápice de sua institucionalização apenas no governo Geisel, desde o seu início, o governo militar tomou para si a tarefa de construção de planos. A maior parte deles não se converteu em ações concretas, como o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social, para o período 1967-1976. Porém, sua construção resultou num acréscimo de conhecimento sobre questões da economia brasileira e na maior capacidade de elaboração de diagnósticos. A coordenação da elaboração do Plano Decenal

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ficou sob a responsabilidade do recém-criado Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, que se converteria em Instituto a partir de 1967, com tarefas tipicamente voltadas ao staff de governo, ratificando a tendência de crescimento da área.

Outro fato institucional ilustra as vias pelas quais segmentos mais expressivos da burocracia estatal passam a lidar com as tarefas de staff, para retomar a linguagem dos tempos do DASP. Trata-se da edição de Decreto, em 1972, criando o Programa de Acompanhamento. O Programa teria por finalidade avaliar, executar, revisar, complementar e aperfeiçoar os Planos Nacionais de Desenvolvimento.

O rol de peças legais indicadas criava o próprio objeto do planejamento, a saber, os planos, os instrumentos de sua execução, seu acompanhamento e possíveis reparos, bem como as próprias instituições que detinham as atribuições ligadas a esses processos. Mais do que cada etapa em separado, o planejamento constitui uma cadeia lógica pela qual o Plano de Desenvolvimento se desdobrava na elaboração e execução orçamentárias. Tanto no Orçamento Plurianual de Investimentos – OPI como no Plano Geral de Aplicações, também previsto por Decreto, cuja função era consolidar o orçamento de todas as esferas da União, permitindo uma visão global do gasto. Reunidos, tais instrumentos ofereciam elementos ao Programa de Acompanhamento.

Nesse sentido, a condição de possibilidade da eficácia do planejamento é o controle dos processos decisórios, filtrados pela racionalidade dos planos que dão a direção e os objetivos da intervenção estatal. O controle dos canais de decisão pela burocracia do planejamento é uma relação de poder no interior do Estado, pela qual se assegura que quaisquer demandas apenas ganharão legitimidade na medida em que ajustem à linguagem dos planos. Estes, por seu turno, serão representados como expressão do interesse da nação.

Vale destacar que a tendência de crescimento da experiência de parcela dos funcionários de Estado com o planejamento não indica apenas continuidade em relação à década de 1950. Isso porque a difusão do planejamento como saber e prática de Estado, nos governos militares, conforme visto, apresentou-se sob a forma de sistema. Mais precisamente, como uma cadeia lógica não apenas voltada a organizar a si própria (seus objetos, horizonte teórico, estilo), mas as demais áreas de política, na medida em que lhes impunha certos processos e dinâmicas.

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Aqui reside um ponto essencial no desenvolvimento das formas institucionais do planejamento. Já não eram mais, nos termos de Hirschman, as ilhas de racionalidade dentro de uma estrutura atrasada frente aos desafios expostos nos planos de desenvolvimento. Mas se tratava das pretensões de inscrever a dimensão do planejamento nos próprios órgãos setoriais, responsáveis pela execução das políticas. Nesse sentido, a esfera do planejamento se estenderia aos órgãos governamentais, estabelecendo um canal direto para sua aplicação ao conjunto de políticas e ações.

Ponto alto desse processo de difusão do planejamento foi a edição do Decreto 71.353, de 1972, que criava o sistema de planejamento. Suas atribuições eram: coordenar a elaboração dos planos e programas gerais de Governo e promover a integração dos planos regionais e setoriais; acompanhar a execução desses planos e programas; assegurar, mediante normas e procedimentos orçamentários, a aplicação de critérios técnicos, econômicos e administrativos para o estabelecimento de prioridades entre as atividades governamentais; modernizar as estruturas e procedimentos da Administração Federal objetivando seu contínuo aperfeiçoamento e maior eficiência na execução dos programas do Governo; e estabelecer fluxos permanentes de informação entre as unidades componentes do Sistema, a fim de facilitar os processos de decisão e coordenação das atividades governamentais.

A conclusão que se pode tirar do elenco das atribuições do novo sistema é, principalmente, o reforço da linguagem de uma racionalidade técnica expressa sob a forma de planos que centralizam ações de governo. Além da previsão de coordenação atribuída ao órgão central de planejamento, destaca-se a competência para o uso do orçamento como instrumento de aplicação de critérios técnicos, econômicos e administrativos para o estabelecimento de prioridades entre as atividades governamentais. Aqui fica explícita a natureza do planejamento enquanto linguagem carregada de uma visão eficaz apenas na medida em que se aplica ao vasto campo de políticas públicas setoriais.

Linguagem que funcionaria potencialmente, conforme exposto anteriormente, como filtro. E cuja função seria regular as atividades governamentais, aplicando critérios de classificação, avaliando sua correspondência com os planos em curso, seu grau de prioridade, entre outros. Na medida em que impõe uma linguagem que reconstrói e classifica os diferentes objetos de política pública, o planejamento não pode ser compreendido tão-somente como veículo (ou

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meio) que leva a certos objetivos, mas como a construção de um mundo e suas variáveis, uma visão, uma vez que dá nome às coisas e as institui oficialmente como pontos de vista do Estado.

O planejamento não pode ser, portanto, apreendido como uma técnica neutra pela qual se realizam da melhor forma os objetivos governamentais. Paradoxalmente, retira sua legitimidade justo dessa visão em que representa a si próprio como o canal para perseguir o interesse nacional. O Decreto do sistema de planejamento manifesta e reforça essa leitura, uma vez que os critérios que o planejamento aplica às políticas públicas para atribuição de prioridades são classificados como “técnicos, econômicos e administrativos”. Critérios que levariam ao objetivo, também registrado sob a forma de atribuição legal, de modernização das estruturas e procedimentos da Administração Federal, buscando seu aperfeiçoamento e maior eficiência.

Lidas em conjunto, as atribuições revelam os termos em que é disposto o discurso sobre o planejamento, associando-o não apenas ao interesse nacional, mas à própria modernização do Estado. De modo que o discurso só funciona na medida em que já está dado; já está implicado na própria distribuição de posições e status no espaço social, a um só tempo diferenciados e diferenciantes. Essa posição é a do planejador, cuja eficácia resulta da construção de um ponto dentro da administração só existente na medida em que se distingue de outros, produzindo – discursivamente – as conexões entre planejamento, eficiência e modernização.

Essas conexões não funcionam soltas no espaço social. São índices de valor (na medida em que impõem pontos de vista) que se institucionalizam na administração, por meio de competências, controle de processos, instrumentos para alocação de recursos e definições sobre políticas públicas. A forma como o planejamento se inscreve nas estruturas de Estado, durante a década de 1970, é a de sistema, nos termos já apresentados, definindo não apenas um lócus que aproprie certo capital técnico de racionalidade administrativa (o órgão central), mas também o estendendo a todos os órgãos da administração.

Nesse sentido, o Decreto 71.353 institui que são integrantes do Sistema de Planejamento todos os órgãos da administração federal incumbidos de atividades de planejamento, orçamento e modernização administrativa. E que, especificamente, a Secretaria Geral do Ministério do Planejamento e Coordenação Geral é o órgão central do Sistema de

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Planejamento e as Secretarias Gerais dos Ministérios Civis, e órgãos equivalentes dos Ministérios Militares, seus setoriais. A fórmula, a um só tempo, vinculava todos os órgãos da administração ao planejamento, assim como instituía uma hierarquia fundada no par órgão central x órgãos setoriais.

Com isso, a burocracia do planejamento passa a ser ator determinante no processo de alocação de recursos e definição de prioridades governamentais. E, assim, conforme já exposto, os militares redefinem os circuitos de poder no interior do Estado, canalizando as decisões concentradas em pequenos círculos de técnicos e políticos para os planos, que passavam a representar o interesse nacional a perseguir.

No Brasil, [...] os planos foram definidos por grupos restritos de técnicos e políticos e foram aprovados pelo sistema político tradicional, embora sua justificativa mais geral tenha sido apresentada, quase sempre, em nome dos que não estão participando do progresso econômico e dele devem vir a beneficiar-se por imperativos ético-políticos e para assegurar o crescimento nacional (Cardoso, 1972, 92).

No microcosmo burocrático, conforme visto até aqui, a reorganização institucional implica a hierarquia da linguagem dos planejadores sobre as diferentes áreas de política e a imposição daquilo que estamos chamando de racionalidade piramidal ao conjunto do governo. Esse sistema decisório jamais é “inundado” pela diversidade de vozes sociais presentes na sociedade civil. Em outros termos, o Plano não se define pelo entrechoque de perspectivas, que, certamente, apontaria para a contestação a soluções políticas e econômicas definidas nos círculos estreitos de decisão. Implicariam também a ressignificação de conceitos como racionalidade, eficiência e modernização, aos quais seriam atribuídos sentidos mais amplos, incorporando perspectivas de segmentos sociais excluídos do sistema de participação e usufruto dessa modernização.

Porém, examinando a questão sob o ângulo macrossocial, seria inverossímil tomar os planos militares como pura imposição tecnocrática à sociedade. Ainda que num regime ditatorial, é preciso indagar pela fonte de legitimidade dos planos e, de modo mais amplo, do projeto político em vigor. Sem esgotar a questão, que é complexa e não consiste em nosso objeto central, é preciso dizer que Cardoso oferece, na passagem citada anteriormente, uma indicação relevante. O autor lembra que os planos militares, em geral, encontraram sua justificativa justamente naqueles que não se beneficiavam do progresso econômico – as

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classes populares. Entre as estratégias do II PND, estava aquela voltada ao desenvolvimento social ...

... orientada no sentido de: (1) garantir a todas as classes e, em particular, às classes média e trabalhadora, substanciais aumentos de renda; (2) eliminar, no menor prazo, os focos de pobreza absoluta existentes, principalmente, na região semi-árida do Nordeste e na periferia dos grandes centros urbanos. De um lado, procurar-se-á assegurar um mínimo