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Pasteuria penetrans como Agente de Biocontrole

Mais de 200 diferentes organismos são considerados inimigos naturais dos fitonematóides, como fungos, bactérias, nematóides predadores, ácaros e outros (Poinar & Jansson, 1988a, 1988a, b; Kerry, 1990). Entre esses, as bactérias do gênero Pasteuria Metchnikoff 1888 (Starr & Sayre, 1988) estão entre os mais estudados devido as suas características desejáveis como agressividade e rusticidade (Stirling, 1984; Brown et al., 1985; Stirling, 1985; Sayre, 1986; Bird & Brisbane, 1988). A sobrevivência prolongada dos endósporos no solo, resistência ao calor e à dessecação, inocuidade ao homem e a outros animais e o possível uso em conjunto com práticas culturais são as principais vantagens deste microrganismo (Dutky & Sayre, 1978; Mankau, 1980; Stirling & Wachtel, 1980; Stirling et al., 1986; Sayre & Starr, 1988; Stirling, 1988; Oostendorp et al., 1990). A impossibilidade de cultivá-lo efetivamente em meio de cultura é o principal entrave para a sua produção em grande escala e comercialização.

Mais de 300 espécies de nematóides foram relatadas como sendo hospedeiras de Pasteuria. A espécie Pasteuria penetrans foi descrita por Sayre & Starr (1985) infectando Meloidogyne incognita, entretanto, outras espécies de Meloidogyne também são parasitadas (Gowen & Ahmed, 1990). Apesar de se considerar que essa bactéria possui um alto grau de especificidade (Davies et al., 1992), um mesmo isolado de Pasteuria penetrans pode aderir e se reproduzir em diferentes populações, espécies e até mesmo gêneros de fitonematóides, causando supressividade. Dickson et al. (1994) e Carneiro et al. (1999) observaram um isolado de Pasteuria sp. obtido de Pratylenchus scribneri aderir-se a Meloidogyne incognita, Meloidogyne arenaria, Meloidogyne hapla, Meloidogyne javanica, Meloidogyne mayaguensis, Meloidogyne paranaensis e Pratylenchus brachyurus. Um isolado norte-americano de Pasteuria obtido de Heterodera glycines se aderiu mais prontamente a Heterodera schachtii, seu possível hospedeiro original (Atibalentja et al., 2004). Uma mistura de isolados de Pasteuria penetrans procedentes de várias regiões brasileiras e multiplicada em populações de Meloidogyne javanica e Meloidogyne incognita por mais de 10 anos, falhou em aderir-se a uma determinada população de Meloidogyne javanica e a Meloidogyne mayaguensis procedente de raízes de goiaba em Petrolina, PE, mas se aderiu a Helicotylenchus dihystera e Pratylenchus brachyurus em diferentes níveis (L.G. Freitas, observação pessoal, Figura 1). Isolados dos Estados Unidos (Mankau, 1975; Oostendorp et al., 1990) e da China (Pan et al., 1993) parasitaram Meloidogyne spp. e Pratylenchus spp. Um isolado indiano parasita Meloidogyne spp. e Heterodera spp., enquanto outro parasita Heterodera spp., Globodera spp. e Rotylenchulus reniformis (Bhattacharya & Swarup, 1988; Sharma & Davis, 1996). De acordo com Mankau &

Prasad (1972), Pasteuria penetrans foi capaz de reduzir simultaneamente a densidade populacional de Meloidogyne javanica, Meloidogyne incognita e Pratylenchus scribneri em tomate. É importante lembrar que por não ser possível cultivar Pasteuria penetrans in vitro, fica impossível assegurar a pureza das populações da bactéria e, por conseguinte, a adesão e o parasitismo cruzados podem ser resultado de mistura de isolados geneticamente heterogêneos de Pasteuria penetrans dentro de uma mesma população.

Figura 1. Endósporos de uma mistura de isolados de Pasteuria penetrans multiplicada em

Meloidogyne javanica e Meloidogyne incognita por 10 anos, aderidos às cutículas de juvenis de Meloidogyne incognita (A), Helicotylenchus dihystera (B) e Pratylenchus brachyurus (C), em diferentes

níveis. As setas apontam endósporos aderidos.

Outras três espécies de Pasteuria descritas parasitando fitonematóides são Pasteuria thornei em Pratylenchus spp., Pasteuria nishizawae em nematóides dos gêneros Heterodera e Globodera (Sayre & Starr, 1989) e a Candidatus Pasteuria usgae em Belonolaimus longicaudatus (Giblin-Davis et al., 2003).

Pasteuria penetrans permanece dormente no solo por longos períodos na forma de endósporos até que o juvenil de segundo estádio do nematóide (J2), ao se locomover, entre em contato com os endósporos que se aderem à cutícula. Posteriormente, ao ser carregado para o interior da planta, ocorre a emissão de um tubo germinativo que perfura a parede do corpo do nematóide, atingindo o pseudoceloma. Esse tubo ramifica-se dicotomicamente formando um pseudomicélio septado que dá origem a microcolônias vegetativas, que se fragmentam e originam novas colônias. As células terminais dessas colônias engrossam-se e fragmentam-se dando origem aos endósporos que amadurecem no interior da fêmea (Mankau, 1975; Mankau & Imbriani, 1975). Mais de dois milhões de endósporos são produzidos em uma fêmea de Meloidogyne parasitada (Sturhan, 1985; Sayre et al., 1991). Os endósporos são liberados com a morte e a decomposição da fêmea do nematóide e dispersam-se primariamente por percolação da água e por cultivo do solo (Sturhan, 1985).

O processo de redução da população de Meloidogyne spp. por Pasteuria penetrans se dá em duas etapas. Inicialmente, em solo com baixa concentração de endósporos da bactéria, os juvenis se encontram com poucos endósporos no seu caminho em busca da raiz e penetram a raiz com poucos endósporos aderidos a sua cutícula. Desta forma, a infectividade dos juvenis não é seriamente afetada (Brown & Smart, 1985; Davies et al., 1988), porém as fêmeas resultantes desses juvenis não produzirão ovos pois a bactéria ganha a competição por nutrientes no interior da fêmea. Quando cada uma dessas fêmeas entra em senescência, cerca de dois milhões de endósporos de Pasteuria penetrans são liberados no solo. A segunda fase do controle do nematóide ocorre quando a concentração de endósporos da bactéria no solo é alta e muitos endósporos aderem-se aos juvenis, impedindo que eles se locomovam até as raízes e as penetrem (Stirling, 1984). Quando isto ocorre, considera-se que o solo tornou-se supressivo e a população do nematóide tende a cair drasticamente (Freitas, 1997).

A supressividade de um solo ocorre quando o fitonematóide e a planta hospedeira suscetível estão presentes num ambiente propício para a doença ocorrer, entretanto ela não ocorre ou, se ocorre, não é severa. Pasteuria penetrans é observada em solos supressivos a nematóides (Bird & Brisbane, 1988; Minton & Sayre, 1989; Dickson et al., 1994; Weibelzahl-Fulton et al., 1996) e tem suprimido nematóides em casa-de- vegetação e experimentos de microparcelas (Stirling, 1984; Brown et al., 1985; Rodríguez-Kábana et al., 1986; Minton & Baujard, 1990; Davies et al., 1991; Oostendorp et al., 1991; De Leij et al., 1992). Apesar desses relatos, é difícil determinar a extensão do papel de Pasteuria penetrans na supressão de doenças causadas por nematóides.

Stirling (1984) verificou que Pasteuria penetrans foi a responsável pelo declínio de nematóides das galhas em campos de cultivo de uva no sul da Austrália. Ao adicionar nematóides em vasos com solo de campo em estado natural ou autoclavado, ele observou que os nematóides se multiplicaram muito mais em solo autoclavado do que em solo natural, pois a autoclavagem inativou Pasteuria penetrans. Esse estudo serviu de base para o desenvolvimento de um bioensaio para estimar o grau de supressividade de um solo devido à ação de Pasteuria penetrans (Freitas et al., 1995).

No campo, a adesão de endósporos e o desenvolvimento de Pasteuria penetrans em Meloidogyne spp. ocorrem de forma mais eficiente em temperaturas entre 25 °C e 30 °C (Stirling, 1981; Stirling et al., 1990; Hatz & Dickson, 1992; Freitas, 1997). Stirling (1981) observou que a duração do seu ciclo de vida foi reduzida em cerca de 70% a 30 °C quando comparado a 20 °C. Isso é um indicativo de que Pasteuria penetrans é mais efetiva no controle do nematóide em condições de temperaturas mais altas.

Embora Pasteuria penetrans seja encontrada em vários tipos de solo, a maioria dos solos supressivos a nematóides devido à sua presença é de textura arenosa (Williams, 1960; Stirling & White, 1982; Spaull, 1984; Minton & Sayre, 1989; Giblin- Davis et al., 1990; Minton & Baujard, 1990; Oostendorp et al., 1990; Dickson et al., 1994; Ko et al., 1995; Chen et al., 1996; Weibelzahl-Fulton et al., 1996; Freitas, 1997). Mateille et al. (1995) observaram maior adesão em solos arenosos do que em solos argilosos. A maior movimentação dos J2 em solo arenoso do que em solo argiloso aumenta a possibilidade de contato entre J2 e os endósporos imóveis da bactéria. A maior percolação de água em solos arenosos faz com que endósporos aplicados na superfície

do solo atinjam as camadas mais profundas, onde se encontram os nematóides (Oostendorp et al. 1990). Tratos culturais como irrigação, aração e gradagem melhoram a distribuição de endósporos no campo, aumentando as chances de contato entre Pasteuria penetrans e os nematóides. Devido ao seu diminuto tamanho, endósporos desta bactéria são facilmente carregados por água em percolação no solo (Oostendorp et al., 1990), o que facilita a sua aplicação no campo via água de irrigação. Mais informações sobre histórico, taxonomia, biologia e ecologia de Pasteuria penetrans podem ser encontradas na revisão de Chen & Dickson (1998) e de Freitas & Carneiro (2000).

Produção de Inóculo da Bactéria

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