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Patrimônio cultural brasileiro

No documento PORTCOM (páginas 60-64)

2. Patrimônio: Um Conceito Abrangente

2.1 Patrimônio cultural brasileiro

O Brasil é, atualmente, um país urbanizado e industrializado, que continua recebendo influências do exterior, mas que, também, é um exportador de cultura, mais especificamente de religião, música e tele- novelas.112 Para Anthony Giddens:

A sociedade pós-industrial é um fim, mas também um começo, um universo social de ação e experiência genuinamente novo,

111 HALL, Stuart. Op. cit., p. 13.

112 OLIVEN, Ruben George. Cultura e modernidade no Brasil. São Paulo

Perspectiva. São Paulo, v.15, n. 2, 2001, p. 10.

onde a sociedade global se encontra e se mescla com as diferen- tes sociedades locais em um espaço indefinido.113

O patrimônio cultural imaterial é o patrimônio rico e diversifi- cado, ao mesmo tempo vivo e tradicional, que se manifesta por meio de expressões e tradições orais, pelas artes performáticas, pelas práti- cas sociais, incluindo rituais e eventos festivos, pelos conhecimentos e práticas relacionados à natureza e pelo artesanato tradicional.

A filosofia, os valores e formas de pensar refletidos nas línguas, tradições orais, na arte, no folclore e na arquitetura de um povo, cons- tituem o fundamento da vida comunitária. A revitalização das culturas tradicionais e populares assegura a sobrevivência e a diversidade cultu- ral de uma comunidade e, em última análise, de um país. Contudo, há que se observar que “a preservação de uma pretensa ‘pureza’ dos bens intangíveis é um desejo de impossível realização”.114

São Paulo, por exemplo, modificava-se em ritmo acelerado e sua programação cultural já respondia a públicos mais sofisticados no iní- cio do século XX115. Nicolau Sevcenko, discorrendo sobre os anos 20, afirma que:

Sob o epíteto genérico de “diversões”, toda uma nova série de hábitos, físicos, sensoriais e mentais, são arduamente exercitados, concentradamente nos fins de semana, mas a rigor incorporados

113 GIDDENS, Anthony. GIDDENS, Anthony. Op. cit., p. 117. [Tradução livre do autor deste livro.]

114 SEITI, André. Identidade da consciência: cultura imaterial se revela cada vez mais importante para entender a diversidade do Brasil.

Continuun Itaú Cultural. São Paulo, n. 7, jan./fev., 2008, p. 7.

115 Em trabalho anterior, discutiu-se com mais profundidade questões relacionadas à modernidade da metrópole paulistana. LEITE, Edson. A estética moderna do início do século XX – Antonieta, Guiomar

e Magdalena: tradição e ruptura na produção cultural da cidade de São

Paulo. Tese (Pós-Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes (ECA), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.

em doses metódicas como práticas indispensáveis da rotina co- tidiana: esportes, danças, bebedeiras, tóxicos, estimulantes, com- petições, cinemas, shopping, desfiles de moda, chás, confeitarias, cervejarias, passeios, excursões, viagens, treinamentos, condi- cionamentos, corridas rasas, de fundo, de cavalos, de bicicletas, de motocicletas, de carros, de avião, tiros-de-guerra, marchas, acampamentos, manobras, parques de diversões, boliches, pati- nação, passeios e corridas de barco, natação, saltos ornamentais, massagens, saunas, ginástica sueca, ginástica olímpica, ginástica coordenada com centenas de figurantes nos estádios, antes dos jogos e nas principais praças da cidade, toda semana.116

Com a economia cafeeira, São Paulo passou a crescer e tornou-se, rapidamente, o principal pólo econômico e político do país. Multidões de brasileiros transferiam-se para São Paulo, atraídos pela acumula- ção de recursos e, também, os estrangeiros que viam perspectivas de progresso na nova terra. Em meio à precariedade de seus haveres e sem especialização de trabalho, esses migrantes enfrentavam graves problemas, tendo que improvisar suas moradias, seus ofícios etc. Os estrangeiros, com base nos seus referentes culturais, transferem à cida- de características de resgate de suas culturas. A cidade, naquela época, construída à moda europeia, podia ser descrita da seguinte maneira:

[...] a colina central ficava circundada de uma ornamentação paisagística europeia, atravessada pelas impressionantes es- truturas metálicas dos viadutos do Chá e de Santa Efigênia importadas direto da Alemanha, e cingida pela arquitetura neo-renascença do Teatro Municipal, êmulo fáustico do Ópe- ra de Paris, a assinalar uma súbita reformulação do panorama, refletindo mudança radical na identidade da capital. Nos limi- tes desse complexo paisagístico figuravam, ao norte, a Estação da Luz, totalmente importada da Inglaterra até os últimos ti- jolos e os menores parafusos, segundo os modelos da Estação de Paddington e da torre do Big Ben. Ao sul, ia se definindo 116 SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., p. 33.

o desenho gótico da catedral da Sé, talhada sob o figurino da matriz medieval de Colônia. A oeste, dominando a Praça da República, destacava-se a imponente Escola Normal, de fei- tio eclético, recaindo sobre o neoclássico do Segundo Império Francês. A leste, mais para o final da década, erguer-se-ia, no topo da colina histórica, o colossal prédio do arquiteto italiano Giuseppe Martinelli, um bloco maciço de concreto armado, que com seus vinte andares se arrojava como ‘o mais alto da Amé- rica do Sul’.117

São Paulo, como centro urbano, teve que se adaptar e pagar o preço da sua metropolização desenfreada e da mescla das várias culturas de seus residentes, desde sua fundação. Sevcenko desenvolve essa ideia nos seguintes termos:

Homem-máquina, máquina personalizada, mulher-energia, energia erotizada, máquina e energia transformando os ritmos e condições de vida e os seres humanos se metamorfoseando por automatismos sobrepostos, ativando seus impulsos, nervos e músculos, até romper o cerceamento de valores e preceitos que restringiam as condutas e temperavam as aspirações, libe- rando uma crisálida moderna, com gestos ágeis, roupas leves de corte militar, cigarro no canto da boca e o desejo irrefreável de se fundir numa força colossal, uma massa devastadora que em avalanche sepulte o velho mundo e redesenhe um novo à sua imagem. 118

Completando a ideia da evolução diversificada da cidade de São Paulo, que cresce desordenadamente, tanto física quanto social e cul- turalmente, Massimo Canevacci fala de uma cidade polifônica e, tra- tando mais, especificamente, da arquitetura resultante dessa diversida- de identitária, afirma que:

117 SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., p. 116. 118 Idem. Ibidem.

Nessa ‘terra’ existe a expressão polimórfica de um sincretismo arquitetônico. Ela se insere naquela corrente multicultural e

multiétnica que constitui o desafio cultural por excelência: con-

jugar, explicitar, jogar com os processos simultâneos e contradi- tórios de mundialização e de localização dos códigos.119

São Paulo é um exemplo de grande metrópole que passou pela experiência do crescimento vertiginoso que conduziu à perda de re- ferenciais comuns entre seus habitantes. A falta de elementos que contribuam para o reforço da identidade coletiva e do sentido de per- tencimento não é, contudo, uma característica particular de São Paulo. Várias outras localidades têm perdido seus referenciais e essa realidade está diretamente relacionada a pouca preocupação com a salvaguarda dos recursos culturais.

No documento PORTCOM (páginas 60-64)