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CAPÍTUL O 2 CO NCE PÇÕES DE AL FABETI ZAÇÃO E A PE DAGO GI A HISTÓRI CO CRÍT ICA

2.3 Ped agogia his tóri co crí ti ca e alfabetização

Na mesma linha de pensam ento de um ensino que corrobore para o des envolvim ento dos indiví duos, autores da pedagogi a hist órico -críti ca e da psicologia históri co -cultural como S aviani , D. (2015, 2017), Marti ns e Marsi gl ia (2013, 2015, 2017), Barroco (2011), Dangió (2015, 2018), Duart e (2011, 2016), tam bém contri buem com s eus est udos sobre est e obj et o cultural, especi ficam ent e em rel ação ao ensi no para a apropri ação da l eitura e da escri ta, que no trans correr dest e tóp i co s erá compreendida com o alfabetiz ação.

Para os autores da pedagogi a hist óri co -críti ca , como t ambém para os da psi cologi a hi stóri co -cult ural, al go é essenci al: para a alfabetiz ação s e faz necessário a ati vidade de ensino, poi s al fabetizar não é algo natu ral, que

est á dado. Neste processo , é neces sário a organização do t rabal ho educat ivo de modo que este s ej a pensado para oportunizar ao aluno o cont ato com a cult ura l et rada.

Martins e M arsi gli a (2015, p. 29) advogam que:

É p r e c i s o t r a ns mi t i r à s no va s ge r a ç õ e s a q ui l o q ue o s s e r e s h u ma no s j á d e s e n vo l ve r a m e c o n q ui s t a r a m a o l o n go d a hi s t ó r i a h u ma na , p o r me i o d o t r a b a l ho . E s s a t r a n s fe r ê n c i a nã o s e d á d e ma ne i r a na t ur a l , ne m t ã o s o me n t e me c â n i c a , e p a r a a p r o p r i a r - s e d a c ul t ur a é p r e c i s o d e s e n vo l ve r ma x i ma me nt e f u nç õ e s p s i c o l ó gi c a s s up e r i o r e s q u e p o s s i b i l i t e m a o s i nd i ví d uo s ut i l i z a r o p a t r i mô n i o h u ma n o - ge né r i c o e x i t o s a me nt e fa z e n d o d a s a p r o p r i a ç õ e s me d i a ç õ e s e n t r e o s s uj e i t o s e a r e a l i d a d e .

No ent anto, para que os suj eitos s e apropriem dos conhecim entos el abo rados pel a hum ani dade, os obj etos culturai s, o conhecim ent o ci entí fi co e sistemat izado at ravés do trabalho educativo , é necess ário t er -s e apropriado também da al fabet ização, pois é através do domí nio dos si gnos l inguísti cos que o sujeit o poderá regist rar e ler de forma mnem ôni ca os conhecim ent os construídos pel a hum ani dade.

A não al fabetização no iníci o dos anos es col ares int ensifica as difi cul dades post eri ores, pois, à m edi da que se am pli am os conhecim entos escol ares , as di fi cul dades aum ent am, por iss o que para o conhecim ent o e apropri ação dest e objet o cultural, há a neces sidade de ensino, refl exão, anális e e abst ração, o que não se dá de form a espont ânea (M ART INS e MARS IG LIA, 2015, p. 75).

Pode -s e afirm ar que, quando a al fabeti zação é oport uniz ada e tratada de forma inadequada , comprom et e toda a vi da es col ar do aluno. M as o que s eria o t rat am ent o inadequado na al fabetização? P ara responder à questão, um a das formas de trat am ento inadequado na alfabetização seri a a sua form a de ensi no, ou m el hor diz endo, a s ua form a de ―não ensi no‖, poi s ao faz er uso de t eori as hegem ôni cas , que defendem e reforçam a idei a de que para l er e es crever é o indivíduo quem des cobre e const rói s eu conhecim ent o, acabam por convencer um bom núm ero de adeptos de que o trabalho educat i vo não se faz necessário e que o professor pode ser um si mples medi ador, anim ador nest e processo.

Facci (2011, p. 128), a respeito das teorias do aprender a aprender , faz endo al usão à Pi aget, enfati za que:

[ . . . ] P i a ge t fa z s é r i a s c r í t i c a s à e s c o l a t r a d i c i o n a l , p o r e nt e nd e r q ue l e va o a l u no à me mo r i z a ç ã o , à r e p e t i ç ã o , à s ub mi s s ã o a o s a b e r d a p r o f e s s o r a , à he t e r o no mi a . D o s e u p o nt o d e vi s t a , u ma vi s ã o c o n s t r ut i vi s t a d a a p r e nd i z a ge m d e v e p r o p o r c i o na r a o s a l u no s mo me n t o s e m q ue e l e p o s s a r e a l i z a r s u a s p r ó p r i a s e xp e r i ê nc i a s , c o n s t r ui r o s e u c o n he c i me n t o . O a l u no d e ve s e r a t i vo no p r o c e s s o p e d a gó gi c o , e l e d e v e a p r e nd e r a a p r e nd e r .

E, ainda de acordo com a mesma autora, ―[...] se o aluno é quem constrói o s eu conhecim ento por mei o da ação, os processos educac ionai s t êm com o objet ivo respeitar e cri ar sit uações que favoreçam as ati vidades dos alunos. Impera o espontaneísmo‖ (FACCI, 2011, p. 129).

Bas eando -s e nas teori as que s e fundament am na biol ogi a, o aprender seri a al go interior aos suj eitos e haveria um a f orça mot riz que os motivaria para a construção do conhecim ent o.

Daí vem a cont ra proposta da pedagogi a hi stóri co -crí tica, afi rm ando que, para a al fabetização , é necess ári o os conteúdos para alfabetiz ar, pois est es mediarão o processo de ensino. Há que se obs ervar que se exist e cont eúdo, l ogo , há a necessi dade do ens ino.

E ainda, no ordenament o da pedagogi a histórico -críti ca, se faz necess ári a a condição de al fabetizado, o domíni o da leitura e da es crit a par a aces sar os conheci ment os cientí ficos, filos ófic os e artís ticos produzidos histori cam ente. Ao art icular a al fabetiz ação e a pedagogi a históri co -críti ca, tem -se como prim azia que est a teoria defende o aces so aos s aberes sistemat izados pel a class e trabalhadora.

Mal anchen e Santos (2014, p. 116 -117), ao cit ar Leonti ev (1978), Duart e (2006, 2013) e M artins (2013) advogam que:

A a p r o p r i a ç ã o d a he r a n ç a c ul t ur a l h u ma n a p e l a c l a s s e t r a b a l ha d o r a é ne c e s s á r i a p o r , p e l o me no s , d o i s mo t i vo s . O p r i me i r o é q ue o s t r a b a l ha d o r e s p r e c i s a m d e c o n he c i me n t o e c o nd i ç õ e s p a r a o r ga n i z a r o ut r a s o c i e d a d e , e p a r a i s s o é ne c e s s á r i o a p r o p r i a r - s e d e t ud o o q u e fo i p r o d uz i d o a t é o mo me n t o , p o i s n ã o s e c o n s t r ó i u m no vo mo d e l o s o c i a l c o m a u s ê nc i a d e c o n h e c i me nt o d o q ue j á e x i s t e . D e s t e mo d o , t o ma r p o s s e d a c ul t u r a p r o d u z i d a h i s t o r i c a m e n t e é c o nd i ç ã o i mp r e s c i nd í ve l p a r a a c o n s t r u ç ã o d o s o c i a l i s mo . D u a r t e ( 2 0 0 6 , p.610) exp lica q ue: ―tal processo possib ilitará a constituição de u ma c ul t ur a u n i ve r s a l q ue s up e r e o s l i mi t e s d a s c u l t ur a s l o c a i s ,

i n c o r p o r a nd o t o d a r i q ue z a ne l a s c o nt i d a s e e l e v a nd o e s s a r i q ue z a a um nível super ior‖. Par a Duarte (2013), essa apr opriação representa u m p r o g r e s s o e m d i r e ç ã o à h u ma n i z a ç ã o , o u s e j a , d a u ni v e r s a l i z a ç ã o e d a l i b e r d a d e d o ho me m q ue o c o r r e no c a p i t a l i s mo , p o r c o nt r a d i ç ã o , d e fo r ma l i mi t a d a e s o b o j ug o a l i e na nt e d a s o c i e d a d e b ur g ue s a . O s e g u nd o m o t i vo é o d e q ue , e m t e r mo s d e fo r ma ç ã o h u ma n a , d e a c o r d o c o m L e o n t i e v ( 1 9 7 8 ) e c o m M a r t i n s ( 2 0 1 3 ) , o s e r h u ma no s ó d e s e n vo l v e e m p l e n i t ud e s ua s f u nç õ e s e a p t i d õ e s , a o t e r a c e s s o a o q ue e xi s t e d e ma i s r i c o p r o d uz i d o e m no s s a s o c i e d a d e na fo r ma d e c u l t ur a ma t e r i a l e i n t e l e c t ua l . D e s s e mo d o , a fo r ma ç ã o d e u m s e r h u ma no o mn i l a t e r a l , e d e o u t r a s o c i e d a d e s up e r i o r a e s s a , s ó s e r á p o s s í v e l c o m a a p r o p r i a ç ã o d a r i q ue z a a c u mu l a d a e d a s gr a nd e s o b r a s p r o d u z i d a s p e l o gê n e r o h u ma no .

Nesta articul a ção, o senti do da al fabeti zação é que este objeto cult ural, produzido na cultura dos hom ens , é a chave mest ra, que possibi lit a o aces so à cultura na s oci edade l et rada.

Dest art e, s er al fabetizado é a condi ção precí pua para a aquisi çã o do acervo cult ural produzido pel o gênero hum ano, s endo es t e transmitido de geração a geração, at ravés da inst rução escol ar.

Logo, o processo de aprendizagem da leitura e da es crita exige ensi no explí cito, poi s é at ravés dest e ato que o indivíduo t em a ex peri ênci a com as regul ari dades da língua escri ta.

Nesta relação di al éti ca, professor e aluno, ens ino e aprendizagem, conteúdo e método, todos s ão part es constit uint es dest e process o, que é o trabalho educativo. Mesm o para aqueles indivíduos com al guma def iciênci a ou t ranstornos de aprendiz agem , que os comprom et am cogniti vamente, o ensi no explí cito s e faz necess ári o para a aprendiz agem, poi s estes s ão suj eitos de di reitos e com o os demais alunos necessit am de um ensi no organiz ado e pontual .

Recorremos aos escritos de S avi ani, D. (2015b, p. 291), que defende: T a mb é m a q ui é ne c e s s á r i o d o mi n a r o s me c a ni s mo s p r ó p r i o s d a l i n g ua g e m e s c r i t a . T a mb é m a q ui é p r e c i s o fi x a r c e r t o s a u t o ma t i s mo s , i nc o r p o r á - l o s , i s t o é , t o r n á -l o s p a r t e d o no s s o p r ó p r i o c o r p o , d e no s s o o r g a ni s mo , i nt e gr á - l o s e m n o s s o p r ó p r i o s e r . D o mi n a d a s a s fo r m a s b á s i c a s , a l e i t ur a e a e s c r i t a p o d e m f l u i r c o m s e g ur a nç a e d e s e n v o l t ur a . N a me d i d a e m q ue v a i s e l i b e r t a nd o d o s a s p e c t o s me c â n i c o s , o a l f a b e t i z a nd o p o d e , p r o gr e s s i va me n t e , i r c o n c e nt r a nd o c a d a ve z ma i s s ua a t e nç ã o no c o nt e úd o , i s t o é , no s i g n i fi c a d o d a q ui l o q ue é l i d o o u e s c r i t o . N o t e - s e q ue l i b e r t a r -s e , a q u i , nã o t e m o s e nt i d o d e l i vr a r -s e , q ue r d i z e r , a b a nd o na r , d e i xa r d e l a d o o s d i t o s a s p e c t o s me c â ni c o s . A l i b e r t a ç ã o s ó s e d á p o r q ue t a i s a s p e c t o s fo r a m a p r o p r i a d o s , d o mi n a d o s e i n t e r n a l i z a d o s ,

p a s s a nd o , e m c o n s e q u ê nc i a , a o p e r a r no i nt e r i o r d e no s s a p r ó p r i a e s t r ut ur a o r g â ni c a . P o d e r - s e - i a d i z e r q u e o q ue o c o r r e , ne s s e c a s o , é u ma s up e r a ç ã o no s e nt i d o d i a l é t i c o d a p a l a vr a . O s a s p e c t o s me c â n i c o s fo r a m ne g a d o s p o r i nc o r p o r a ç ã o e n ã o p o r e xc l us ã o . F o r a m s up e r a d o s p o r q u e ne g a d o s e nq u a nt o e l e me nt o s e xt e r no s e a f i r ma d o s c o mo e l e me n t o s i n t e r no s .

O que para as teori as hegem ôni cas é vi s to com o um a imposi ção aut orit ári a, um equí voco, para a pedagogi a hi s tórico-críti ca é vi sto como necess ári o. E o que é necessári o? Os procedim entos de ensino, para que ocorra a aprendizage m.

Nas pedagogi as do ―aprender a aprender‖ , as teori as da es col a nova, o ensino é quase que um ato impróprio, é ent endido como al go mecânico, principal ment e quando s ão oport uniz adas ao aluno atividades para que com preendam a rel ação fonem a -grafema e vice -vers a, poi s , no ent endim ento dest a teori a, esse ensino ocorreria de forma m ecani cist a, interferindo na cri ati vidade do indiví duo.

Ainda em defes a desta t eori a, Mauri (1998, p. 88) ent ende que:

A a p r e nd i z a ge m, e n t e nd i d a c o mo c o n s t r uç ã o d e c o n h e c i me nt o , p r e s s up õ e e nt e nd e r t a n t o s ua d i me n s ã o c o mo p r o d u t o q ua n t o s ua d i me n s ã o c o mo p r o c e s s o , i s t o é , o c a mi n h o p e l o q ua l o s a l u no s e l a b o r a m p e s s o a l me n t e o s c o n he c i me n t o s . Ao a p r e nd e r , o q u e mud a nã o é a p e n a s a q ua n t i d a d e d e i n fo r ma ç ã o q ue o a l u no p o s s u i s o b r e d e t e r mi n a d o t e ma , ma s t a mb é m a s ua c o mp e t ê n c i a ( a q u i l o q ue é c a p a z d e f a z e r , d e p e n s a r , c o mp r e e nd e r ) , a q u a l i d a d e d o c o n h e c i me nt o q ue p o s s u i e a s p o s s i b i l i d a d e s p e s s o a i s d e c o n t i n ua r a p r e nd e nd o . D e s s a p e r s p e c t i va , é ó b v i a a i mp o r t â nc i a d e e n s i na r o a l u no a a p r e nd e r a a p r e nd e r [ . . . ] o e n s i no é e n t e nd i d o c o mo u m c o nj u nt o d e a j ud a s a o a l u no e à a l u na no p r o c e s s o p e s s o a l d e c o n s t r uç ã o d o c o n he c i me n t o e na e l a b o r a ç ã o d o p r ó p r i o d e s e n vo l vi me nt o .

Para a pedagogi a históri co -críti ca, no iníci o do process o de ensi no é necess ário a apropri ação de det erminados el em ent os para que post eriorment e o indivíduo poss a int ernaliz ar. À m edida que o aluno vai intern aliz ando os el ement os necessários para ler e es crever, outros el em entos vão surgi ndo e s altos qualit ativos são percebidos na sua aprendizagem.

Pode -s e dizer que esse m ovim ent o t em um sentido di al éti co , pois prim ei ramente há a necessi dade da apreensão para a apropri ação do conhecim ento, post eriorm ent e nega -se a frequência das ações par a dom inar o

que foi aprendido70. Ao dominar o objet o, não há a neces sidade da mecanização, ou s ej a, a repet ição das ações, pois o obj eto a s er com preendi do foi int ernalizado (SA VIAN I, D., 2015b).

Ainda referenciando Savi ani , D. (2013c, p. 257):

P a r a s e a p r e nd e r é p r e c i s o mu i t o t e mp o e e x e r c í c i o . P e l o fa t o d e s e r u m c o r p o , o ho me m é c a p a z d e s ub me t e r - s e a d i v e r s a s e xp e r i ê n c i a s q ue o d e i x a m à vo n t a d e n u m d e t e r mi n a d o d o mí n i o . P o r e xe mp l o , p a r a s e a p r e nd e r a d i r i gi r a u t o mó ve l , r e p e t e - s e c o n s t a n t e me n t e o me s mo a t o a t é s e fa m i l i a r i z a r c o m e l e ; e nt ã o , ve r i f i c a - s e u ma a p r e nd i z a ge m. D e p o i s j á n ã o há ma i s a ne c e s s i d a d e d a r e p e t i ç ã o c o n s t a nt e ; d e q ua nd o e m q u a nd o , p r a t i c a - s e a q ue l e a t o c o m a me s ma d e s e n vo l t ur a , c o m a me s ma fa c i l i d a d e : a q ue l e a t o j á f a z p a r t e d o c o nt e xt o c ul t ur a l ; e l e é f a mi l i a r .

Ao profess or, que é crucial nest e process o, faz em -se neces sários os conhecim ent os pertinent es para sua efetiva parti cipação, pois , para Savi ani , D. (2015b, p. 292): P a r a q u e e l e s e c o n v e r t a n u m b o m a l fa b e t i z a d o r s e r á ne c e s s á r i o a l i a r , a o d o mí n i o d a l í n g u a , o d o mí n i o d o p r o c e s s o p e d a gó g i c o i nd i s p e n s á v e l p a r a s e p a s s a r d a c o nd i ç ã o d e a n a l fa b e t o à c o nd i ç ã o d e a l fa b e t i z a d o . C o m e fe i t o , s e nd o u m p r o c e s s o d e l i b e r a d o e s i s t e má t i c o , e l e d e ve r á s e r o r g a ni z a d o . O c ur r í c u l o d e v e r á t r a d u z i r e s s a o r ga n i z a ç ã o d i s p o nd o o t e mp o , o s a ge nt e s e o s i n s t r u me nt o s ne c e s s á r i o s p a r a q ue o s e s f o r ç o s d o a l f a b e t i z a n d o s e j a m c o r o a d o s c o m ê xi t o .

São necess ários os conhecim entos pertinent es à at uação do profess or, pois será de acordo com ess a organiz ação do cont eúdo, do espaço, do tem po, dos recursos que o processo obt erá êxito, na ass ert iva que para dominar as t écni cas para s er alfabetiz ado há a necessidade de instrução di r et a, mostrando ao al uno as form as de uso deste obj eto cult ural , como também que ,

70 E m r e l a ç ã o à a p r e e ns ã o S a v i a ni ( 2 0 1 5 b , p . 2 9 1 - 2 9 2 ) e s c l a r e c e q ue : ―[ . . . ] q ua nd o s e

a d q u i r e u m h a b i t u s , i s t o é , u ma d i s p o s i ç ã o p e r m a n e nt e , o u, d i t o d e o ut r a fo r ma , q ua nd o o o b j e t o d e a p r e nd i z a ge m s e c o n ve r t e n u ma e s p é c i e d e s e g u nd a na t ur e z a . E i s s o e xi g e t e mp o e esforço s por vezes ingentes. A expr essão ―segund a natureza‖ me parece sugestiva j us t a me n t e p o r q ue nó s , q ue s a b e mo s l e r e e s c r e ve r , t e nd e mo s c o n s i d e r a r e s s e s a t o s c o mo na t ur a i s . N ó s o s p r a t i c a mo s c o m t a ma n h a n a t ur a l i d a d e q ue s e q u e r c o n s e g u i mo s no s i ma gi n a r d e s p r o v i d o s d e s s a s c a r a c t e r í s t i c a s . T e mo s me s mo d i f i c u l d a d e e m no s r e c o r d a r d o p e r í o d o e m q ue é r a mo s a n a l f a b e t o s . A s c o i s a s s e p a s s a m c o mo s e t r a t a s s e d e u ma ha b i l i d a d e n a t ur a l e e s p o n t â ne a . E no e nt a nt o t r a t a -s e d e u ma ha b i l i d a d e a d q ui r i d a e , fr i s e - s e , n ã o d e mo d o e s p o n t â n e o . [ . . . ] c o m p l e t a d o o p r o c e s s o , a d q ui r i d o o h a b i t u s , a t i n g i d a a s e g u nd a n a t u r e z a , a i n t e r r up ç ã o d a a t i vi d a d e , a i nd a q ue p o r l o n go t e mp o , nã o acarreta a rever são‖.

ao dominar est es cont eúdos, o pensam ent o, a fal a pass am a s er es crit os simboli cam ent e.

Martins e M arsi gli a (2015, p. 79) afi rm am que:

E c o mp l e me nt a , d e s t a c a nd o a i mp o r t â nc i a d o e n s i no e xp l í c i t o d o c ó d i go a l f a b é t i c o t e nd o e m v i s t a a c o mp l e x a t o ma d a d e c o n s c i ê nc i a d o s fo n e ma s , r e q ue r i d a a o s a va nç o s e m d i r e ç ã o à e t a p a o r t o gr á fi c a . I s s o d e c o r r e d o fa t o d e q ue me s mo a d u l t o s , s e nã o fo r e m a l fa b e t i z a d o s , n ã o d e p r e e nd e m e s p o n t a n e a me n t e o s fo ne ma s n a s p a l a vr a s . E s p e r a r q u e a c r i a n ç a c o nq ui s t e p o r s i me s ma a c o n s c i ê n c i a f o no l ó gi c a r e p r e s e nt a nã o a p e na s u m p é s s i mo i n v e s t i me n t o d o s e u t e mp o , ma s , s o b r e t u d o , a i mp o s i ç ã o d e ma i s o b s t á c ul o s , p a r a a l go q u e j á n ã o é f á c i l ; a p r e nd e r a l e r e e s c r e ve r .

Ao negar aos indivíduos o di rei to aos cont eúdos para a aprendiz agem da l eit ura e da escrit a, é negar a est es a própri a hum aniz ação. O acess o à alfabetiz ação t ambém é um ato de hum anizar, pois, a parti r do momento em que o indi víduo pass a a ter aces so aos bens cientí ficos e cult urais que a humani dade produziu, est e pass a a s er humanizado pela cult ura dos hom ens . E, port anto, os i ndivíduos com al guma defi ci ênci a e/ou transt orno de aprendizagem entre out ras situações, que acabam por enfrent ar barrei ras de acesso ao ensino e , por consequênci a à aprendizagem t ambém são favorecidos pel o ensi no explí cito para a al fabetização.

Quando s e oportuniz a aos alunos com defici ênci a e/ou t rans tornos de aprendizagem o acesso ao ensino diret o e express ivo, est es se ben efi ciam, pois s egundo V ygost ki71 (s /d, apud Barroco, 2011, p. 189), ―[...] o col etivo ou a col etivi dade s ão fundament ais para a constit uição dess e homem cultural bus cado, e que a defici ênci a, com o fat o biológi co, não s eri a neces sari am ent e limitant e ao des en volvim ent o, mas o seriam, sim, as condi ções sócio - históricas‖.

Neste cas o, Diniz (2012, p. 10) defende que:

D e fi c i ê nc i a é u m c o nc e i t o c o mp l e xo q ue r e c o n he c e o c o r p o c o m l e s ã o , ma s q u e t a mb é m d e n u n c i a a e s t r u t ur a s o c i a l q ue o p r i me a p e s s o a d e fi c i e nt e . A s s i m c o mo o u t r a s fo r ma s d e o p r e s s ã o p e l o c o r p o , c o mo o s e x i s mo o u o r a c i s mo , o s e s t ud o s s o b r e d e f i c i ê nc i a d e s c o r t i n a r a m u ma d a s i d e o l o g i a s ma i s o p r e s s o r a s d e no s s a vi d a s o c i a l : a q ue h u mi l h a e s e gr e ga o c o r p o d e f i c i e n t e .

71 Ao mencionar Vygotski, a autora não especificou a obra, por este motivo a referência não se encontra na nota

E ainda, ―[...] o tema deficiênci a não deveria ser matéria exclus iva dos s aberes biom édi cos , mas principalm ent e de ações políti cas e de intervenção do Estado‖. (DINIZ, 2012, p. 19)

O que limi ta a aprendizagem e , por fim , o des envolvim ento dos sujeitos não é a condição biológi ca, m as s im a s condições sóci o -hi stóri cas, a que est es est ão expostos.

Pens ando na função soci al da escol a, a es ta cabe, de acordo com a pedagogi a históri co -críti ca, o papel de di vul gar e t ornar aces sível aos indiví duos o conhecimento sist em atiz ado através do currí culo es colar, prom ovendo o s aber es col ar.

E, para que t al ati vidade acont eça de form a cada vez mais qualitativa, o i ndi ví duo carece ser al fabetizado. É no espaço es colar que s erá organiz ado o t empo, a form a, o que será pertinent e para o moment o, o que os indiví duos necessit am para apropri ar -se des se s aber.

Assim , de acordo com Saviani, N. (2018, p. 60):

[ . . . ] a va l o r i z a ç ã o d o s c o nt e úd o s e s c o l a r e s p r e s s up õ e o a p r i mo r a me nt o d a p r á t i c a p e d a gó gi c a , o u s e j a , o d o mí n i o d o s c o n h e c i me nt o s e d o s mé t o d o s a d e q ua d o s p a r a ga r a nt i r s u a t r a n s mi s s ã o - a s s i mi l a ç ã o , p a s s a nd o p e l a c r i t e r i o s a o r ga ni z a ç ã o d o c ur r í c u l o ( s e l e ç ã o , s e q ue n c i a ç ã o e d o s a ge m d o s c o n h e c i me nt o s e ha b i l i d a d e s d e c a d a d i s c i p l i n a ) .

Dess a forma , para es ta aut ora, ao organizar o t rabalh o educati vo, faz -se necess ário el encar el em ent os que condiz em com o ensino adequado, at endendo as es peci ficidades do que será ensi nado e para quem será ensinado . Logo, para que o al uno s e aproprie dos conhecimentos ci entí ficos , artís ticos e filos óficos, é imprescindível a organizaç ão do conteúdo, da forma para o dest inatári o.

Para haver o sucesso na al fabetização, es sa deve ser realiz ada de forma i ntencional, m obilizando os recursos necess ários . Savi ani , D. (2013, p. 13): advoga que ―[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intenci onalm ent e, em cada i ndivíduo si ngul ar, a hum anidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens‖. Isto comprova que , independent e do que é ensi nado no espaço escol ar, sempre há um a

intenci onalidade, ist o tant o para a alfabetização quanto para os demai s conteúdos es col ares .

Ao priorizar a al fabetização como conteúdo escol ar, est e objeto cult ural não s e trat a de qualquer cont eúdo, pois a s ua apropri ação traz mudanças si gni fi cat ivas no desenvol viment o dos indiví duos , al é m de modi ficar o lugar e o papel s oci al dess es sujeitos no s eio das rel ações s oci ais .

Contudo, ret om ando o que é es senci al para a hum anização dos sujeitos , a s aber, o trabal ho educativo para que o al uno aprenda, pois, de acordo com a pedagogi a hist óri co -críti ca, Savi ani , D. (2013c, p. 250) ass evera que: [ . . . ] o ho me m, nã o n a s c e ho me m. E l e n e c e s s i t a a p r e nd e r a s e r ho me m, p r e c i s a a p r e n d e r a p r o d u z i r s ua p r ó p r i a e x i s t ê nc i a . P o r t a nt o , a p r o d uç ã o d o ho me m é , a o me s mo t e mp o , a fo r ma ç ã o d o ho me m, i s t o é , u m p r o c e s s o e d uc a t i vo . A o r i ge m d a e d uc a ç ã o c o i nc i d e , e nt ã o , c o m a o r i ge m d o ho me m me s mo .

Daí a necessi dade de selecionar os cont eúdos es colares de acordo com os conhecim entos si st ematizados el aborados culturalm ent e e não qualquer conhecim ento, s endo a alfabet ização um dess es objet os culturais , cri ada e elaborada na cultura dos hom ens , para a s ua apropri ação se faz necess ári o conteúdos es pecí fi cos e int enci onais para atingi -l a.

Assim s endo, S avi ani, D. (2013c, p. 278) pa s sa a defender a práti ca s ocial com o ess enci al, pois ao aprender, os alunos, t êm condições de com preender a realidade em que est ão envolvi dos . Const at a -s e que, quando o aluno aprende, el e s e apropri a daquele conhecim ento que foi oport uniz ado , por m eio do trabalho educativo, passando o seu conheci mento de si ncréti co para o sint éti co.

Pode -s e diz er, que para al cançar qualit ativam ent e est a condição (conhecim ent o si ntético), s e faz neces sário a al fabetização que tornará possí vel acess ar os conhecim entos s ist em atizados para a com preens ão da reali dade.

Em s eus estudos , Martins (2013b) defende a t ese de que a psicologia his tórico -cultural é o fundam ento psi cológi c o da pedagogi a históri co -críti ca. Como Luria é um dos fundadores da psicologi a his tórico - cult ural, sob li derança de Vi gotski , o desenvolvim ent o da es cri ta segundo

Luria é fundamento do processo de ensino e aprendizagem da alfabetiz ação na pedagogi a históri co -crí tica72.

No próximo it em, s erá descrito com o Luria descreveu o process o de aquisi ção da l eitura e da es crita pel a criança.

2.3. 1 O d es env olvi mento da escri ta d e acordo com Lu ri a

A a l f a b e t i z a ç ã o é , p o r t a nt o , a p e d r a d e t o q ue d e t o d o o s i s t e ma d e e n s i no . S e u t r a t a me n t o i n a d e q ua d o d e t e r mi na r á ne ga t i v a me n t e t o d a a t r a j e t ó r i a e s c o l a r .

S a v i a ni , D . ( 2 0 1 5 , s / p ) .

Nas s ábi as pal avras de S avi ani , D. (2015), é not ório que o processo de apropri ação da l eit ura e da escrit a é prim ordial para que os indiví duos poss am aces sar os conheci ment os el aborados pel a humanidade, sendo est es os conhecim entos ci entí fi cos em s uas di vers as áreas. No ent anto, para que os indiví duos se apropriem des tes obj et os é neces s ári o o ens ino, e não é qual quer ensino; est e deve ser sist ematiz ado, pontual e obj etivo.

Ainda fundam ent ando -s e em S aviani , D. (2015, s/ p):

Pois bem. A linguagem escrita, por não ser esp ontânea e ―natu r al‖ c o mo a l i n g u a ge m o r a l , ma s f o r ma l e c o d i f i c a d a , r e q ue r , p a r a a s ua a s s i mi l a ç ã o , p r o c e s s o s t a mb é m fo r ma i s , s i s t e má t i c o s e c o d i fi c a d o s . N ã o p o d e , p o r t a nt o , s e r a p r e nd i d a p o r u m p r o c e s s o e d uc a t i vo e s p o n t â ne o e a s s i s t e m á t i c o . R e q ue r , p a r a s e r i n s t i t u í d a , u ma e d u c a ç ã o e s p e c í fi c a , f o r ma l me n t e c o ns t r u í d a . E a i n s t i t u i ç ã o e s c o l a r v e i o p a r a c u mp r i r e s s a e xi g ê nc i a . E n t e nd e mo s , e nt ã o , p o r q ue a s o c i e d a d e mo d e r n a e c o nt e mp o r â ne a , a o t e r i nc o r p o r a d o e m s ua p r ó p r i a e s t r ut u r a o r g a ni z a c i o na l a l i n g ua g e m e s c r i t a , a c u l t ur a l e t r a d a , c o n v e r t e u a e s c o l a n a fo r m a p r i nc i p a l e d o mi n a n t e d e e d u c a ç ã o . E a p o r t a d e e n t r a d a no u ni v e r s o d a c ul t ur a l e t r a d a é a a l fa b e t i z a ç ã o me d i a n t e a q ua l s e a l c a n ç a o d o mí n i o d a l i n g ua g e m e s c r i t a , c uj o d e s e n vo l vi me nt o é a r a z ã o d e s e r d a e d u c a ç ã o e s c o l a r e m t o d o s o s s e u s ní ve i s e mo d a l i d a d e s .

Ao oportuniz ar o ensino da l íngua es cri ta aos indi víduos, a escol a, através da cult ura let rada e dest a const rução his tóri ca (que é a 72 A i nd a s o b r e a t e má t i c a d a p s i c o l o g i a h i s t ó r i c o - c u l t ur a l c o mo f u nd a me n t o d a p s i c o l ó g i c o d a p e d a go gi a hi s t ó r i c o - c r í t i c a l e r : M A R T I N S , L í gi a M a r t i ns . O s f u nd a m e n t o s p s i c o l ó gi c o s d a p e d a go g i a hi s t ó r i c o -c r í t i c a e o s f u nd a me n t o s p e d a gó g i c o s d a p s i c o l o gi a hi s t ó r i c o - c u l t ur a l . G e r mi n a l : M a r xi s mo e E d uc a ç ã o e m D e b a t e , S a l va d o r , v. 5 , n. 2 , p . 1 3 0 -1 4 3 , d e z . 2 0 1 3 a . D i s p o ní v e l e m: < h t t p s : / / p o r t a l s e e r . u fb a . b r / i nd e x . p hp / r e v i s t a ge r mi n a l / a r t i c l e / vi e w/ 9 7 0 5 > . A c e s s o e m: 1 5 / 0 3 / 2 0 1 9 .

escri ta), pass a tam bém a dar acesso ao ensi no si stemat izado dos conteúdos ci entí fi cos .

No entanto, m esm o ant es de chegar em à escola , os al unos trazem conhecim entos sobre a cult ura l etrada, quando est a pass a a faz er uso do lápi s