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JM E…e o pedal, o que que acha nos dois compositores? Pode ser empregue da mesma forma?

II Parte Prática interpretativa

4. JM E…e o pedal, o que que acha nos dois compositores? Pode ser empregue da mesma forma?

PB - Sim…Não, não havia, não é?!. No tempo do Bach o piano não existia, não é?! Ou começa a

existir, aparece ali no fim da sua vida. Ele parece que ainda teve contacto com um ou outro, mas não terá sido muito do seu agrado o instrumento, porque achava que…imagino… (…) Também ainda eram os primórdios, o cravo já era um instrumento muito desenvolvido do ponto de vista técnico e o piano estava a nascer, portanto imagino que fosse ainda um instrumento muito rudimentar de alguma forma e isso… não lhe tivesse agradado, mas…o pedal como elemento expressivo…elemento expressivo, no sentido que o pedal altera o timbre, o pedal… é um meio de expressividade, que eu acho que não se aplica àquela música, portanto a minha, a minha…a minha postura com Bach é que pedal é uma excepção. O pedal serve para um caso ou outro em que não seja possível fisicamente ligar…mas… não…a mim não me acrescenta nada em Bach, ou seja, até pelo contrário, às vezes, me…me perturba um bocadinho…é-me um bocadinho o equivalente ao excesso de vibrato nas cordas, digamos, também não gosto muito do Bach com muito vibrato e muito… gordo. Gosto mais com um som mais…mais puro, mais…e isso eu comparo, digamos o

vibrato, a utilização do vibrato nas cordas ao pedal no piano.

JM - …mas a Nikolaeva, ela utilizava…

PB - …utilizava, mas…. Sim, era outra abordagem, lá está, muito diferente. Era dizer: ‘Eu tenho um

piano, agora, ele não tinha. Ainda bem que eu tenho, portanto, este instrumento tem mais recursos. Vou usá-los’… mas como fazia aquilo tão bem, com tanta coerência… eu posso gostar ou não gostar, mas isso é secundário, não é?! Era muito bem feito. Mas a minha posição individual em Bach, é…pedal é a excepção e aos meus alunos também digo sempre: sem… se conseguires tocar sem, é o ideal. Ainda há pouco tempo assisti a…ao András Schiff a fazer as Variações Goldberg na Casa da Música e a um Haendel, e ele até fez uma coisa engraçada do ponto de vista de… que evidenciava a sua atitude perante essa questão. Ele sentou-se ao piano e pôs os pés assim, longe do pedal, levantou os dois pés, como no carro, não é?! Pôs os pés no chão, não tem nada para carregar e tocou as Variações Goldberg todas sem mexer os pés dali, não é?! E, certamente, se eu fechasse os olhos, eu até diria, ele está a usar pedal, porque era de tal maneira perfeita a condução do legato, por exemplo, que me parecia impossível ser feito sem pedal, portanto, se eu não tivesse a ver, eu diria ele está a pôr pedal, mais não seja, um bocadinho aqui, um bocadinho acolá, mas não estava ali…Portanto é possível ter…ter tudo que é preciso sem pedal, em Bach.

JM - E…eu estava aqui a pensar em…encontrar planos sonoros, fazer diferentes planos sonoros.

Imitar o cravo, não é?!

PB - Sim. Isto estamos a falar no pedal de sustentação, no direito, não é?! Eu uso muito pouco. (…)

… o outro, a surdina uso até com essa, com essa…com essa, com esse objectivo, ou seja, nós, ao pormos a surdina, aquilo tudo anda para o lado, não é?! E o som é diferente, em vez de bater em três cordas, bate em duas, portanto é um som mais, mais rarefeito… hum, e utilizo muito o pedal

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esquerdo como … como … como no cravo se utiliza o mudar o… os registos e passar de um registo mais aberto para um mais fechado. Isso utilizo muita vez.

JM - E …e em Chopin também?

PB - Em Chopin também…em Chopin também! Se bem que se uso mais a surdina nessa música

mais como controle dinâmico, propriamente, do que como controle de timbre. Ou, pelo menos ainda não desenvolvi o pedal esquerdo para essa música, para essa função. Geralmente uso o pedal esquerdo em Chopin para fazer mais piano, ou seja, para aquilo que, que ele…para a sua função primeira. Mas, portanto é mentira que não uso o pedal, não uso o pedal de sustentação, uso o pedal…uso a surdina em Bach, e muitas vezes.

5. JM - Hum…e no que respeita à ornamentação, aos arpejos, etc, etc…Há sempre esta polémica da ornamentação, se deve ser feita a tempo…

PB - …aliás, que, que…não existe…não existe um manual que diz que é assim e não… deve ser

assim ou deve ser assado. Há uma, há uma…há uma tradição histórica de interpretação, hum, que construiu procedimentos ou maneiras mais, mais correctas ou historicamente mais informadas sobre como fazer os ornamentos. Mas no meu entender e parece-me que era assim na altura, muita da ornamentação era feita pelo executante na altura, não é?! Muitas vezes até nem estava escrita na partitura e era o próprio executante e aí era…foi uma vantagem que se perdeu quando, quando se separou, separou o compositor do intérprete, não é?! Até na altura do Bach, quem tocava compunha e quem compunha tocava, não é?! Eu acho que…não, não, não fazia muito sentido que alguém fizesse uma carreira só de intérprete e não fosse compositor, não é?! As duas coisas estavam intimamente ligadas. A partir do final do século XVIII, depois no século XIX, as linhas separam-se, passa a haver intérpretes e compositores, não é?! E quem toca são intérpretes e quem compõe são compositores e essa divisão teve vantagens, porque deu azo a que se desenvolvesse bastante a…a…o…a mestria do domínio do instrumento, não é?! desenvolveu-se muitíssimo… Mas, por outro lado, perdeu-se essa estreita relação…hum… até hoje, até aos dias de hoje, eu acho que no ensino isso também se fez de alguma forma…e ainda veio acentuar isso…que é…ou se ensina composição ou se ensina a tocar o instrumento, ou se ensina improvisação. E isto eram coisas que no Barroco, a improvisação inclusive, estavam intimamente ligadas…

JM - …portanto…

PB - …portanto muito da ornamentação era até muitas vezes a assinatura do próprio…do próprio

quando tocava. Hum, eu tenho, por exemplo, em casa um manual de ornamentação barroca, que é assim, um calhamaço deste tamanho, cheio de excepções, porque depois havia… o Barroco alemão era feito de uma forma, o italiano era doutra, o Inglês doutra, o Francês…cada um tinha as suas… componentes, portanto, há sempre dúvidas na ornamentação e eu tenho sempre dúvidas e…e mudo, até numa mesma obra que toco duas vezes…ou até dentro da mesma obra quando faço uma repetição, por exemplo, faço ornamentos diferentes da primeira e da segunda vez, portanto, deixo isso muito ao meu critério individual, na lógica que o ornamento é um ornamento e não é…não é o

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principal e, portanto, não deve destruir o principal, não vá o ornamento às tantas se sobrepor àquilo que é…a…a condução da…da linha essencial.

JM - Sim, na ideia até mais de Bach, não é?! Nos românticos, às vezes, a ornamentação é bastante

mais exacta…

PB - Sim, é verdade! JM - …até está escrita.

PB - Exacto, sim é verdade nos românticos a ornamentação faz parte…é tão importante como o

resto, não é?! E o Chopin é muito ornamentado sempre, não é?! É interessante é uma música muito cheia de ornamentos, não é?! Se calhar também influência de Bach, não é?! Ele vai lá buscá-los e dá-lhes a volta.