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Empresários e órgãos regulamentadores da profissão de Engenharia têm apontado para a necessidade de melhor formação do engenheiro, que no mundo do trabalho atual requer o desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico para o adequado desempenho da função (AHERN et al., 2012). Nos currículos de Engenharia, de acordo com Dwek, Coutinho e Matheus (2011), o privilégio sobre o aprendizado de soluções técnicas aplicadas ao campo da Engenharia se sobressai à preocupação em despertar nos estudantes a capacidade de pensamento crítico, necessária para problematizar as situações complexas da realidade. Este fato pode ser encontrado por meio da análise dos próprios currículos, que possuem menos de 10% das disciplinas voltadas para aspectos sociais, econômicos ou políticos, ligados à prática da Engenharia (FRAGA, 2007, DWEK, 2008 apud DWEK; COUTINHO; MATHEUS, 2011). No entanto, segundo Ceylan e Lee (2003, p. 42, tradução nossa) as habilidades de pensamento crítico “[...] são especialmente importantes para Educação em Engenharia e para os engenheiros na resolução de problemas, e na elaboração de produtos, sistemas ou processos”. Para Özyurt (2015) “engenheiros modernos devem ser equipados com vários tipos de conhecimentos e competências para gerenciar as ambiguidades e adaptar os seus conhecimentos às novas situações” (p. 354, tradução nossa).

Apesar da relevância para a Engenharia, o pensamento crítico não é citado de forma explícita como objetivo de formação do engenheiro em alguns documentos de

instituições relevantes na área. A ABET12 (Accreditation Board for Engineering and

Technology), organização não governamental sem fins lucrativos que credencia os programas

dos cursos de Engenharia em diversos países, estabelece algumas características que devem ser apresentadas pelos engenheiros, características estas que indicam elementos do pensamento crítico, apesar de não o expor explicitamente. Dentre todas as características descritas, Mejía e Zarama (2004) identificam as que possuem relação com o pensamento crítico:

Habilidade para identificar, formular, e resolver problemas de Engenharia; uma educação ampla para entender o impacto das soluções de Engenharia no contexto social e global; um conhecimento de assuntos contemporâneos; entendimento da responsabilidade ética profissional; e reconhecimento da necessidade de, e habilidade de envolver-se na aprendizagem por meio da vida (MEJÍA; ZARAMA, 2004, p. 95, tradução nossa).

A NAE (National Academy of Engineering), instituição privada, independente, sem fins lucrativos estabelecida nos Estados Unidos, também sugere características ligadas ao pensamento crítico, identificadas por Bumbaco e Douglas (2014), como "forte capacidade analítica, criatividade, engenhosidade, profissionalismo e liderança” (NAE, 2004, 2005 apud BUMBACO; DOUGLAS, 2014, p. 2, tradução nossa).

Assim também ocorre no Brasil em relação à Resolução nº11 CNE/CES de 11 de março de 2002, que estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Engenharia, como já explicitada anteriormente neste trabalho. Apesar de não fazer referência direta ao pensamento crítico, características ligadas a esse constructo podem ser identificadas nas competências e habilidades gerais requeridas ao profissional de Engenharia:

II – projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados; III – conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; V – identificar, formular e resolver problemas de engenharia; VII – avaliar criticamente a operação e a manutenção de sistemas; XI – avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental; XII – avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia; XIII – assumir a postura de permanente busca de atualização profissional (BRASIL, 2002, p. 1).

As características ligadas ao pensamento crítico identificadas nos documentos que regulamentam a formação e profissão do engenheiro fornecem indícios de uma preocupação, mesmo não explícita, com o desenvolvimento desta competência nos estudantes de Engenharia.

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Na prova do ENADE, por exemplo, além dos conhecimentos de conteúdo técnico (geral e específico de cada engenharia) os estudantes devem preencher um questionário que avalia seu perfil socioeconômico e obtém dados sobre seu processo de formação. Neste questionário a assertiva de número 34 solicita ao estudante que indique seu grau de concordância, em uma escala que varia de 1 (discordância total) a 6 (concordância total), quanto a seguinte questão: “O curso promoveu o desenvolvimento da sua capacidade de pensar criticamente, analisar e refletir sobre soluções para problemas da sociedade”. Por meio dessa pergunta fica clara a preocupação dos órgãos de educação em desenvolver esta competência nos estudantes universitários. Além desta, outra questão (29) também faz referência ao pensamento crítico: “As metodologias de ensino utilizadas no curso desafiaram você a aprofundar conhecimentos e desenvolver competências reflexivas e críticas”.

No ENADE 2014, último disponibilizado para análise no qual participaram estudantes de diversas áreas da Engenharia, os resultados para a questão 34 apontaram alto índice de concordância, ou seja, os estudantes de engenharia acreditam que o curso promoveu o desenvolvimento da sua capacidade de pensar criticamente. Considerando o conjunto de cursos de Engenharia avaliados, as respostas dos estudantes se distribuíram como segue: discordo totalmente (1,40%); discordo (2,60%); discordo parcialmente (5,45%); concordo parcialmente (13,98%); concordo (28,70%), concordo totalmente (47,87%) (INEP, 2016). Estes dados sugerem que, de acordo com a percepção do estudante, os cursos de Engenharia estão atingindo seus objetivos de formação no que se refere ao pensamento crítico.

Esta preocupação com o desenvolvimento do pensamento crítico, refletida por meio da prova do Enade, têm levado pesquisadores a aprofundar o conhecimento acerca do constructo e estratégias de ensino, na tentativa de promoção do pensamento crítico dos estudantes de Engenharia.

No estudo de Ahern et al. (2012), por exemplo, os autores entrevistaram professores de diversas áreas, inclusive da Engenharia, para examinarem como tais professores definiam o pensamento crítico e quais estratégias de ensino eram utilizadas. Os resultados mostraram que a definição de pensamento crítico apresentada pelos professores foi semelhante entre as áreas (humanas x técnicas), no entanto para as áreas não técnicas (humanas) havia maior clareza sobre o conceito, em detrimento das áreas técnicas e de Engenharia. Para os autores, a falta de entendimento dos professores sobre as questões envolvidas no pensamento crítico se mostra como um possível obstáculo para os alunos adquirirem uma conceituação adequada sobre o assunto. Ainda de acordo com os autores, para os estudantes da área técnica o pensamento crítico geralmente não é ensinado de forma

explícita, diferentemente do que acontece com estudantes da área de humanas, na qual eram orientados a como se tornarem pensadores críticos e o que era esperado deles.

A concepção do constructo também foi avaliada por outros autores tendo como fonte de dados os estudantes de Engenharia (BRAMHALL et al., 2012; BUMBACO; DOUGLAS, 2014; DOUGLAS, 2012). Como resultado percebeu-se que os estudantes de Engenharia encontraram dificuldades em definir o pensamento crítico, e que, apesar de mencionarem algumas características relacionadas ao constructo como análise, avaliação, organização, curiosidade, mente aberta, entre outras, alguns componentes não foram identificados pelos estudantes.

No estudo de Bumbaco e Douglas (2014), no qual foram feitas entrevistas com os estudantes de Engenharia, estes identificaram a necessidade de disposição de pensamento crítico, inclusive dos professores, pois acreditam que os professores têm dificuldades no ensino do pensamento crítico. Para se tornarem pensadores críticos de fato, não basta que os engenheiros desenvolvam habilidades de pensamento crítico, como saber analisar, interpretar, avaliar e inferir. É indispensável que tenham disposição para pensar criticamente. Segundo Ceylan e Lee (2003), “o ingrediente mais importante no pensamento crítico parece ser o conjunto de atitudes tais como a disposição intelectual, o senso de responsabilidade para aprender e o uso mais efetivo de ferramentas analíticas, e a dedicação aos princípios do pensamento crítico”.

Os autores concluem que é necessário maior envolvimento do corpo docente para inserção do pensamento crítico no currículo: “[...] conectar o pensamento crítico mais explicitamente a conceitos de Engenharia pode ajudar futuros alunos a compreenderem melhor o significado do pensamento crítico e aprendê-lo de forma mais eficaz” (BUMBACO; DOUGLAS, 2014, p. 8, tradução nossa).

Avanços na tecnologia e conhecimentos científicos parecem levar a uma excessiva quantidade de conteúdos a serem ministrados, o que desencoraja os professores a incorporarem estratégias ativas de aprendizagem, estratégias estas que auxiliam na promoção do pensamento crítico. Tentativas de incorporar o pensamento crítico nos currículos da Engenharia têm sido feitas por parte de pesquisadores e professores. De acordo com Hicks, Bumbaco e Douglas (2014), tais ações ocorrem pela oferta de cursos autônomos sobre pensamento crítico; ênfase na aprendizagem baseada em projetos ou em problemas; e infusão de trabalhos de escrita no curso.

Em sua tese de doutorado, Agdas (2013) investigou os efeitos do método de ensino de aprendizagem baseada em problemas (PBL – Problem Based Learning) sobre as

habilidades e disposições de pensamento crítico em engenheiros. A pesquisa ainda analisou a correlação entre os estilos de aprendizagem dos alunos e a disposição de pensamento crítico. Para isso, a pesquisadora submeteu um grupo (experimental) a um procedimento com uso de PBL e outro grupo (controle) no qual não houve intervenção, ou seja, ocorreu aprendizagem tradicional. A pesquisadora avaliou os dois grupos antes e após o período de intervenção utilizando os instrumentos CCTST e CCTDI (pensamento crítico), e Felder and Soloman’s

Index (estilo de aprendizagem).

Os resultados apontaram que não houve diferença significativa no pré e pós-teste, tanto para as habilidades quanto para as disposições de pensamento crítico, assim como em relação ao método de ensino, em ambos os grupos (experimental e controle), ou seja, não foi observada melhora nas habilidades e disposições de pensamento crítico em relação ao método de ensino adotado, no caso, PBL. Quanto ao estilo de aprendizagem, a pesquisadora identificou que aprendizes ativos (estilo de aprendizagem ativa) apresentaram melhor disposição de pensamento crítico, e que aprendizes reflexivos (estilo de aprendizagem reflexivo) tiveram uma ligeira diminuição na pontuação do teste. Como apontado pela própria pesquisadora, os resultados não foram os esperados, porém alguns fatores podem ter interferido para estas conclusões, como a falta de familiaridade do instrutor com o método de ensino, o número de participantes e a longevidade do experimento, que durou apenas quatro semanas.

Pierce, Gassman e Huffman (2013) propuseram um ambiente para fomentar o pensamento crítico na Engenharia, denominado EFFECTs – Environments for Fostering

Effective Critical Thinking. O material instrucional consiste na apresentação de situações

problema contendo informações que descrevem um contexto real, e que são resolvidas a partir de indagações feitas aos alunos. Uma pergunta motriz serve como pano de fundo para os estudantes na realização da atividade, que começa com uma planilha de decisão (preenchida primeiramente de forma individual e depois em grupo), prossegue com n módulos de aprendizagem ativa e conclui-se com um produto final, como um relatório contendo as análises feitas e justificativas quanto aos resultados encontrados.

Nesse programa, os estudantes devem considerar a importância de conceitos fundamentais no contexto de um problema real ou cenário, e isto “cria um ambiente de aprendizagem centrado no aluno, que é um modelo bem estabelecido no ensino superior (Hannafin e Land, 1997; O'Neill e McMahon, 2005) que incentiva a resolução de problemas e pensamento crítico, entre outros atributos desejáveis dos alunos” (PIERCE; GASSMAN; HUFFMAN, 2013, p. 283). Avaliação após a exposição ao programa demonstrou que a

intervenção promoveu melhoria na aprendizagem dos alunos, já que estes apresentaram soluções finais mais precisas na resolução do problema, o que sugere que houve desenvolvimento do pensamento crítico.

Pelo uso de atividades que envolviam planejamento, brainstorming, elaboração de projetos, confecção de cartazes, discussões, apresentação de trabalhos e análise crítica dos trabalhos apresentados pelos colegas, Sanchez, Hight e Gainen (1995) observaram melhora no desenvolvimento intelectual dos estudantes de Engenharia (curso de Desenho Mecânico), passando dos níveis mais básicos de pensamento crítico para níveis mais avançados. Neste estudo o pensamento crítico, definido a partir da concepção de Kurfiss (1988), foi entendido como a capacidade do estudante de analisar um problema usando todas as informações disponíveis, identificar possíveis soluções e critérios de solução, e então integrar as evidências, razões e valores para se chegar a uma solução.

Segundo os autores, a princípio os estudantes não sabiam abordar o problema, gerar novas ideias, suas ações eram dependentes da figura do professor, apresentavam comunicação deficiente e não se colocavam no lugar do espectador. Porém, ao longo do processo de intervenção, que ocorreu de 1990 a 1994, verificou-se maior inovação nos projetos, melhora na estética e organização dos cartazes, segurança para correr mais riscos (autoconfiança), os estudantes entenderam a importância da comunicação efetiva para o espectador, maior envolvimento com a tarefa e uso do conhecimento processual na realização da tarefa. Assim, os autores concluíram que houve desenvolvimento do pensamento crítico nos alunos de Engenharia a partir da alteração na metodologia aplicada pelo professor. As intervenções possibilitaram a transição para graus mais altos de pensamento crítico.

Assim também Martins-Pacheco, Pacheco e Restivo (2011), apresentam diferentes formas de inserir o pensamento crítico no ensino tecnológico. Os autores defendem uma abordagem de imersão, e mostram ser possível o desenvolvimento do pensamento crítico por meio do uso de questionamentos sistemáticos, analogias e similaridades, procedimentos estes que possibilitam aos estudantes a prática e promovem melhor noção da complexidade dos problemas cotidianos.

No âmbito da educação tecnológica o aprendizado do pensamento crítico de forma imersiva é muito favorecido, porém seu desenvolvimento depende muito da habilidade de o professor estimular os estudantes. Igualmente importante é a qualidade dos questionamentos feitos, de forma a conduzir as discussões e os raciocínios e promover descobertas interessantes para a formação complementar e humanística dos estudantes (MARTINS-PACHECO; PACHECO; RESTIVO, 2011, p. 399).

Contrastando o exposto por Martins-Pacheco, Pacheco e Restivo (2011), a abordagem de imersão foi considerada por outros autores (ABRAMI et al., 2008; TIRUNEH; VERBURGH; ELEN, 2014) como a abordagem que apresenta menor efeito sobre as características do pensamento crítico, ou seja, para o ensino desta competência, este tipo de abordagem mostrou não ser muito eficaz. No entanto, os primeiros autores fazem importantes ressalvas que incluem o papel do professor no processo de ensino do pensamento crítico, o que é significativo independentemente do tipo de abordagem empregada.

Mejía e Zarama (2004) afirmam que é possível estimular os estudantes a raciocinarem por si mesmos, a fazê-los questionar sua realidade a partir da discussão entre pares, a ampliarem suas capacidades de análise. Para o desenvolvimento do pensamento crítico, os autores sugerem que seja elaborado curso(s) específico(s) para aprendizagem inicial dos elementos conceituais do pensamento crítico, porém o desenvolvimento subsequente deve ocorrer dentro dos cursos de Engenharia. Para isso, é preciso que haja forte aliança entre os cursos específicos sobre pensamento crítico e os cursos de Engenharia; e também se faz necessário um trabalho com os professores de Engenharia, para que abram espaço em seus cursos para que o pensamento crítico possa ser ensinado e praticado.

Como já comentado anteriormente, e reforçado pelos estudos do pensamento crítico na Engenharia, o emprego de diferentes abordagens de ensino aponta para a falta de consenso sobre o constructo também na Engenharia. Apesar de haver adaptações de modelos teóricos sobre o pensamento crítico para a Educação em Engenharia, como é o caso do modelo de Paul (Richard Paul), uma análise dos trabalhos voltados à Engenharia sugere que ainda não há uma teoria específica que trata do pensamento crítico na Engenharia. O que se observa é que os estudiosos interessados no assunto utilizam diferentes fundamentações teóricas para realizarem seus estudos.

Ainda é preciso esclarecer que as várias pesquisas que analisam a relação entre o pensamento crítico e a Engenharia utilizam estratégias e procedimentos semelhantes a outros domínios pesquisados. Isto significa que as variáveis de análise nos trabalhos com estudantes de Engenharia não se diferenciam consideravelmente dos estudos com outras populações de universitários. Por este motivo, as pesquisas que tratam da relação entre o pensamento crítico e diversas outras variáveis foram abordadas em seções anteriores nesta pesquisa.

De qualquer forma, e em consonância com outros estudos, o ensino explícito do pensamento crítico parece ser uma prática que contribui para o desenvolvimento desta competência e o envolvimento do professor nesse processo é crucial para o alcance do objetivo de desenvolver o pensamento crítico nos estudantes de Engenharia. De acordo com

Kriel (2013), os estudantes não são explicitamente ensinados a serem bons pensadores críticos, a questionar o que lhes é imposto, a tomar decisões e justificar suas escolhas. Nesse processo, o professor tem papel fundamental, ao criar espaços e direcionar as atividades para que os alunos desenvolvam a motivação necessária para o problema, envolvendo-se com ele de maneira crítica.

A Engenharia é área de conhecimento que deve ser entendida como um sistema entrelaçado de ideias, que tratam com múltiplos aspectos ambientais, sociais e éticos. Assim, “é essencial que estudantes de Engenharia desenvolvam habilidades e disposições de pensamento crítico necessárias para efetivamente e profissionalmente raciocinar por meio das questões e assuntos complexos que enfrentarão como engenheiros” (PAUL; NIEWOEHNER; ELDER, 2013, p. 46, tradução nossa). O desenvolvimento desta competência na área promove o aumento da capacidade de identificar e compreender um problema, de chegar à raiz da questão, o que acarreta em uma melhor análise de problemas complexos e expectativa de soluções mais adequadas, considerando também o impacto social de suas ações. Isso faz com que os estudantes sejam profissionais mais bem-sucedidos como engenheiros e líderes (CEYLAN; LEE, 2003).

3 DISPOSIÇÃO DE PENSAMENTO CRÍTICO