• Nenhum resultado encontrado

O pensamento ecossistêmico

No documento EM BUSCA DE UM PROJETO (páginas 34-36)

1.2 S ABERES PARA UMA EDUCAÇÃO DO FUTURO

1.2.2 O pensamento ecossistêmico

Maria Cândida Moraes (1997, 2004) é outra importante autora que aprofundou as questões sobre a emergência de novas práticas para educação. A autora fez uma imersão nas recentes descobertas em vários campos do saber para discutir o contexto atual e selecionou teorias que apresentavam reflexos relevantes à área educacional e princípios para embasar sua ideia de ruptura do paradigma educacional, então desenvolveu o Paradigma Ecossistêmico ou o pensamento ecológico-sistêmico14. É possível constatar que ela se apoia em princípios coincidentes à proposta de Morin. Podemos destacar a presença dos seguintes estudos e teorias no desenvolvimento do pensamento proposto por Moraes: o princípio da incerteza, de Heisenberg; o princípio da complementaridade, de Niels Bohr; os diferentes níveis de realidade, de Basarab Nicolescu; a teoria das estruturas dissipativas, de Prigogine; a teoria autopoiética, de Maturana e Varela; a teoria da enação, de Francisco Varela; a teoria da complexidade, de Edgar Morin.

A autora traçou paralelos entre as descobertas científicas citadas e as consequentes mudanças a respeito das concepções acerca do funcionamento do mundo; discussões contemporâneas acerca da humanidade, do aprendizado e da produção de conhecimento. Embasada em suas pesquisas, criticou o modelo tradicional de educação, apontou as falhas da educação voltada apenas para instrução, que considera os alunos como receptores de informação. Segundo ela, muitas práticas em sala de aula levam à passividade e à alienação diante da realidade e, ao mesmo tempo, à competição entre os indivíduos, ignoram o contexto, a diversidade e as relações entre os sujeitos. Segundo a autora (1997, p. 54) "um modelo que continua definindo comportamentos de entrada e saída de uma verdadeira 'linha de montagem', sequencial, hierárquica [...], alienado do contexto sociocultural do indivíduo".

Não podemos esquecer as demandas por transformação nos processos de educação, afinal, uma realidade complexa requer um pensamento que abrange a complexidade em toda sua amplitude e profundidade. O desenvolvimento científico e intelectual está dissociado da educação desconectada da vida e do contexto dos indivíduos. Esse descompasso acentua a crise do sistema educacional e deixa evidente a falta de conhecimento sobre a complexidade

                                                                                                               

14 "Um pensamento ecológico-sistêmico é, portanto, um pensamento relacional, dialógico, interligado, indicando

que tudo que existe coexiste e que nada existe fora de suas conexões e relações. É um pensamento que se estende além da ecologia natural, englobando a cultura, a sociedade, a mente e o indivíduo.[...] Ele nos fala de relações entre totalidades e partes e das partes entre si. Assim, pensar de modo ecossistêmico é pensar de maneira complexa, dialógica e transformadora". (MORAES, 2004, p. 154-155)

  nos processos educativos e sua interdependência com o contexto. Moraes (1997) apresenta a ruptura do paradigma tradicional como algo necessário e inevitável.

Para repensar a educação, seria preciso abandonar a visão determinista, linear, para, então, considerar as novas referências que as descobertas científicas apontaram. Entre elas, a visão quântica foi responsável por uma das maiores transformações na concepção do funcionamento do mundo e teve grande impacto na forma de compreender nosso contexto.

A visão mecânica separa os indivíduos de seus relacionamentos, não reconhece a importância do contexto no qual estão inseridos, gera um individualismo exagerado e o prevalecimento do egocentrismo humano. A visão quântica promove todos como seres interdependentes, sob a premissa de que as nossas vidas estão entrelaçadas com o mundo natural, dependem de nossa atuação em nosso contexto, em nossa realidade, que será revelada mediante uma construção ativa em que o indivíduo participe. (MORAES, 1997, p. 22)

A ideia de que tudo está ligado de alguma forma e nada fica completamente isolado perpassa as obras da autora (1997, 2004). Todas as coisas e pessoas influenciam e são influenciadas pelo meio. Vivemos num mundo ativo, interativo e interdependente; modelamos o mundo e por ele somos modelados, e, segundo Moraes (2004, p. 244), "a partir deste imbricamento estrutural, sujeito e mundo emergem juntos". Esses processos interativos trazem a ideia de construção colaborativa, da qual podemos deduzir que todo sistema depende de seu meio mesmo num sistema autônomo. Sujeito e meio não possuem contorno e separação rígidos e não evoluem de maneira isolada: "nossa evolução é sempre relacional, ecológica, dinâmica, implicada e interdependente no sentido mais amplo" (idem, p. 138). Assim, o ser dialoga com sua cultura e contexto para ser quem é, e o contexto e acultura dialogam com este ser, para configurarem-se de acordo com o princípio de auto-organização, em que ambos, sujeito e meio, diante de um desequilíbrio, de uma perturbação, partem para nova organização. Estes princípios também se aplicam à lógica de aprendizagem, que se encaixa na metáfora do conhecimento em rede, em que tudo está conectado.

Não apenas o conhecimento e a aprendizagem envolvem processos auto- organizadores, mas também o desenvolvimento da autonomia depende da relação do indivíduo com o meio. [...] E para que haja auto-organização, é preciso que exista perturbação, desafios, problemas, algo que estimule o organismo e o impulsione a querer atuar, a querer produzir algo diferente e a reorganizar-se sempre que necessário. (MORAES, 2004, p. 255)

Sendo assim, não é possível existir uma verdade fechada, um conhecimento pronto que não tenha possibilidade de evolução. Temos, então, teorias "transitórias", que se aproximam do conhecimento, mas que não configuram uma verdade final. Para a autora, o

  educador ciente dessa realidade reconhece as conexões, a incerteza e a indeterminação e deveria propor um sistema educacional aberto, para melhor conviver com o contexto complexo e preparar os aprendizes a viver neste mundo. Para Moraes, o professor conta com o inesperado, estimula diálogos para evitar que o sistema atrofie e não evolua, propõe desafios que conectam o conhecido e o pretendido, educa com sensibilidade e escuta os sentimentos, a fim de garantir o fluxo de pensamentos e orientar o olhar do aprendiz.

Este tipo de pensamento requer também que vejamos os sistemas educacionais como estruturas dissipadoras de energia, como redes autopoiéticas, auto-organizadoras que aceitam o desconhecido, que acolhem o inesperado, o imprevisível e se auto- organizam e transcendem a partir das novas conexões e relações que emergem. (MORAES, 2004, p. 326)

No documento EM BUSCA DE UM PROJETO (páginas 34-36)

Documentos relacionados