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2.3 Caracterização da perícia contábil judicial cautelar

2.3.2 Perícia contábil em concordatas

A concordata pode ser vista como um benefício para a empresa, quando essa não possuir condições financeiras suficientes para liquidar todos os seus compromissos junto aos seus credores, dentro do prazo combinado. Essa atitude, prevista em lei, pode ser aplicada para conseguir um dilatamento dos prazos, a fim de que as empresas consigam cumprir seus compromissos.

Ramalho (1993, p.263) explica que “a concordata é um processo pelo qual um comerciante ajusta com seus credores o modo de pagar-lhes o que lhes deve, quando não há condições para efetuar os pagamentos como anteriormente havia sido convencionado”.

Coelho (1997, p.289) defende que:

a concordata é um favor legal, consistente na dilatação dos vencimentos das obrigações ou na remissão parcial de seu valor, a que tem direito o comerciante que preenche determinados requisitos formais. A concordata visa a prevenir ou extinguir os efeitos da falência e independe da vontade dos credores.

O surgimento oficial da concordata aconteceu com a edição do Decreto-lei n. 7.661/45, de 21 de junho de 1945, que, em seu art. 139, prevê dois tipos de concordatas: “a concordata é preventiva ou suspensiva, conforme for pedida em juízo, antes ou depois da declaração da falência”. Estas previsões estão explicitadas nos art. 156 e 177, respectivamente, da mesma lei de falências.

Quando a empresa devedora encontrar dificuldades em efetuar, nos prazos de vencimentos, pagamentos aos seus credores e antes que se inicie o processo de falência, a concordata preventiva pode ser solicitada ao judiciário. Tal requerimento de concordata preventiva visa a expandir o prazo dos pagamentos aos credores, sem interromper suas atividades.

Deduz-se, portanto, que a concordata preventiva consiste em um requerimento prévio, peticionado à Justiça, com a finalidade de evitar que a empresa devedora possa ser exterminada pela ação da insolvência. Nesse sentido, Ramalho (1993, p.98) diz que:

a concordata preventiva ocorre quando o devedor, sentindo a sua falta de condições para cumprir, no vencimento, as obrigações líquidas assumidas, propõe uma modalidade de pagamento que lhe permite solucioná-las, sem prejuízo de suas atividades mercantis normais, evitando assim a sua falência.

Por sua vez, a concordata suspensiva é originária do processo de falência. É solicitada antes da entrega do relatório final do síndico, extinguindo os efeitos da falência. A concordata suspensiva é aceita quando existe a possibilidade de a empresa saldar suas dívidas dentro dos prazos já fixados pela Justiça.

Almeida (1995, p.419) caracteriza a concordata suspensiva como “o ato processual pelo qual o devedor propõe em juízo, melhor forma de pagamento a seus credores, a fim de que, concedida por sentença judicial, suspenda o processo falimentar”.

Assim, considera-se que a concordata propicia uma reabilitação da empresa, evitando ou sustando a falência, o que acarretaria um ônus ainda maior para a sociedade, não só pelo trauma psicológico dos administradores, como também pelo aumento da ociosidade humana e material.

Tanto na concordata preventiva quanto na suspensiva, nem todos os credores serão envolvidos, uma vez que o concordatário continua exercendo o comércio normalmente. Sendo assim, existem dois tipos de credores: os quirografários e os especiais.

Em relação aos credores quirografários e especiais, Führer (1998, p.70) afirma que:

são quirografários todos os credores cujos créditos não gozam de nenhum privilégio geral ou especial, sendo exemplos os fornecedores e as contas a pagar. São privilegiados os seguintes créditos: 1) o salário dos empregados, as férias vencidas e não gozadas, o Fundo de Garantia vencido e não depositado, a indenização do não optante e do acidentado; 2) os créditos referentes a impostos, taxas e contribuições da União Federal, suas autarquias, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data do pedido da concordata preventiva; 3) os créditos referentes a impostos, taxas e contribuições dos Estados, do Distrito Federal, cujos fatos geradores tenham ocorrido até o pedido da concordata preventiva; 4) os créditos referentes aos Municípios; 5) os créditos com privilégios segundo a ordem das instituições, averbações ou anotações no Registro de Imóveis, tais como: hipoteca penhor industrial, penhor agrícola, empréstimos com emissão de debêntures; 6) os créditos oriundos de alienação fiduciária ou reserva de domínio (pedidos de restituição).

O Decreto-lei n. 7.661/45 prevê a suspensão de determinadas atitudes do devedor, numa evidência clara de preservar o crédito tanto dos quirografários como dos privilegiados. Assim o art. 149 apresenta a seguinte redação:

enquanto a concordata não for sentença julgada cumprida (art. 155), o devedor não pode, sem prévia autorização do juiz, ouvido o representante do Ministério Público, alienar ou onerar seus bens imóveis ou outros sujeitos a cláusulas da concordata;

outrossim, sem o consentimento expresso de todos os credores admitidos e sujeitos aos efeitos da concordata, não lhe é permitido vender ou transferir o seu estabelecimento.

Parágrafo Único: Os atos praticados pelo concordatário com violação deste artigo são ineficazes relativamente à massa, no caso de rescisão da concordata.

Algumas restrições são impostas à empresa em situação de concordata preventiva. Prevê o art. 167 da Lei de Falências que as operações da empresa concordatária continuam normalmente, exceto as proibições ali contidas, nos seguintes termos: “não poderá, entretanto, alienar imóveis ou constituir garantias reais, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz depois de ouvido o comissário”.

O comissário é uma pessoa de confiança do Juiz, podendo ser escolhida dentre um dos credores, ou uma outra pessoa que tenha algum tipo de relacionamento com os negócios da empresa. Tem a incumbência de acompanhar os atos do administrador da concordatária e outras atribuições de sua exclusiva competência, elencadas no art. 169 da Lei de Falências.

De acordo com Führer (1998, p.123), é tarefa do comissário, dentre outras: “fiscalizar o procedimento do devedor; comunicar a existência dos créditos aos credores constantes na lista inicial; impugnar créditos se for o caso, elaborar o quadro geral de credores, etc”.

Vale ressaltar que, na concordata suspensiva, continua existindo a figura do síndico, mas com atribuições específicas definidas no art. 62 da Lei de Falências.

Dessa forma, o comissário, a exemplo do síndico, também se beneficiará do trabalho pericial contábil e poderá designar um perito de sua confiança, sobre a matéria em demanda, resultando em conclusões mais precisas e exatas. Tal regulamentação está exposta no art. 63, inciso V do Decreto-lei n. 7.661/45, de 21 de junho de 1945.

O comissário, mesmo sendo contador e possuindo conhecimentos suficientes, não poderá acumular e desempenhar, também, a função de perito contador da massa. O perito contador tem a missão de periciar a massa, não se confundindo com outras atividades, naquele projeto, até porque as operações desenvolvidas pelo perito contador são distintas em relação às do comissário, ou mesmo às do síndico.

Caberá ao perito contábil realizar um levantamento de todo o ativo e passivo da empresa concordatária, a fim de verificar se a sua real situação condiz com o que consta dos relatórios. Lopes de Sá (2002, p.105) cita que “os exames devem levar à convicção sobre a veracidade das peças contábeis, dos documentos e da dinâmica dos acontecimentos que conduziu ao estado de coisas que gerou o pedido de concordata”.

O perito deve inteirar-se de todas as razões que levaram a empresa a uma situação de concordata. Nesses levantamentos realizados, como elaboração do quadro geral dos credores e

análise da situação geral da empresa, o perito contador deverá direcionar os esclarecimentos necessários ao comissário, assessorando-o em seu trabalho.

Ao elaborar o laudo contábil, o perito deverá fazê-lo com o máximo de detalhes possíveis, demonstrando, afinal, se a concordatária possui ou não condições patrimoniais e econômico-financeiras que lhe proporcionem os meios necessários para cumprir a promessa feita a seus credores.

Desse modo, as conclusões alcançadas pelo perito, constantes do laudo pericial, deverão ser precisas e corretas, pois ao elaborar o seu relatório expondo a sua opinião favorável ou não à concessão da concordata ou à convolação para falência, o comissário ou o síndico levará em consideração os valores expressos nos demonstrativos e as observações feitas pelo perito contador.

Cabe observar que nesses processos judiciais de concordatas as perícias cautelares podem estar presentes, principalmente em concordatas preventivas, produzindo e assegurando provas da existência de valores patrimoniais, em poder da concordatária.