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PERÍODO DE CONSOLIDAÇÃO

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6 Surgimento das escolas de samba

6.2 PERÍODO DE CONSOLIDAÇÃO

Introduzindo mudanças de forma gradual e lenta as escolas de samba iam se individualizando e, nas décadas de 1940 e de 1950, já se pode falar em identidade – possuem enredo, samba de enredo (termo usado efetivamente a partir dos anos 1950), alegorias e fantasias.

Esses arcabouços dão identidade própria às escolas de samba. Já é possível diferenciá- las das Grandes Sociedades, ranchos e blocos. Tal estrutura montou-se sobre uma disposição ritualista composta pelo ritmo e pela dança, que guardou com mais força os signos e símbolos das raízes. Nestas décadas as escolas de samba, ainda ‘tribais’, refletem com grande intensidade os valores das comunidades. Tiques, cacoetes, hábitos tornam reconhecíveis os sambistas da Portela, Mangueira, Império Serrano etc. O exemplo mais claro se refere às baterias. Nessa ocasião, as batidas das baterias das escolas de samba indicam de longe as agremiações desfilantes (ARAÚJO, 2003, p. 230-231).

Embora possa parecer resolvida a busca de visibilidade das escolas, elas ainda estavam longe da Avenida Rio Branco, reservada às Grandes Sociedades, aos Ranchos e ao Corso que exibia a elegância da burguesia no domingo de carnaval. Começava a difícil tarefa da distribuição de verbas e prestação de contas e, sobretudo, se enquadravam na regra do jogo oficial. Como diz Augras com certo realismo: “Tudo deixa supor que a transformação progressiva do desfile da estrutura das escolas de samba e, particularmente, a importância cada vez maior do samba-enredo, caminham pari passu com a expectativa oficial” (AUGRAS, 1998, p.35).

De 1940 a 1942 a prefeitura do Rio de Janeiro exerceu completo controle sobre as Escolas de Samba através da burocratização da inscrição e de um regulamento detalhado sobre o desfile. Paralelamente

A valorização da produção cultural do morro vinha-se inserir no nacionalismo getulista, cujos intelectuais se empenhavam em promover o folclore brasileiro [...] são constantes os artigos referentes a folclore e cultura popular [...] realçar aquilo que se julgava ser “intrínseco” ao homem brasileiro implicava o interesse pelo samba. Mas aos olhos da elite intelectual era claro que não se podia deixá-lo proliferar em qualquer direção. [...] Era necessário educá-lo, dar-lhe formato mais civilizado, mais condizente com os padrões da moderna nacionalidade (AUGRAS, 1998, p.51-52).

A diferença em relação ao século XIX é que aqui se busca uma identidade nacional mestiça, já elogiada com a publicação de Casa Grande & Senzala em 1933. Além disto, e talvez mais importante, mas que não é objeto de nosso estudo, a necessidade de a Indústria Cultural conseguir um produto aceitável nas várias regiões do país, pois a indústria fonográfica e o rádio precisavam de um produto que permitisse a venda em escala para crescerem em todas as regiões.

Os carnavais de 1943 a 1945 foram chamados de carnavais de guerra e as subvenções e controle da prefeitura do Rio de Janeiro sobre o desfile foram suspensos. A Liga de Defesa Nacional e a União Nacional dos Estudantes tornaram-se responsáveis pela realização do desfile. Um sonho das Escolas de Samba acabou se concretizando, o préstito passou da praça Onze – posta abaixo em 1942 – para a avenida Rio Branco (ARAÚJO, 2003). Neste período é possível ver o resultado da investida do Estado Novo sobre o samba: as Escolas desfilaram aos domingos, o dia mais nobre, enquanto a segunda-feira ficou com o desfile dos Ranchos, corso, blocos e Grandes Sociedades (AUGRAS, 1998, p.55).

A segunda metade dos anos 1940 presencia o fim da Segunda Guerra Mundial, o fim do governo Vargas, a constituição de um mundo bipolar com repercussões no Brasil e a retomada da organização dos desfiles das Escolas de Samba pelo Estado. A novidade no desfile de 1946 foi o julgamento pela primeira vez da coreografia de Meste-sala e Porta- bandeira e o fim dos sambas com versos improvisados. É neste ano que o Partido Comunista Brasileiro (PCB), em seu breve período de legalidade, se aproxima da União Geral das Escolas de Samba – após um namoro que havia começado em 1936 – esta aproximação leva a uma reação dos setores anticomunistas, que fundam a Federação Brasileira das Escolas de Samba. Esta última torna-se a entidade subvencionada pelo poder público a partir de 1948. No ano seguinte passam a acontecer dois desfiles separados, um a cargo da prefeitura e da Federação e o outro organizado pela União Geral, uma das versões sobre esta separação diz respeito à vitória da Império Serrano, que levantou suspeitas sobre a Federação das Escolas, pois o casal de Mestre-sala e Porta-bandeira da Escola não saiu no início do desfile conforme a tradição. Mangueira e Portela se desligam da Federação, prometendo dar nova vida à União Geral das Escolas de Samba. O PCB, posto na ilegalidade, não tem mais influência nas Escolas de Samba (CABRAL, 1996; AUGRAS, 1998; LINHA... www, 2006).

O ano de 1949 presencia os meios de comunicação eletrônicos chegarem ao desfile das Escolas de Samba: ocorre a primeira transmissão ao vivo do carnaval pela Rádio Continental (LINHA... www, 2006). Segundo Edigar de Alencar (1980, p.337) é o ano, também, das entidades cobradoras de direitos autorais definirei, por causa dos preços, aquilo que os clubes (de acordo com a disponibilidade de caixa) poderão tocar nos bailes de carnaval. Para este pesquisador “o povo não escolhe, não samba, não canta o que desejaria, mas o que a orquestra ou o conjuntinho executa. Também o rádio e a televisão [sic] só transmitem certas músicas”.

O legado do governo Dutra acabou sendo mais ditatorial que o do Estado Novo: alinhamento incondicional com os Estados Unidos, perseguição aos comunistas a exemplo do

Macarthismo, proibição do jogo. Maria Laura Pereira de Queiroz (apud AUGRAS, 1998, p.63-64) considera que esta proibição foi o golpe de misericórdia nas Grandes Sociedades, que funcionavam como clubes de jogatina durante o ano, financiando seus desfiles com o lucro do jogo. “Num aspecto talvez paradoxal, foi também o governo Dutra o responsável pelo aumento da visibilidade das escolas de samba, conseqüência da decadência das grandes sociedades carnavalescas” (AUGRAS, 1998, p.64)

No desfile das ruas mudanças vão aparecer no ano de 1952. As entidades Federação e União Geral se reuniram, no dia 5 de março, na Associação das Escolas de Samba e o regulamento dos desfiles passou a determinar que as alas se apresentassem fantasiadas e não com uniformes e que o samba estivesse relacionado ao enredo. Foi essa característica que permitiu ao samba-enredo constituir-se como gênero musical próprio. Com o Partido Comunista na ilegalidade, as escolas deixam de ser palco de disputas políticas. Deixam de existir dois desfiles distintos com diferentes campeões, conforme vinha ocorrendo desde 1949. As Escolas também passam a ser divididas em dois grupos desfilando em locais distintos – na av. Presidente Vargas e na Central do Brasil. No primeiro, inscrevem-se escolas de samba com um mínimo de 300 componentes e, no segundo, exige-se um mínimo de cem; era uma forma de tentar controlar o horário de término da festa (LINHA... www, 2006; CABRAL, 1996, p.161-168). Pela crescente presença de público a Prefeitura instala um tablado com um metro de altura para o desfile das Escolas principais, que deixa de ser montado a partir do carnaval de 1957, quando as Escolas de Samba trocam o local de desfile (ARAÚJO, 2003).

A comercialização do desfile começa a ganhar forma no carnaval de 1958, ano no qual o grande volume de público institui um novo tipo de comércio: o pagamento de CR$ 5 (cinco cruzeiros) para assistir ao desfile acomodado em caixotes de madeira. E pela primeira vez a comissão julgadora pôde dar a nota fracionada (LINHA... www, 2006; ARAÚJO, 2003).

A valorização real do samba-enredo ou samba de enredo, enquanto criação musical, só aconteceu efetivamente a partir da década de 1950. Edigar de Alencar, por exemplo, deixa isto claro em seu livro quando comenta que

Geralmente tais sambas são longos, de letras extensas, rimas escassas, e fazem o relato de um fato ou a descrição de um personagem. Pouco poderemos falar desse gênero porque se trata de música quase particular, cantada somente no desfile da escola. Raramente é gravada e pela sua extensão poética e às vezes melódica é difícil de ser decorada pelo povo (1980, p.378-379).

Estas afirmações devem ser resquícios da primeira edição da obra, datada de 1965, quase dez anos antes da assinatura do primeiro contrato de gravação das Escolas de Samba com a indústria fonográfica. Ainda ecoa o momento de afirmação do gênero.

Augras (1998, p.65) acredita que um livro foi fundamental na constituição dos enredos de temas nacionais: Porque me ufano do meu paiz, de Afonso Celso, escrito em 1921. Esta obra enumera os ideais de superioridade do Brasil: grandeza territorial, beleza, clima, ausência de calamidades, excelência do tipo nacional, generosidade da natureza; adicionados aos aspectos históricos de suavidade do regime colonial, sistema escravista suave, generosidade com os outros povos. A partir destes aspectos os grandes eventos nacionais seriam a atuação dos Jesuítas, as investidas dos bandeirantes, a república dos Palmares, a guerra contra os holandeses, a retirada da Laguna e a Independência.

6.3 DA CHEGADA DEFINITIVA DA INDÚSTRIA CULTURAL AO MAIOR

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