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REPRESSÃO E CONSUMO

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6 CARNAVAL E INDÚSTRIA CULTURAL

6.1 REPRESSÃO E CONSUMO

Quando Adorno e Horkheimer (1985, p.119; 133; 137) afirmam que os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até os distraídos vão consumi-los atentamente ainda não existiam os foliões do sofá, aquelas pessoas que consomem os desfiles de Escolas de Samba e trios elétricos pela mídia eletrônica, até mesmo o carnaval de Juiz de Fora tem seus fãs de consumo indireto, como afirma Edson Tostes (2007): “o carnaval, ele tem os seus adeptos, tem pessoas que nem vão na avenida, mas curtem os ensaios, na TV, no rádio, tenho conhecidos aí, o pessoal de mais idade vê pela TV os flashes, no radinho, a noite inteira acompanhando”. Para funcionar em sua lógica, o sistema não pode soltar o consumidor, por

isto apresenta as possibilidades de satisfação das necessidades, mas mostra que estas necessidades precisam ser organizadas de tal modo que a pessoa só se veja como um eterno consumidor e no final das contas a diversão é usada para a resignação, até porque para a indústria cultural as pessoas só interessam enquanto clientes ou empregados, ou seja, não passam de um simples material para a realização da produção. Constantemente astros e estrelas são elevados ao céu para no momento seguinte desaparecerem.

Para que este movimento de consumo dos produtos culturais e das pessoas se mantenha a indústria cultural articula uma ética e estabelece um gosto. Esta ética e este gosto “podam a diversão irrefreada taxando-a de ingênua, e a ingenuidade é tão grave como o intelectualismo” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.134). Enquanto Joãosinho Trinta denuncia o intelectualismo no carnaval com a célebre frase: “pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”; o presidente da Escola de Samba Juventude Imperial de Juiz de Fora, David Chaves, combate a diversão praticamente decretando que não há carnaval sem Escolas de Samba:

Eu gostaria de ver o carnaval de Juiz de Fora sem escola de samba. Porque aí as pessoas poderiam até dá mais valor às escola de samba. Porque quem faz o carnaval de Juiz de Fora?… quem fazia os carnavais de Juiz de Fora, era os clubes. Era Sport, Tupinambás, Bom Pastor, entendeu? Era Clube do Papo, você vê que hoje, não tem mais carnaval de clube. Até a própria sociedade não tá se encontrando dentro do carnaval, entendeu? Agora como seria esse carnaval sem as escola de samba? Seria um cemitério dentro de Juiz de Fora, um cemitério dentro da nossa cidade. Teria bloco aí, aquela bagunça imensa, entendeu? Aquela desorganização nas ruas, com bloco batendo naquelas porta de aço das pessoa, destruindo as coisa, o que ia acontecer era isso. Mas eu gostaria de vê o carnaval de Juiz de Fora sem as escola de samba pra vê como ele ficaria. Eu imagino, na minha cabeça, como ele vai ficá, entendeu? Mas eu gostaria de vê isso, entendeu? Porque eu acho que nós não tamo aqui pra retarda o crescimento dum carnaval, nós tamos aqui pra criar mais alegria para o povo (CHAVES, 2007).

O controle sobre o corpo ao qual Foucault se refere, como vimos acima, encontra eco na análise sobre a indústria cultural realizada por Adorno e Horkheimer (1985, p.131): “A indústria cultural não sublima, mas reprime”. Nas Escolas de Samba é uma repressão mais explícita, pois expõe repetidamente os objetos do desejo – aqui o corpo nu – com o objetivo apenas de excitar o prazer preliminar não sublimado. Deste modo, a indústria cultural consegue ser ao mesmo tempo pornográfica e puritana. Isto pode ser encarado positivamente como o faz o carnavalesco Paulo Berberick (2007): “Aqui não tem sexo, aqui não tem droga. É um trabalho, é uma fábrica de sonhos, né, é uma fábrica de coisas bonitas, é uma fábrica de beleza”. Ou esta repressão pode ser sentida de forma mais objetiva, como é o caso da madrinha da bateria do Turunas do Riachuelo, Fernanda Muller (2007):

[… não ser premiada faz parte de] um preconceito, lógico, esse não tem jeito. A realidade é essa: a melhor madrinha de bateria de Juiz de Fora é homem. É um travesti. Como é que explica isso? Aí o quê que eu preferi fazer pra eu me vacinar, me proteger e pra eu deixar a cabeça deles em paz, eu não sou rainha da bateria, eu sou madrinha. Eu sou madrinha e o prêmio deles é rainha, então eu tirei o meu da reta e deixei eles mais aliviados. Na realidade é preconceito. Porque eles não vão ter como explicar.

Também o desfile enquanto produto e como forma de controle tem que impedir os desvios às normas. Um dos objetivos é a produção em série do objeto sexual que gerará automaticamente seu recalcamento, dentro do ponto de vista freudiano: quanto mais se fala menos se pratica. No mundo do espetáculo “só as operetas e depois os filmes representam o sexo com uma gargalhada sonora” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.132). Apesar de se falar que o desfile das Escolas “é o carnaval com uma cultura, como o teatro móvel, com uma cultura maravilhosa que tem que ser levada com seriedade, com dedicação, com amor e acima de tudo com a dedicação” (BERBERICK), acreditamos que ele está muito longe de ser uma ópera popular, ele realmente é uma opereta, um estilo de representação cujo significado é desconhecido da massa ou está camuflado para que a massa não veja o que realmente as Escolas de Samba são: cultura industrializada. E esta cultura industrializada serve para que as pessoas percebam sua própria nulidade e integrem-se ao sistema: “você se surpreende porque eles [os membros das agremiações] falam que carnaval pra eles não é somente a folia, a visão que eles tem do carnaval é aquela visão da cultura que tem que ser bem trabalhada” (BERBERICK).

A cada ano o espetáculo das Escolas de Samba promovido pela indústria cultural demonstra a renúncia permanente que é imposta às pessoas: “é justamente porque nunca deve ter lugar que tudo gira em torno do coito” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.132). Desde os desfiles das Grandes Sociedades Carnavalescas durante o império que isto é colocado às massas, dos carros de idéias com as francesas semidespidas aos carros alegóricos com a mais recente estrela da televisão nua, a mensagem à plebe rude é a mesma: olhar, desejar e sonhar, mas você é incapaz ter o prazer.

Pode-se também fazer uma reformulação da frase de Adorno e Horkheimer (1985, p.143): “O cinema torna-se uma efetivamente uma instituição de aperfeiçoamento moral”. Bastaria substituir a palavra cinema por Escola de Samba, com certeza os sambistas irão concordar que eles trabalham para o aperfeiçoamento moral:

Numa Porta bandeira não pode faltar, como você falou, elegância, simpatia. E assim, tem assim, o básico que toda porta-bandeira tem saber fazer, ela não pode andar de saia dentro de quadra de escola de samba ou em algum lugar que tenha o pavilhão, ela tem… tá sempre de salto. Em hipótese nenhuma, lugar onde tem o pavilhão ela não

pode sambar, ela tem respeitar o pavilhão, seja o dela ou da escola que ela está visitando (ALCIONE PROPCÓPIO).

A indústria cultural, ao contrário daquilo que se pensa, não está corrompida como se fosse a babilônia do pecado e do prazer, está corrompida porque se comporta como se fosse a catedral do divertimento de alto nível e na verdade sua função é reduzi-lo a uma forma sem conteúdo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.134).

No fim das contas as massas devem ser direcionadas à ordem por meio do espetáculo sem se importar com seu modo de vida, já coagido pelo sistema. Reproduzir e consumir o próprio sistema de trabalho é a meta final:

O carnaval, como negócio é uma coisa interessante, a gente sabe que tem grandes empresas que fazem um estudo em relação principalmente à motivação e um dos campos desse estudos é uma Escola de Samba. Como que alguém […] consegue motivar tantas pessoas a trabalharem de graça e a trabalhar com tanto entusiasmo e tanto empenho, eles tentam descobrir isso pra que isso seja aplicado em técnicas dentro da empresa, de motivação, porque você pode ter os melhores empregados do mundo, mas se eles não tiverem motivação o lucro da sua empresa vai ser muito pequeno e como você motiva e como você organiza aquele monte de gente numa avenida, num clima de festa, de bebida, de tudo e você vê uma Escola passar sem problema nenhum, sem confusão nenhuma. Nós tivemos o carnaval de 2006 […] sem uma ocorrência policial. São essas coisas que nos incentivam a continuar, porque a gente vê que tem realmente campo, tem perspectivas e tem objetivo social, inclusive, no meio (TOSTES).

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