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Um Período de Transição: a Emergência de Novos Estilos de Desenvolvimento, uma Contra-proposta às Políticas de Curto Prazo, de Ajuste e Estabilização

O TERRITÓRIO DO DESENVOLVIMENTO

1.1 ANTECEDENTES DA IDÉIA DE DESENVOLVIMENTO

1.3.5 Um Período de Transição: a Emergência de Novos Estilos de Desenvolvimento, uma Contra-proposta às Políticas de Curto Prazo, de Ajuste e Estabilização

A crítica ao modelo de desenvolvimento herdado do Ocidente continuou na década de 1970. Os estruturalistas questionavam o modelo único de desenvolvimento que, sob os parâmetros da modernização, após o término da Segunda Guerra Mundial, era seguido pelos países subdesenvolvidos. Posteriormente, em relação aos países do Terceiro Mundo, reconheceu-se que a urbano-industrialização não estava gerando os efeitos inicialmente esperados e, pelo contrário, o número de pobres e a concentração da renda, aprofundaram-se e existia a tendência de uma grande parcela da população de América Latina ficar à margem dos benefícios do crescimento econômico. As evidências no aumento da qualidade de vida, entendida, de novo segundo os parâmetros de Ocidente, como a satisfação ampla de consumo dos membros da sociedade subdesenvolvida, eram bem poucas. Em 1970, Conceição Tavares e José Serra em seu artigo Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de

desenvolvimento recente no Brasil, dirigindo-se particularmente ao Brasil ressaltaram o

seguinte:

enquanto o capitalismo brasileiro desenvolve-se de maneira satisfatória, a nação, a maioria da população, permanece em condições de grande privação econômica, e isso, em grande medida, devido ao dinamismo do sistema ou, ainda, ao tipo de dinamismo que o anima (TAVARES; SERRA, 2000 [1970], p. 593).

A discussão desses autores sobre o desenvolvimento no Brasil é uns dos pontos de partida para a posterior interpretação sobre os estilos de desenvolvimento. Dentre outros, figuram no grupo de intelectuais que fazem tal interpretação Aníbal Pinto, Jorge Graciarena e Marshall Wolfe. Além da preocupação pelos modelos econômicos de crescimento e seu efeitos no bem-estar das populações de América Latina, é feita a crítica ao próprio conceito de desenvolvimento e seu significado para os países do Terceiro Mundo. Para esses autores, desenvolvimento, conceito vago, tinha a atribuição de senso comum e significava ser modernos, assemelhar-se aos países de Ocidente.

Neste sentido, Wolfe (1976) chama a atenção para o acordo implícito de que só poderia haver uma categoria de desenvolvimento caracterizada por condições sociais prévias, pelo percurso por etapas previsíveis, com rápida acumulação de capital e apoiadas na inovação técnica e empresarial. Resultaram, então, sociedades e economias urbanas e industrializadas com capacidade para suprir as demandas de seus integrantes.

Se esse modelo de desenvolvimento e o seu conceito implícito não estavam satisfazendo as expectativas geradas, então seria necessário um outro estilo ou estilos de desenvolvimento para os países subdesenvolvidos. Pinto (1976) ressalta o risco de sempre que se tem ao iniciar um novo debate sobre o desenvolvimento de “reeditar velhas discussões e

problemas sob novos lemas”. Nesse sentido propõe, antes de construir uma definição sobre estilo de desenvolvimento, estabelecer a diferenciação entre estilos, estruturas e sistemas,

conceitos utilizados indiscriminadamente, como se fossem sinônimos. Em um alto grau de generalidade, sistema refere-se a duas principais formas de organização, que nessa época, conviviam na realidade: a capitalista e a socialista. A segunda categoria, a de estrutura, relaciona-se com a diferença de relações e de funcionamento entre países desenvolvidos (industrializados) e subdesenvolvidos; trata-se, sobretudo da diferença entre estruturas e seu caráter de dominantes e subordinadas.

Com essa discussão, identificam-se situações diferenciadas, como países capitalistas industrializados, capitalistas subdesenvolvidos, socialistas industrializados ou socialistas subdesenvolvidos. Nos contextos de sistema e de estrutura, há estilos de desenvolvimento particulares e diversos. Pinto (1976) e Graciarena (1976) têm pontos de vista semelhantes e concordam que o estilo de desenvolvimento é “la modalidad concreta y dinámica adoptada

por un sistema en un ámbito definido y en un momento histórico determinado” (PINTO,

1976). Pinto (1976) esclarece que, ao falar em âmbito, está-se referindo ao fato estrutural de existência de países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Também os estilos apresentaram características específicas dependendo dos valores orientadores do sistema ou estrutura

predominante, o que permite colocar a possibilidade de haver diversas opções de estilos. Wolfe (1976) propõe opções nacionais entre diferentes estilos de desenvolvimento: “Cada

sociedad nacional debería hallarse em libertad de adoptar su próprio estilo y contar com la colaboración que necesita para hacerlo”. Não há, portanto, um estilo de desenvolvimento,

mas sim, a opção de diferentes estilos, segundo Pinto (1976), dependendo das características da estrutura e o sistema e, para Wolfe (1976), das propostas orientadas por valores.

Ao mesmo tempo em que se debatia o tema na Assembléia Geral das Nações Unidas de 1969, aprovou-se a Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento Social na qual se priorizou o desenvolvimento social como grande objetivo da humanidade, buscando estabelecer um consenso filosófico universal sobre normas sociais de desenvolvimento (BIELSCHOWSKY, 1998), chamado de estilo unificado de desenvolvimento, que estava na linha das discussões levadas a cabo pelos especialistas da CEPAL, e tinha a ver com um estilo que fosse além do modelo dominante de desenvolvimento. O desenvolvimento orientado por valores aceita o conceito de estilo unificado, valendo-se de valores absolutos propostos por defensores dos direitos humanos. Dessa forma, os direitos humanos (determinados níveis de vida e serviços sociais) “serían los mismos en todas partes y deberían ponerse en vigor de

inmediato (WOLFE, 1976). De novo, gera-se uma tensão entre as propostas universalistas e a

procura de estilos autônomos.

Para Wolfe (1976), as políticas para abordar os estilos de desenvolvimento unificados, originais e orientados por valores ou orientados ao ser humano, devem incluir uma gama de fins e meios guiados por três tipos de critérios: utópico-normativo, tecnocrático-racionalista e os sócio-políticos. Em termos gerais, a proposta consiste em imaginar uma ordem social futura, acompanhada de normas que fixem os limites dos meios, de técnicas racionais e eficientes e de grupos sociais que elejam suas utopias e normas.

Os especialistas da CEPAL ficaram no meio da discussão de estilos de desenvolvimento, e o cumprimento burocrático exigido pela ONU demandava a avaliação do desenvolvimento integral (mudanças qualitativas e estruturais da sociedade ao lado do crescimento econômico) no seu enfoque de estilo unificado. Wolfe (1982) sendo bastante crítico a respeito, assegura que a promoção do desenvolvimento se converteu em uma indústria em que a procura criou a sua própria oferta de expertos, agentes que atuavam de acordo com diversas combinações de oportunidades e limitações na busca de um objetivo em constante redefinição. Por fim, como diz Graciarena (1976), a palavra estilo e sua conceitualização não evitaram que velhos problemas se esvaziassem nesse novo molde; houve mais uma mudança nominal que uma mudança das sociedades latino-americanas.

A proposta sobre estilos de desenvolvimento implicava, dentre outros aspectos, ser abordada como um processo de longo prazo e não gerou as mudanças que seus defensores esperavam, não só pelos esforços desenvolvidos paralelamente pela ONU para trabalhar na perspectiva de desenvolvimento integrado, ou pelas outras razões que Wolfe (1976;1982) e Graciarena (1976) assinalam. Na década de 1970, o contexto político e econômico da região eram bem complexos. De um lado, o fim do auge econômico mundial em 1973/74 e a recessão que o seguiu foram, dentre outras, as razões para a crise econômica, em 1982, na

América Latina43. Tal crise levou as políticas econômicas de desenvolvimento a focalizarem-

se apenas na dívida, na estabilização e no ajuste. Conforme Bielschowsky (1998), a reação da América Latina ao choque petroleiro que causou a recessão foi o endividamento para manter o crescimento ou estabilizar a economia. A década de 1980 esteve, para a CEPAL, caracterizada não só pela instabilidade macroeconômica, mas também pela nova hegemonia do sistema financeiro sobre o sistema produtivo (BIELSCHOWSKY, 1998).

No plano político, os intelectuais da época e sobretudo os vinculados à CEPAL, organização que até esse momento tinha tido uma alta representatividade e influenciava o pensamento econômico da região, não puderam ou não quiseram continuar trabalhando no marco das ditaduras que se impunham nesse período.

Além disso, começou o declínio do keynesanismo e a emergência de uma nova ortodoxia para a análise dos problemas do desenvolvimento. Tudo parece indicar que a jovem economia do desenvolvimento não conseguiu passar dos vinte e poucos anos desde sua criação e posterior definição das diversas correntes que a estabeleceram. Há quem diga que essa linha do pensamento econômico não declinou e ainda continua vigente, e tem os que falam o contrário. A próxima seção tratará desse assunto.

43

É amplamente conhecida a denominação que foi dada à década de 1980 em América Latina: a década perdida. Segundo Escobar (1996), a região, assim como as grandes áreas de Ásia e África, sofreram a pior crise do século XX. Para Giffith-Jones e Sunkel (1990), a crise generalizada da dívida externa que aconteceu na América Latina foi parte “integrante de uma crise mais profunda e de longo prazo no crescimento e desenvolvimento dos países da região como dos países industrializados” (p. 15). Para eles, “a crise da dívida como a crise do desenvolvimento compartilharam as mesmas origens e causas” (p.15). Além do choque petroleiro, causado pela alta no preço relativo desse produto, também atribuem a crise ao esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações, às características do sistema financeiro público e à expansão do mercado financeiro privado.