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PERÍODO VARGAS: PRIORIZAÇÃO DA HABITAÇÃO SOCIAL (1930-1964)

2. A QUESTÃO AMBIENTAL, URBANA E HABITACIONAL

3.1 PERÍODO VARGAS: PRIORIZAÇÃO DA HABITAÇÃO SOCIAL (1930-1964)

Antes de apresentar especificamente o período supracitado, é importante situar o momento anterior, da Primeira República (1889-1930), transição entre a escravatura e o trabalho livre, em que as ações do poder público foram bastante irrisórias, muito embora já houvesse um relevante crescimento urbano (BONDUKI, 2014).

Havia uma grande preocupação com as moradias utilizadas pelos pobres: os

cortiços. Essa era uma realidade ocorrida principalmente no Rio de Janeiro, capital

da República, e em São Paulo (BONDUKI, 2013; 2014; VALLADARES, 2013). No Recife, as habitações precárias utilizadas pelos pobres eram denominadas de

mocambo, que nessa época já podiam ser vistas em diversas regiões da cidade

(LIRA, 1998). Com um intuito bastante higienista, o governo busca a erradicação dos cortiços, a começar por leis que impediam a construção de novos cortiços no Rio de Janeiro, até mesmo com a destruição total de alguns deles (VALLADARES, 2013).

Como alternativa, o governo incentivou a construção de vilas10, produzidas e

administradas por companhias privadas para serem alugadas aos trabalhadores, mas que não serviram exatamente ao seu propósito, mesmo com os incentivos fiscais do poder público, pois as famílias mais pobres não tinham condições de arcar com o custo dos aluguéis. A eles só restavam como alternativa os cortiços (BONDUKI, 2014). Na ausência ou diminuição deles, restou como alternativa a formação das primeiras favelas (VALLADARES, 2013), tema abordado no tópico 3.5.1.

No período imediatamente posterior, a partir de 1930, inicia-se um processo de priorização da habitação social pelo poder público, de acordo com o projeto nacional proposto pelo Governo Vargas, que assume para si a responsabilidade, ampliando a temática habitacional, de modo a “garantir melhores condições de habitação e de vida urbana aos trabalhadores” (BONDUKI, 2014, p. 41).

Vargas estabelece uma relação bastante protecionista em relação aos trabalhadores, sendo considerado o “pai” das leis sociais no Brasil (VALLADARES, 2013). Na questão habitacional, os esforços são dirigidos principalmente a duas frentes: (i) a produção de conjuntos habitacionais por meio da criação das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), na década de 1930 e;

(ii) a regulamentação dos aluguéis, congelando seus valores por meio do Decreto-

Lei do Inquilinato em 1942 (BONDUKI, 2014).

Em um segundo momento, em 1946, é criada a Fundação da Casa Popular pelo presidente Eurico Gaspar Dutra, com o intuito de ser um órgão dedicado exclusivamente à habitação social, além de congregar o desenvolvimento urbano. Porém, sua atuação foi bastante limitada, principalmente por questões financeiras, pois o projeto não obteve apoio necessário, sobretudo de setores conservadores da

10 As vilas podem ser consideradas os primeiros conjuntos habitacionais ordenados, sendo

produzidas para os trabalhadores das fábricas. Concentravam-se em dois tipos: as chamadas vilas

operárias, que possuíam comércio e equipamentos coletivos, como escola e igreja; ou ainda as vilas particulares, destinadas à população de um modo geral, e que eram predominantemente residenciais

e não tinham a mesma preocupação arquitetônica que as vilas operárias, com um estilo mais arrojado. Algumas vilas operárias foram, inclusive, tombadas, como a Vila Maria Zélia, em São Paulo (BONDUKI, 2014).

sociedade e até mesmo dos IAPS. Contudo, se o órgão tivesse prosperado, poderia ter enfrentado a questão habitacional de outra forma, num momento ímpar da história do Brasil, em que o crescimento urbano era bastante expressivo (DENALDI, 2003; BONDUKI, 2013; 2014).

A escolha dessas ações foi feita em concomitância com a diretriz internacional “que recomendava o controle do mercado de locação e a produção ou financiamento de moradia pelo Estado” (BONDUKI, 2014, p. 41). O Estado obteve, inclusive, apoio de lideranças do setor privado, que acreditavam que o poder público deveria enfrentar o problema habitacional, podendo favorecer a diminuição do custo da mão-de-obra, a expansão do setor industrial no Brasil e o aumento da concentração do capital (BONDUKI, 2014).

Uma das iniciativas de Vargas em 1937 para erradicar as favelas na capital da República foi a criação dos “Parques Provisórios Proletários”, que abrigaram milhares de famílias removidas de diversas áreas. Pretendia-se levar as famílias para conjuntos habitacionais definitivos, o que não ocorreu, pois os Parques Provisórios se tornaram definitivos, retomando as características das favelas removidas. Ressalta-se que esta foi uma primeira tentativa do governo em intervir no espaço urbano da favela, e que na época, estimava-se que 300.000 habitantes moravam nesses locais (DENALDI, 2003; VALLADARES, 2013).

Essa política de erradicação de favelas difere da política anterior de erradicação de cortiços, pois não tem um caráter higienista e sim populista, tendo “como primeiro objetivo melhorar a sorte de seus habitantes, com a finalidade de obter apoio popular indispensável à manutenção do regime” (VALLADARES, 2013, p. 61-62).

A produção habitacional se encontrava em segundo plano, tendo como foco principal a rentabilidade da produção, ou seja, perpetuava-se a lógica rentista da produção de vilas. Havia ainda outro problema: os trabalhadores, em sua maioria, não conseguiam arcar com o custo da prestação da casa própria, tendo como alternativa a moradia de aluguel em regiões próximas aos seus empregos. Com o congelamento dos aluguéis, muitos proprietários começaram a despejar seus inquilinos para alugar novamente o imóvel com um valor superior (BONDUKI, 2014). Com isso, muitas famílias não tinham outra escolha a não ser a compra de imóveis na periferia das grandes cidades ou construir sua moradia em favelas (BONDUKI, 2014).

Milton Santos (2013) esclarece que a população é empurrada para a periferia pela inabilidade do governo em equacionar o problema habitacional, incentivando ainda a especulação imobiliária e a ocupação dos terrenos vazios.

Nesse contexto, no início dos anos de 1960, sem que os programas habitacionais do governo pudessem dar a resposta necessária, e com o rápido processo de industrialização e de urbanização, agrava-se a crise urbana, principalmente a habitacional. O mandato do Presidente João Goulart (1961-1964) tentou aproximar-se dos movimentos populares e demais interessados em mudanças efetivas, propondo a “Reforma de Base”, que englobava diversos campos, inclusive a reforma urbana, principal bandeira desses movimentos. Por outro lado, diversos setores da sociedade elaboraram ideias e estudos com a intenção de apresentar alternativas para a questão habitacional (FELDMAN, 2014; MARICATO, 2013).

A proposição que melhor respondeu à necessidade de uma reformulação da política urbana e habitacional foi elaborada em 1963 no Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), organizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e apoiado pelo governo por meio do Instituto de Previdência e aposentadoria dos Servidores do Estado (FELDMAN, 2014).

O documento formulado neste seminário serviu de base para a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), mas somente as ideias que não entravam em contradição com o caráter conservador do regime militar foram incorporadas. As proposições relacionadas com a reforma urbana foram descartadas e só voltaram a emergir no final da ditadura (FELDMAN, 2014; MARICATO, 2011; 2013).

Ao todo, entre os anos de 1930 a 1964, produziu-se em torno de 175.000 unidades habitacionais (BONDUKI, 2014), número bastante relevante, mas ainda insuficiente frente ao processo de urbanização e favelização que já se constituía no Brasil.

3.2 REGIME MILITAR: PRODUÇÃO HABITACIONAL EM LARGA ESCALA