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Vulnerabilidade socioambiental

2. A QUESTÃO AMBIENTAL, URBANA E HABITACIONAL

2.1 A APROXIMAÇÃO ENTRE A QUESTÃO AMBIENTAL E URBANA

2.1.1 Vulnerabilidade socioambiental

A vulnerabilidade pode ser compreendida como um processo que associa a dinâmica social e as condições ambientais. A noção de vulnerabilidade social não é um assunto consolidado dentro da temática população e desenvolvimento porque recebe diferentes abordagens e parâmetros para sua verificação (DESCHAMPS 2008). Fatores como situação de pobreza, condição social, aspectos econômicos e demográficos e infraestrutura podem servir de balizadores para averiguar-se essa condição (MENDONÇA, 2004a; DESCHAMPS, 2008).

Segundo Deschamps (2004), a vulnerabilidade ambiental pode ser verificada nos “espaços concentradores de populações socialmente vulneráveis, vinculados a processos de segregação ambiental, onde se apresenta uma distribuição desigual do dano ambiental”, assim, o processo de vulnerabilidade socioambiental pode ser identificado nos espaços onde há a ocorrência de problemas sociais e ambientais. Ou seja, o fato dos espaços destinados aos mais pobres serem normalmente áreas

ambientalmente protegidas, e muitas vezes apresentarem situação de risco, denota a existência deste processo.

Vulnerabilidade e risco se associam, pois o estado de fragilidade, ou predisposição a determinada situação, gera uma condição de risco (DESCHAMPS, 2008). De acordo com Deschamps, há três formas para que uma situação prejudicial possa ocorrer:

(...) um evento potencialmente adverso, ou seja, um risco, que pode ser exógeno ou endógeno; incapacidade de responder positivamente diante de tal contingência; e impossibilidade para adaptar-se ao novo cenário gerado pela materialização do risco (2008, p. 194).

Assim, a vulnerabilidade socioambiental pode ser verificada pela predisposição encontrada nos grupos sociais mais pobres, pelo fato de estarem mais sujeitos diante da ocorrência de eventos ambientais e pela incapacidade desses mesmos grupos responderem a essas ocorrências (MENDONÇA, 2004a; DESCHAMPS, 2008). Podem ser destacadas como condição de vulnerabilidade socioambiental situações encontradas em áreas sujeitas a inundações e desmoronamentos ocupadas por populações de baixa renda.

A pesquisa enfoca a vulnerabilidade de famílias moradoras de áreas inundáveis, uma vez que os dois estudos de caso (Vila Torres e Vila Parolin) estão inseridos na sub-bacia do rio Belém, e possuem moradias precárias margeando o rio Belém ou seus afluentes (CURITIBA; COHAB-CT; IPPUC, 2007). Essas áreas recebem investimentos de órgãos públicos para que ocorra a eliminação das situações de risco. A intervenção em andamento na Vila Parolin, removeu moradias precárias nas margens do rio Vila Guaíra e as relocou para áreas do entorno do assentamento. No caso da Vila Torres, o setor denominado “Vila Prado” prevê a remoção das moradias precárias situadas ao longo do rio Belém, que serão remanejadas para unidades habitacionais na própria área ou em loteamento em outro bairro, conforme relatado no Capítulo 5.

Para Beck (2013, p. 42), “as possibilidades e capacidades de lidar com situações de risco, de contorná-las ou compensá-las, acabam sendo desigualmente distribuídas entre distintas camadas de renda e educação”. Entende-se, com isso, que as camadas de renda mais baixa, além de mais vulneráveis, têm menos possibilidades de responder ativamente a essas situações e necessitam que os

órgãos públicos intervenham de modo a minimizar a ocorrência de situações de risco ou de vulnerabilidade.

O autor adverte que o “núcleo da consciência de risco não está no presente e sim no futuro” e propõe que sejamos “ativos hoje para evitar e mitigar problemas ou crises do amanhã ou do depois de amanhã, para tomar precauções em relação a eles – ou então justamente não” (BECK, 2013, p. 40, grifo do autor). A ação sugerida pelo autor pode ser entendida como a aplicação de políticas públicas que possam minimizar os processos de vulnerabilidade socioambiental, bem como os processos de segregação urbana, uma vez que a ocupação em áreas de risco se associa a situações em que também há dificuldade de acesso ou ausência de infraestrutura urbana nos núcleos ocupados por famílias pobres, configurando uma situação de injustiça ambiental.

Os movimentos pela justiça ambiental, segundo Acserald (2002), alertam que a degradação do meio ambiente e a desigualdade social se relacionam com a chamada injustiça social, a partir da relação evidente entre a desigualdade e a exposição aos riscos ambientais. De acordo com esses “sujeitos sociais”, a superação da desigualdade ambiental e os princípios de justiça ambiental não serão promovidos pelo mercado. A injustiça social só poderá ser combatida por meio da democratização através da organização da sociedade.

A condição ambiental da cidade é determinada em grande parte pela forma como os riscos urbanos se relacionam com a forma como o espaço é ocupado, o que pode gerar problemas socioambientais urbanos de difícil solução para a atuação do poder público nas áreas mais necessitadas (JACOBI, 2010).

De acordo com Mendonça (2004a, p. 142), faz-se necessária uma ampla visão dos problemas socioambientais urbanos, considerando-se no estudo das mudanças bruscas da natureza e do meio ambiente igualmente “o envolvimento da análise socioeconômica, cultural e política da sociedade face aos riscos urbanos”.

Assim, pode-se supor que o processo de vulnerabilidade socioambiental está diretamente relacionado à condição de vida da população e se relaciona com a forma como o meio ambiente urbano é construído, e os locais destinados aos mais pobres frente à ineficiência do poder público de prover essa população e preservar o meio ambiente. Diante disso, existe uma clara diferenciação entre a forma de governar a cidade formal e a cidade informal (MARICATO, 1996; MENDONÇA, 2004a).

A cidade informal se caracteriza pela carência de saneamento ambiental, infraestrutura urbana, equipamentos públicos e serviços, associada à ilegalidade de ocupação do solo e pela ineficiência de investimentos do poder público. Na maioria das vezes, a cidade informal está localizada na periferia das cidades, todavia, também pode ser identificada nas regiões centrais. Além disso, quando existem investimentos nesses espaços, a manutenção é feita de forma precária, diferindo da manutenção oferecida à cidade formal ou cidade legal (MARICATO, 2011; 2013). Segundo Maricato, “o espaço urbano da moradia precária inclui as várias formas de provisão da moradia pobre: casas inacabadas, insalubres, congestionadas, localizadas (...) em áreas de risco geotécnico ou sujeitas a enchentes” (2011, p. 105).

Portanto, a condição de habitabilidade também pode ser utilizada como parâmetro para averiguar a condição de vulnerabilidade socioambiental, bem como a situação de propriedade do imóvel. Exemplificam-se os casos onde a moradia está situada em assentamento irregular ou em área não passível de regularização por ser considerada área de preservação permanente (APP). As duas áreas, objetos da pesquisa, apresentam situação de irregularidade fundiária. A Vila Torres é quase integralmente regularizada, porém o setor “Vila Prado” ainda está em processo de regularização. O restante da área foi regularizado nas décadas de 1980 e 1990. Todo o assentamento da Vila Parolin está em processo de regularização.

Assim, a vulnerabilidade socioambiental será analisada nos dois núcleos citados, averiguando-se a existência de risco e ocupação em áreas protegidas ambientalmente, ocorrência de inundação, infraestrutura, habitabilidade, pobreza e condição social. Como destacado, essas condições coexistem nos dois assentamentos, que passam por um processo de urbanização e regularização. A efetividade das intervenções promovidas pelo poder público é analisada no Capítulo 5.