• Nenhum resultado encontrado

Perante este panorama na tradição galo-românica (génese dos lais dependente de

No documento Do Canto à Escrita (páginas 78-81)

Maria Ana Ramos

6. Perante este panorama na tradição galo-românica (génese dos lais dependente de

património passado; um tipo de poema, que se auto-denomina, reconhecido pelo sucesso literário cortesão, sobretudo, perante o público feminino entre aventuras e maravilhoso; música e instrumentos musicais indissociados da composição, etc.), como se perfilham neste quadro os cinco lais galego-portugueses? Em primeiro lugar, a nomeação lai comparece nas didascálias. Podemos considerar que estes paratextos correspondem, de algum modo, ao Prólogo dos lais franceses, que surgiam integrados na própria contextura do poema. A estrutura galego-portuguesa

63 ROQUES, M. (1948), Le roman de Renart. I. branche, éd. d’après le manuscrit de Cangé par…, Paris,

H. Champion, 1948, p. 82.

64 M. P. Ferreira tem amplamente estudado a presença musical na produção galego-portuguesa profana,

tanto no plano iconográfico (miniaturas do Cancioneiro da Ajuda), como nas menções que ocorrem nos próprios textos (FERREIRA, M. P., Cantus coronatus. Sete cantigas d’amor d’El-Rei Dom Dinis (1279-1325): A

exclui-o, transformando-o numa razon para o lai, ou para a cantiga, separado formalmente da composição. O primeiro deles comparece precedido, mais de uma vez, pelo determinante – este –, Este lais fez Elis o Baço… e fez por ela este laix… Este

lais posemos aca… (B1)65. O mesmo determinante volta a ser usado na indicação da

última composição, Este laix fezeron donzelas… (B5)66.

Também antecedidas por determinante demonstrativo – esta – as composições

B2 e B3 já não trazem a menção a lais, mas a denominação cantiga (e não cantar67):

Esta cantiga é a primeira… (B2) na versão encurtada, em relação à que vai

comparecer antes do próprio lai. No fl. 4v, Colocci copiou apenas parte da rubrica na continuidade da incompleta Arte Poética e, só depois de cinco fólios em branco, deparamos com o início da cópia dos lais. Assim, para o lai, que está copiado em segundo lugar, temos o mesmo qualificativo – cantiga –: Esta cantiga fezeron quatro

donzelas… (B2); e, para o que é atribuído a Tristan, lemos curiosamente cantiga e

não lai ou lais: Don Tristan… fez est[a] cantiga (B3)68. A quarta composição (B4)

não traz qualquer indicação rubricativa, referente ao género, limitando-se a Don

Tristan, escrito por Colocci, como se o nome Tristan fosse suficiente para designar o

género de composição, [lai de] Don Tristan69.

65 «Este lais fez Elis o Baço, que foi Duc de Sansonha, quando pas[s]ou aa Gran Bretanha, que ora chaman

Ingraterra. E pas[s]ou lá no tempo de Rei Artur pera se combater con Tristan porque lhe matara o padre en ũa batalha. E andando ũu día en sa busca, foi pela Joiosa Guarda u era a Rainha Iseu de Cornoalha; e viu-a tan fremosa que adur lhe poderia home no mundo achar par, e namorou-se enton dela; e fez por ela este laix. Este lais posemos aca porque era o melhor que foi fe[i]to» (LAGARES, X. C., ‘E por esto fez este cantar’. Sobre as rubricas

explicativas dos cancioneiros profanos galego-portugueses, Santiago de Compostela, Laiovento, 2000, pp. 106; 180).

66 «Este laix fezeron donzelas a Don [L]ançaroth qua[n]do estava na Insoa da Lidiça, quand’o a Rainha

Genevra achou con a filha de Rei Peles e lhi defendeo que non pareces[s]e ant’ela» (ibid., pp. 109; 181).

67 A propósito das designações cantar e cantiga, que comparecem na produção galego-portuguesa, M.

Brea examina a distinção entre os dois usos com base na observação de Angelo Colocci, Cantar et cantiga

idem est [fl. 290r], referente à cantiga de Lopo Lias, A dona Maria soydade, presente no Cancioneiro Colocci- Brancuti (B). O humanista italiano apercebera-se de que, em relação a este trovador, as razós tanto designavam

as composições como cantiga (B 1338; B 1353, B 1354), ou como cantar (B 1350, B 1351, B 1355) (BREA, M. (1999/2008), «Cantar et cantiga idem est», in Homenaxe ó profesor Camilo Flores, ed. coord. por X. L. COUCEIRO, et al., Santiago de Compostela, II, pp. 93-108; republ. in Estudos sobre léxico dos trobadores, ed. A. F. GUIADANES, et al., coord. BREA, M., Santiago de Compostela, 2008, pp. 11-27 («Verba», Anexo 63)). J. C. Miranda voltou também a abordar esta questão terminológica com algumas premissas e estatísticas diversas, em relação ao ensaio de M. Brea (MIRANDA, J. C., «Cantar ou Cantiga? Sobre a designação genérica da poesia galego-portuguesa», in Aproximacións ao estudo do Vocabulario Trobadoresco, ed. ao cuidado de M. BREA e S. LÓPEz MARTíNEz-MORÁS, Santiago de Compostela, Xunta de Galicia, 2010, pp. 161-179).

68 Assim, a rubrica para B2 indica «Esta cantiga é a primeira que achamos que foi feita, e fezeron-na

quatro donzelas en tempo de Rei Artur a Maraot d’Irlanda por la […] …tornada en lenguagen palavra per palavra, e diz as[s]i» (LAGARES, X. C., op. cit., pp. 105; 179). E, antes da transcrição do lai, novamente a mesma menção a cantiga: «Esta cantiga fezeron quatro donzelas a Maroot d’Irlanda, en tempo de Rei Artur, porque Maroot filhava todalas donzelas que achava en guarda dos cavaleiros, se as podia conquerer deles, e enviava-as pera Irlanda pera seeren sempre en servidon da terra. E esto fazia el porque fora morto seu padre por razón dũa donzela que levava en guarda» (LAGARES, X. C., op. cit., pp. 107; 180); «Don Tristan, o Namorado, fez [e] sta cantiga» (Ibid., pp. 108; 181). Sobre a questão linguística, tornada en lenguagen palavra per palavra, veja-se o estudo de Y. F. VIEIRA («Tornada en lenguagen…, op. cit.).

69 A fama de Tristan talvez explique o laconismo deste caso, como sugere A. FERRARI («Lai», op. cit.,

No entanto, a designação lai, não está adstrita a estas rubricas. A forma vai também ser usada em conexão com o verbo cantar no próprio lai B5, Ledas sejamos

hojemais:

Ledas sejamos ogemais! E dancemos! Pois nos chegou e o Deus con nosco juntou

cantemos-lhe aqueste lais! (vv. 1-4)

E, além desta composição, e também agregada ao verbo cantar e à alegria (lidiça, ledo), a referência a lai, encontra-se num trovador dionisino. É Fernão Rodrigues Redondo que, na cantiga, Don Pedro, est[e] cunhado d’el-rei, B 1614 / V 1147, vai referir este tipo de composição lírica. A cantiga, precedida por uma rubrica nos dois canconeiros, B e V, remete para um envio a um cunhado do rei D. Denis: «Esta cantiga foi feita a Don Pedro d’Aragon por un cavaleiro seu moordomo que feriu endoado; e foi seguida doutra cantiga» 70

Mui ledo send’, u cantara seus lais

a sa lidiça pouco lhi durou (vv. 13-14)71

A subordinação do lai ao canto, não é surpreendente. A relação entre a música, o canto e o cantar encontra-se, como vimos, fortemente comprovada pela tradição francesa72.

70 LAGARES, X. C., op. cit., pp. 178; 227.

71 A cantiga menciona provavelmente o cunhado do rei D. Denis, infante D. Pedro de Aragão, filho bastardo

de Pedro III de Aragão e de Inés zapata. Meio irmão da rainha D. Isabel e, portanto, cunhado de D. Dinis, veio para Portugal em 1297, onde ficou. Foi casado com Constança Mendes da Silva, filha de Sueiro Mendes Petite, governador de Santarém. Fernan Rodriguez Redondo, filho do trovador Rodrigo Eanes Redondo e de Mor Fernandes de Curutelo, está ativo no reinado de D. Dinis e foi meirinho-mor entre 1317 e 1318. Aparece documentado em 1294, no testamento de D. Sancho Peres Froião, bispo do Porto. Vive em Santarém (o pai morre em 1314), onde falece, e onde está sepultado, juntamente com sua mulher, na igreja de S. Nicolau (OLIVEIRA, A. R. de, Depois do espectáculo trovadoresco. A estrutura dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e

XIV, Lisboa, Edições Colibri, 1994, pp. 344-345).

72 Se consideramos a própria procedência irlandesa para lai, interlúdio, o canto é indissociável da

performance textual. Mas os lais franceses não poupam a repetição ao canto e ao som (…notes retenir…; lais e notes a harper…; …mult sout de lais…; mult sout de notes…). Poderíamos recordar, mais uma vez, no Roman de Tristan, o episódio Le mariage com o intenso uso de chant e chanter: Qant la mort de sun ami sout. / Ysolt

chante molt dulcement, / […] / Trovë Ysolt chantant un lai. / Dit en rïant: "Dame, bien sai / Que l’en ot fresaië chanter / Contre de mort home parler, / Car sun chant signefie mort; / E vostre chant, cum je record, / […] / Ki chante dunt altre s’esmaie. / Bien devez vostre mort doter, / Qant vos dotez le mien chanter, / D’enseignez, de

pruz e de bels; / Chantent bels suns e pastureles. / […] / Chantent suns e chanz delitus. / Ben sai temprer harpë e rote / E chanter après à la note. / Riche raïne sai amer (LECOY, F. (ed.), Le roman de Tristan par Thomas, Paris,

No documento Do Canto à Escrita (páginas 78-81)