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Percepção e Características Urbanas

4.2 Percepção Geral dos Participantes

4.2.2 Percepção e Características Urbanas

A análise apresentada até o momento buscou relacionar a percepção capturada em relação às cenas com cores e linhas presentes nas imagens, de forma quantitativa, e com características urbanas presentes nas cenas, de forma qualitativa. Esta seção tem o objetivo de relacionar a percepção capturada com características urbanas [16] de forma quantitativa, características estas obtidas conforme explicitado na Seção 4.1.1. Por serem características de mais alto nível e mais próximas aos urbanistas, estas características podem contribuir para um melhor entendimento das percepções e consequente planejamento de ações por parte dos gestores.

De modo a capturar a relação das características urbanas com as preferências das cenas urbanas, e não com os valores em si do Q-Score, foi proposta uma variável denominada de avaliação de ranking. Esta variável foi criada aplicando uma transformação de ranking nas cenas de acordo com seus valores de Q-Score para agradabilidade e segurança. Esta transformação possibilita que modelos lineares sejam mais facilmente aplicáveis e resulta em uma configuração na qual a cena urbana melhor avaliada possui o maior valor da variável avaliação de ranking.

A Tabela 4.4 apresenta os modelos lineares relacionando a variável avaliação de ranking às características urbanas e ao bairro no qual a cena está localizada. Coeficientes positivos indicam que um maior valor do preditor está relacionado com um melhor ranqueamento da cena urbana, ou seja, existe uma associação positiva entre a variável avaliação de ranking e o preditor. Modelos lineares foram utilizados uma vez que autocorrelações espaciais não foram verificadas (o teste de Moran sobre os resíduos apresentou p-valores de 0, 09 e 0, 078 para agradabilidade e segurança, respectivamente). De modo a complementar a comparação entre as técnicas de ranqueamento apresentada na Seção 3.6 foram computados modelos como os da Tabela 4.4 para cada uma das estratégias de ranqueamento. Alguns comentários são pontuados abaixo sobre os resultados obtidos.

8Uma vez que os p-valores encontrados estão no limiar abaixo de 0,1 optou-se por realizar testes com

modelos espaciais, todavia os resultados qualitativos encontrados foram similares aos apresentados aqui com o modelo linear.

Tabela 4.4: Modelos lineares da avaliação de ranking para agradabilidade e segurança em função das características urbanas e do bairro das cenas. Os coeficientes e os erros são apresentados

Agrad. Segur.

(Intercept) −38,06· −52,28∗∗

(19,71) (20,45) Largura da rua (em pés) −0,09 0,09

(0,37) (0,39) Quantidade de carros em movimento −0,49 2,99· (1,72) (1,78) Quantidade de carros estacionados 1,04 1,67∗ (0,75) (0,78) Quantidade de ciclistas em movimento −0,61 −1,44

(4,01) (4,16) Condição de manutenção (nota entre 1 e 5) 23,62∗∗∗ 20,40∗∗∗

(3,42) (3,54) Quantidade de construções com identificadores −2,02∗ −1,25

(0,98) (1,01) Quantidade de árvores 2,63∗ 1,41

(1,16) (1,20) Log da Altura média das construções (em pés) 0,99 1,88

(3,33) (3,45) Quantidade de pessoas 0,00 2,68∗ (1,12) (1,16) Imagem é no Centro −1,10 9,28 (7,47) (7,75) Imagem é no Catolé 11,56· 8,85 (6,09) (6,32) Quantidade de construções diferentes 1,06 2,11

(1,49) (1,55) Presença de grafite −8,07 −14,13 (8,27) (8,58) R2 0,53 0,49 Adj. R2 0,46 0,42 Num. obs. 108 108 RMSE 23,01 23,87 ∗∗∗p < 0, 001,∗∗p < 0, 01,p < 0, 05,·p < 0, 1

Confirmando o que foi apontado na avaliação qualitativa da Seção 4.2.1, existe uma re- lação significativa e positiva entre agradabilidade e a quantidade de árvores (vegetação) em uma cena urbana, bem como entre agradabilidade e um bom estado de manutenção dos ele- mentos presentes na cena. Este efeito também foi percebido nos modelos construídos para os rankings do CrowdBT, do Best-Worst Scores e do ELO, porém para o ELO a quanti- dade de árvores foi apenas marginalmente significativa. O efeito negativo da quantidade de construções com identificadores também pode ser percebido em todos os modelos para agra- dabilidade, exceto para o modelo referente ao ELO. As relações entre vegetação [25; 50; 93; 130; 187] e locais bem mantidos [25; 93; 132] com beleza e agradabilidade já foram percebi- das pela literatura. O efeito negativo da quantidade de construções com identificadores pode estar relacionado a interpretação de propagandas como poluição visual e o efeito positivo do bairro do Catolé também é esperado uma vez que este é um bairro com bons níveis de manutenção de seus elementos e presença de árvores.

Em relação à segurança, existe uma relação positiva entre a percepção de segurança e a presença de mais pessoas, seja através da quantidade de pessoas nas ruas ou através da quantidade de carros estacionados, e entre segurança e uma boa condição de manutenção dos elementos presentes na cena. Estes efeitos são percebidos nos modelos construídos para todos os rankings. A importância de pessoas nas ruas e uma boa manutenção dos elementos presentes na cena para caminhabilidade foi demonstrado por Ewing e Clemente [16] e a percepção de caminhabilidade pode estar associada com as percepções de agradabilidade e segurança de locais. Estudos anteriores também encontraram relações entre a ordem física do ambiente [11; 25; 80; 116], ou ainda a ordem física associada ao contexto social [27; 112], e a percepção de segurança.

Uma relação positiva entre a proximidade de elementos humanos em parques e a percep- ção de segurança foi apontada por Schroeder e Anderson [25] e pode indicar que a presença de carros estacionados pode ser interpretada como a presença de pessoas em torno do local. Ainda neste contexto, Angel [189] apontou que áreas com pouca ou muita densidade de pe- destres estão sujeitas a pouca ocorrência de crimes e Nadai et al. [15] apontaram uma relação positiva entre presença de pessoas, vegetação e janelas voltadas para a rua com a percepção de segurança. Quercia et al. [128] também discute uma associação positiva entre percepção de segurança e áreas que representam locais de trabalho, que também pode ser um indicativo

de presença de pessoas. Estes resultados da literatura juntamente com os resultados aqui obtidos suportam a ideia de que locais nos quais existem “olhos da rua” [40] são percebidos como mais seguros.

Além dos resultados acima, alguns pontos inesperados foram percebidos. Primeiramente, não se esperava valores tão altos para o R2 uma vez que as percepções estão relacionadas com experiências passadas e estilo de vida das pessoas [6; 7; 8; 9; 10; 11; 24; 97; 103; 104] e os modelos acima consideram apenas características objetivas das cenas urbanas. Em segundo lugar, não foi possível perceber uma relação significativa entre a presença de grafite e agradabilidade ou segurança, apesar de trabalhos anteriores terem apontado esta relação para segurança [25; 87] ou beleza [25]. Uma vez que o efeito do estado de manutenção do espaço foi significativo para as cenas avaliadas, tanto para agradabilidade quanto para segurança, pode ter ocorrido uma sobreposição do efeito da condição de manutenção sobre a presença de grafite uma vez que os locais que apresentam grafite são locais com baixos níveis de manutenção de seus elementos. Finalmente, indicadores da presença de pessoas foram associados positivamente com a percepção de segurança, porém nenhuma associação significativa pode ser percebida com a percepção de agradabilidade.

A relação positiva entre carros e a percepção de segurança pode apontar uma particula- ridade do cenário brasileiro, à medida que carros foram associados com pouca caminhabi- lidade [190]. O Brasil tem uma cultura marcadamente orientada a carros na qual o carro é visto como um objeto associado à riqueza, ao status social e a uma maior sensação de se- gurança [191]. O carro pode, ainda, ser visto como uma forma de se evitar o pobre sistema de transporte público [191]. Além disso, existe uma cultura predominante no planejamento urbano realizado pelos governantes que tipicamente foca em alargar as ruas para os carros ao invés de realizar investimentos visando melhorias no sistema de transporte público ou melhorias das ruas para os pedestres [192].

A análise aqui realizada considerando os modelos lineares para as diferentes estratégias de ranqueamento teve o objetivo de complementar a comparação realizada na Seção 3.6. É importante destacar que as semelhanças e diferenças encontradas indicam a necessidade de avaliação das técnicas em outras bases de dados de modo a complementar os resultados aqui obtidos e, assim, construir conhecimento sobre o funcionamento destas técnicas em diferentes contextos.