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Percursos e tendências na recente música baiana

A década de 1980 é um marco para a indústria musical bra- sileira e, em especial, para a baiana, em função da crescente diver- sificação e segmentação do mercado, em parte impulsionadas pelo avanço tecnológico que permitiu uma abertura de espaços para no- vos produtos, sem com isso abalar uma tendência do mercado que era de investir tanto em campos de produção mais amplos quanto nos mais restritos, direcionado às várias linguagens do pop, do rock e do regional, com suas atitudes e estilos próprios. Essa segmenta- ção do mercado contribuiu para a pluralização do samba fazendo-o florescer em múltiplos contextos, trajando outras roupagens. É nes- sa transversalização entre o “samba identidade nacional”, ritmo ele- vado à condição de expressão genuinamente brasileira, e a música urbana das massas que o pagode emerge, na década seguinte, como uma releitura à moda baiana.

É, portanto, na década de 1990 que se consolida essa tendên- cia e a produção baiana se firma como um polo promissor, tanto do ponto de vista econômico, quanto no dinamismo e na capacidade de reinvenção e criação de novos modismos musicais. Essa virada significativa no cenário musical baiano se deu a partir da incorpo- ração de elementos da tradição popular e do aparato mercadológico e tecnológico da expressiva indústria musical massiva. É, também,

a partir desse momento que a indústria fonográfica e a do turismo consolidam a Bahia como metrópole regional de cultura singular.

Nesse período, a mídia e o marketing do turismo abrem pos- sibilidades de promoção social na Bahia, espetacularizando suas tradições culturais. Com isso, as camadas populares ganham visi- bilidade e passam a ser introduzidas como novidade e como objeto de consumo para as camadas médias. Nesse sentido, Ordep Serra (apud SANTOS, 2006) adverte que é necessário olhar com atenção para essa apropriação simbólica dos valores produzidos pelas ca- madas populares para exibir uma imagem positiva do conjunto da Bahia, quando, paradoxalmente, se observa um processo de exclu- são contínuo verificável, inclusive, no próprio contexto do carnaval. Na contemporaneidade, com a emergência da Antropologia Urbana e dos Estudos Feministas, que conseguiram quebrar com as especificidades e abriram caminho para a análise do cotidiano, perspectiva que fez mudar os procedimentos de análise das Ciências Sociais, abriu-se também possibilidade de análise da outrora deno- minada cultura popular, ou “baixa cultura”, e da mídia. Atualmente, a cultura popular se legitima, validando todas as formas de produção cultural que foram colocadas à margem pela perspectiva da Moder- nidade, e dessa forma, as expressões culturais de um povo passaram a ser estudadas, como é o caso do samba e, com esta pesquisa, aquilo que, na Bahia, se denominou de pagode.

Originário do samba e dos batuques de matriz africana, o pa- gode, na Bahia, está diretamente relacionado à sociabilidade e aos espaços onde acontecem as rodas de samba, os batuques: bairros, praias e festas populares. Conforme relata Armindo Bião (1999), esse aspecto se inscreve numa tradição da cidade do Salvador e do Recôncavo Baiano de folguedos e batuques populares do tipo samba de roda, onde muitas pessoas participam dançando e cantando, ocu- pando um espaço circular definido pelos presentes que se alternam individualmente ou em duplas. No centro da roda, acontecem evo- luções coreográficas marcadas pela sedução, desafios e elementos dramáticos de grande interação.

Para Martín-Barbero, esse caminho que levou a música, no Brasil, da roda de samba e seu espaço ritual, que são os terreiros de candomblé, ao rádio e ao disco passa por uma multiplicidade de processos que podem ser organizados ao redor de dois momentos: o da incorporação social do gesto negro produtivo e o da legitimação cultural que esse gesto continha ao se tornar “popular-massivo”, isto é, um “contraditório campo de afirmação do ócio, do sexo, do reli- gioso e do político” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 245).

Nas palavras de Moura (1996, p. 59), os atuais composi- tores de pagode “aproveitaram a brecha da civilização moderna e ismiscuíram-se pelas ondas do rádio e nos reapresentaram, evidentemente reformatadas, as vilas do Recôncavo e os quin- tais de Salvador”. Esse processo de deslocamento do sucesso da música baiana dos aglomerados festivos das multidões nas ruas, como os batuques e rodas de samba, para outros espaços de massas urbanas no cenário contemporâneo começa a se in- tensificar no final da década de 1980 ganhando uma dimensão espetacular com o desenvolvimento da indústria fonográfica na Bahia, na década seguinte, bem como com a profissionalização do Carnaval, transformações propiciadas pela indústria cultural a partir do advento de reafricanização da Bahia, na década de 70, e da “axé music”, nos anos 80 e 90, um período, segundo Godi (1997, p. 81), no qual acontece “a passagem de um sentido social de multidão para um sentido social de massa”. Daí a im- portância do Carnaval, tanto para o processo de reafricanização como para a própria “axé music”.

Conforme nos lembra Guerreiro (1997, p. 117), é quando

[...] uma produção local passa a se inserir em um fluxo de globalização do mercado musical que privilegia sobremaneira uma musicalidade ‘étni- ca’ na qual esta produção se encaixa como luva, na medida em que recria sonoridades africanas, mesclando-as com ritmos brasileiros e caribenhos.

O pagode, na intenção de prazer e identidade de massa, incor- pora à sua melodia performances e coreografias dentro do aparato mercadológico dos grandes eventos musicais e festivos que se inten- sificaram com a sua expansão para outras cidades e regiões a partir das micaretas e dos “carnavais fora de época”.

Das margens ao centro: