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3 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E A RESPONSABILIDA CIVIL

3.4 A perda de uma chance na adoção

A teoria da perda de uma chance também encontra espaço no direito de família, tendo em vista que, em determinados casos, ações ou omissões podem acarretar subtração de uma oportunidade futura ou impossibilidade de se evitar um prejuízo no passado. Essas ações ou omissões podem ter reflexos tanto na esfera patrimonial quanto na extrapatrimonial.

Cabe a ressalva de que o dano patrimonial se constitui em uma lesão ao interesse pecuniário da vítima, enquanto o dano moral atinge bens intangíveis, na maioria das vezes envolvendo os direitos da personalidade de uma pessoa natural, tais como a honra, o nome, a intimidade e a imagem. Assim, no dano patrimonial, o bem jurídico afetado é o patrimônio, enquanto, no dano moral, o bem atingido é extrapatrimonial:

O dano patrimonial, portanto, é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por reposição em dinheiro, denominador comum da indenização. [...]. Dano moral ou extrapatrimonial é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. (VENOSA, 2017b, p. 415-418).

E, para que seja configurada a perda de uma chance nessa seara, necessita-se que estejam presentes os elementos básicos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta culposa, o dano e o nexo de causalidade, bem como a existência de chance séria e real, não podendo constituir mera esperança. Da mesma forma, a regra da responsabilidade civil, incluindo o instituto da perda de uma chance, depende de ato ilícito comprovado.

De acordo com Gonçalves (2017, p. 28): “Ato ilícito é, portanto, fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado (CC, art. 927). É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano para outrem.” Nota-se que o emprego da responsabilidade civil no direito das famílias origina a obrigação de indenizar quando realizado um ato ilícito na esfera do núcleo familiar.

Como consequência lógica do fato de a teoria da perda de uma chance estar inserida e ter aplicabilidade no âmbito do direito de família, conclui-se que esta poderá ser utilizada no instituto da adoção.

A adoção possui caráter de irrevogabilidade, de acordo com o disposto no artigo 39, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.” (BRASIL, 2019f, s.p.). Dessa maneira, a irretratabilidade do ato constitui requisito essencial para adoção. E, como recém mencionado, o Estatuto da Criança e do Adolescente impõe esta característica à formalização do ato, na medida em que, uma vez perfectibilizado, não se desfaz:

A irrevogabilidade da adoção após o trânsito em julgado da sentença, estabelecida expressamente no art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pressupõe ato jurídico perfeito e fundamenta-se na equiparação estabelecida no § 6º do art. 226 da Constituição Federal e mantida também no § 1º do art. 39, ECA, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.010/2009. (PEREIRA, 2018a, p. 380).

No entanto, apesar da adoção ser irretratável e irrevogável, observam-se casos em que os adotantes requerem a revogação da medida, em clara contrariedade ao instituto. É o que revela Dias (2016, p. 820) em sua obra: “Como a adoção é irrevogável (ECA 39 § 1.º), rompe todos os laços com a família biológica. Ainda assim, com certa frequência simplesmente os adotantes ‘devolvem’ o filho que adotaram. Tal situação não está prevista na lei, mas infelizmente é algo que existe.”

Em muitos casos, adotantes e adotados não conseguem constituir os laços afetivos necessários à constituição da entidade familiar. Como jamais a culpa poderá ser repassada à criança ou adolescente, com o objetivo de amenizar o problema, a jurisprudência vem impondo condenação aos pais desistentes, por meio de pagamento de alimentos ao adotado abandonado (assunto que será abordado com maior profundidade no próximo item):

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PAGAMENTO DE PENSÃO A MENOR ADOTADO - ABANDONO - NECESSIDADE DE AMPARO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. A

presença dos requisitos estampados no art. 273 do CPC viabiliza a antecipação dos efeitos da tutela. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Sendo a adoção medida excepcional e irrevogável, bem como dever da família assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária do menor, há de se deferir a antecipação de tutela para depósito de pensão à menor adotada e abandonada pelos seus pais. (MINAS GERAIS, 2020b, s.p.).

Sob esta ótica, pode-se afirmar que é plenamente aplicável a teoria da perda de uma chance nos casos de revogação da adoção. Eis que resta evidenciada a frustração de uma oportunidade clara de a criança ou adolescente pertencer a uma entidade familiar. A retratação do ato pode gerar desde danos de ordem econômica como de fundo psíquico. Conforme interpreta Cristiano Chaves de Faria (2020, s.p.):

Com efeito, no campo das relações afetivas e patrimoniais de família é possível a prática de determinadas condutas, comissivas ou omissivas, que impliquem em subtrair de alguém oportunidades futuras concretas de obter situações favoráveis de conteúdo econômico, ou não – o que viabiliza o reconhecimento da perda de uma chance.

Sem dúvidas o infante ou adolescente adotando acreditou que estaria em uma nova família, acolhido e seguro, o que realmente deveria acontecer. Porém, com a revogação da adoção, por parte dos adotantes, ocorre a perda da chance de o menor crescer em uma família, mesmo que substituta. E, como já dito, esta desconstituição pode ocasionar ao adotando a perda de chances concretas na esfera patrimonial e certamente do âmbito extrapatrimonial:

A devolução chama muito mais nossa atenção porque se constitui como uma experiência que reedita o abandono. É desse ângulo que se enfatiza que as consequências para a criança podem ser intensificadas em relação aos seus sentimentos de rejeição, abandono e desamparo. (GHIRARDI, 2017, p. 1).

A perda de se obter benefício futuro resta clara ao analisar as peculiaridades que envolvem o processo de adoção. Iniciada a convivência entre os menores e seus futuros pais, há o desligamento do menor dos cadastros de adoção, consoante disposto no artigo 9º da Resolução nº 289, de 14 de agosto de 2019: “A Guia Nacional de Acolhimento e a Guia Nacional de Desligamento de Crianças e Adolescentes Acolhidos deverão ser obrigatoriamente emitidas no sistema para todas as crianças e adolescentes cuja medida protetiva de acolhimento tenha sido aplicada.” (BRASIL, 2020c, s.p.).

Portanto, ao iniciar o estágio de convivência com os adotantes (que posteriormente irão desistir da adoção), sendo o infante ou o adolescente desligado da lista de menores que aguardam acolhimento, a oportunidade de ser adotado por outra família lhe é retirada. Da mesma forma, é consabido que menores “devolvidos”, no início da puberdade ou idade superior, possuem poucas perspectivas de serem novamente acolhidos por outra família. É o que demonstra o Ministério Público do Paraná (2019, s.p., grifo nosso):

Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção, existem no país 5.021 crianças e adolescentes aguardando famílias substitutas [...] Das cerca 5 mil crianças e adolescentes cadastradas no Brasil, 91,94% têm mais de seis anos de idade [...] Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que, entre os 42.480 pretendentes à adoção, 86,73% não aceitam adotar crianças com mais de seis anos de idade.

Salienta-se que, a exemplo de outras áreas do direito, a situação deverá ser analisada no âmbito familiar da forma que se apresenta no caso concreto, para que se afira se corresponde a uma chance real e séria, por meio do princípio da razoabilidade. Desta maneira, caberá ao magistrado fixar o valor da indenização pela perda de uma chance com base no grau de probabilidade de se conseguir um resultado ou de ter se evitado um prejuízo.

Conclui-se que, apesar da condição de irrevogabilidade da adoção, não se busca manter o adotado com sua nova família a qualquer custo. Frisa-se que o principal objetivo da adoção é garantir o interesse e o bem estar da criança ou do adolescente, partindo sempre da premissa da dignidade da pessoa humana. Porém, no caso de “devolução” do menor ou ocorrendo a prática de condutas que levem à destituição do poder familiar – as quais resultem em inevitável ato de revogação, – os danos dela resultantes (seja de ordem moral, material, e inclusive a perda de chances) deverão ser reparados.

3.5 Da responsabilidade civil dos adotantes e da indenização por danos morais e

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