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A perda de uma chance na adoção e a (ir)responsabilidade civil

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Academic year: 2021

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SUL – UNIJUÍ

ALESSANDRA ISABEL HAUSMANN ERTHAL

A PERDA DE UMA CHANCE NA ADOÇÃO E A (IR)RESPONSABILIDADE CIVIL

Três Passos (RS) 2020

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ALESSANDRA ISABEL HAUSMANN ERTHAL

A PERDA DE UMA CHANCE NA ADOÇÃO E A (IR)RESPONSABILIDADE CIVIL

Trabalho de Conclusão do Curso da Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, objetivando obter aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Lisiane Beatriz Wickert

Três Passos (RS) 2020

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Dedico este trabalho aos meus pais, Edite e Gilmar, por acreditarem na importância da educação e por terem me oportunizado viver e alcançar essa vitória. São minha base e fonte de inspiração. Em um gesto de carinho e respeito dedico-o, igualmente, às crianças e aos adolescentes brasileiros que aguardam a adoção nas instituições de acolhimento.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é reconhecer que a vida é um presente. E, por isso, agradeço em um primeiro momento a Deus, por me fortalecer nessa caminhada e por abençoar minha trajetória, colocando sempre em meu caminho pessoas especiais.

Aos meus pais Edite e Gilmar, pela vida e pelos valores que me ensinaram, guiando meus passos pela estrada do bem e estando ao meu lado em todos os momentos, bem como pelo amor incondicional com que envolvem a nossa família. É impossível expressar em palavras meu amor e gratidão. Sou grata por me proporcionarem esse aprendizado.

Aos meus irmãos, Marcelo e Eduardo, pelo apoio, incentivo e proteção; por serem, além de irmãos, grandes amigos. Agradeço a toda minha família, pelo incentivo e ajuda, em especial aos meus amados tios Maria e Cadu, por me auxiliarem nesta jornada.

Agradeço imensamente a minha orientadora e professora Lisiane Beatriz Wickert pela paciência, apoio e dedicação na realização desta pesquisa, bem como pelo privilégio de seus valiosos ensinamentos durante toda a minha caminhada acadêmica. Conduziu-me e acreditou no meu potencial. Estendo meu agradecimento à Instituição e a todos os demais professores do Curso de Direito da Unijuí que fizeram parte de minha vida acadêmica.

Ao meu amado Tiago, presente antes mesmo do início dessa trajetória, por todo apoio, coragem e proteção, por acreditar e viver comigo mais esse sonho. Registro um agradecimento a todos os amigos pela paciência e compreensão de minha ausência durante meu período acadêmico. Aos amigos encontrados no caminho, por tornarem o percurso mais simples e alegre. Gratidão!

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Brincando de carrinho Ou de bola de gude Criança quer carinho Criança quer saúde Chutando uma bola Ou fazendo um amigo Criança quer escola Criança quer abrigo Lendo um gibi

Ou girando um bambolê Criança quer sorrir Criança quer crescer

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise acerca da relação da adoção e seu caráter de irrevogabilidade, e a possibilidade da responsabilização civil dos adotantes pela perda de uma chance quando da revogação ou devolução do adotando. Como ponto de partida, aborda os aspectos históricos da adoção e seus requisitos à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, enfatizando seu caráter de irrevogabilidade. Na sequência, examina as hipóteses de destituição e suspensão do poder familiar, com o objetivo de demonstrar o melhor interesse da criança e do adolescente, relacionando o tema com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Por conseguinte, faz uma análise sobre a teoria da perda de uma chance, apontando os pressupostos gerais da responsabilidade civil, asseverando a possibilidade da utilização desse instituto no direito brasileiro, principalmente na esfera do direito de família, aplicando a teoria da perda de uma chance na adoção. Por fim, verificando a realidade brasileira, na qual se mostra crescente o número de crianças e adolescentes adotandos devolvidos à instituição de acolhimento, adentra-se na discussão da responsabilização civil dos adotantes pela prática dessa conduta e quais as espécies de danos gerados, passando-se, posteriormente, a uma análise de casos já julgados relativos à matéria.

Palavras-chave: Adoção. Crianças e Adolescentes. Dignidade. Devolução. Responsabilidade

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ABSTRACT

The current completion paper work analyzes the relation to the adoption and its irrevocability character, also the possibility of the adopter’s civil responsabilization by the loss of the chance for the adopting revocation or devolution. Initially it addresses the adoption historic aspects and its requirements regarding to the Child and Adolescent Statute, emphasizing its irrevocability character. After that, it checks the hypotheses of the family’s power destitution and suspension, aiming to demonstrate the better child and adolescent interests, relating the theme to the fundamental concept of the human dignity. Then, it analyzes the loss of a chance theory, pointing out the general assumption civil responsibility, asserting the utilization possibility of this institute in the Brazilian Law, mainly in the family’s Law sphere, applying the loss adoption chance theory. Lastly, checking the Brazilian reality, that shows the increasingly number of adopting child and adolescent who are sent back to the host institution, which goes into a discussion about the adopters civil responsabilization to this practice and the kind of harm engendered by it, going through afterwards, to an already judged cases analyze related to the issue.

Key Words: Adoption. Children and Adolescents. Dignity. Devolution. Civil Responsibility.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ADOÇÃO NO BRASIL ... 10

2.1 Aspectos históricos da adoção ... 10

2.2 Adoção à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente e seu caráter de irrevogabilidade ... 13

2.3 Poder familiar, destituição, suspensão e o melhor interesse da criança ... 22

2.4 Adoção e o princípio da dignidade da pessoa humana ... 28

3 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E A RESPONSABILIDA CIVIL . 31 3.1 Instituto da teoria da perda de uma chance ... 32

3.2 Pressupostos da responsabilidade civil ... 35

3.3 Responsabilidade civil pela perda de uma chance ... 40

3.4 A perda de uma chance na adoção ... 45

3.5 Da responsabilidade civil dos adotantes e da indenização por danos morais e prestação de alimentos ... 48

3.6 Análise jurisprudencial do instituto da perda de um chance na adoção ... 52

4 CONCLUSÃO ... 56

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva o estudo acerca da possibilidade de responsabilização civil dos adotantes em face da perda de uma chance pelos adotados. Este prejuízo, conforme se demonstrará, seria constatável tanto na devolução do infante ou adolescente quanto pela revogação da adoção motivada pelos pais adotivos. A pesquisa irá perpassar pelo instituto da adoção e seu caráter de irrevogabilidade, sob o ponto de vista socioafetivo e jurídico, relacionando-o com a análise da teoria da perda de uma chance e sua utilização no direito brasileiro, com ênfase no âmbito do direito de família.

Utilizar-se-á, como ponto referencial, a Constituição Federal promulgada no ano de 1988, na qual restaram equiparados os direitos dos filhos, sejam estes naturais ou adotados. Este marco fundamental da legislação pátria assegurou um melhor tratamento à criança e adolescente inseridos em uma nova família. Concepção esta complementada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que consagrou a doutrina da proteção integral e estabeleceu o princípio do melhor interesse da criança. E sob esta ótica, analisar as hipóteses de destituição e suspensão do poder familiar, com fundamento no melhor interesse do infante, bem como os impactos gerados diante desse tipo de situação.

Para o respectivo desenvolvimento do tema, o estudo foi dividido em dois capítulos. No primeiro, é realizada uma retomada histórica do instituto da adoção no Brasil e sua trajetória até a efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aprofundando-nos no assunto, serão abordados os requisitos da adoção, com ênfase em seu caráter de irrevogabilidade. Consequentemente serão tratados o poder familiar e as hipóteses legais de destituição e suspensão em prol do melhor interesse da criança e do adolescente. O capítulo se encerra com a análise do instituto da adoção sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana.

Por sua vez, o segundo capítulo contemplará a teoria da perda de uma chance e a sua trajetória no direito brasileiro, enquadrando-a como uma nova modalidade de dano dentro do tema da responsabilidade civil, abordando, de forma detalhada, a origem e a evolução doutrinária do tema. Ato contínuo, verificar-se-á a possibilidade da utilização do instituto da perda de uma chance no direito brasileiro, o qual, mesmo sem previsão legal, vem sendo cada vez mais aceito pela doutrina e pela jurisprudência. Propõe, ainda, um breve estudo dos pressupostos da responsabilidade civil, para, ao final, discutir a aplicabilidade da perda de uma chance no instituto da adoção, bem como a possibilidade concreta de responsabilização dos adotantes.

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A abordagem do tema proposto se justifica na verificação da realidade brasileira, em que se mostra crescente o número de crianças e adolescentes adotandos devolvidos à instituição de acolhimento, o que, por óbvio, acarreta-lhes danos de ordem social, jurídica e econômica. Diante dessa problemática, na qual a falta de previsão legal é a regra – em tese os infantes e adolescentes não poderiam ser devolvidos e, portanto, sequer indenizados – se faz necessário o aprofundamento no estudo dos institutos principiológicos e construções jurisprudenciais.

Finalmente, para a consecução do trabalho, utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica, consistente na consulta detalhada a livros e artigos científicos, estes disponíveis tanto em meio físico quanto digital e cujos argumentos restaram desenvolvidos pela metodologia hipotético-dedutiva.

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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA ADOÇÃO NO BRASIL

A adoção pode ser compreendida como um ato jurídico pelo qual se cria um vínculo de filiação entre duas pessoas, que independe de laços consanguíneos ou afins. Na concepção de Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 181), a adoção é “o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”.

No ano de 1988, por meio da promulgação da Constituição Federal, restaram equiparados os direitos dos filhos naturais com os dos adotados, o que garantiu um melhor tratamento à criança e ao adolescente inseridos em uma nova família (BRASIL, 2019a, s.p.). E, com o advento do artigo 227 da Carta Magna, buscou-se a proteção integral dos menores.

Posteriormente, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, originou-se uma nova classe de direitos referentes ao tratamento e proteção da criança e do adolescente, abandonando-se o vetusto Código de Menores. O novo Estatuto trouxe grande evolução ao direito da criança e do adolescente (BRASIL, 2019f, s.p.).

Esse novo ordenamento analisa o direito do infante inserido em uma família, bem como garante o atendimento de seus direitos humanos fundamentais, os quais, na medida em que desrespeitados, ensejam a imposição de medidas que visem assegurar a proteção integral da criança ou do adolescente.

Feitas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo tem por objetivo analisar o tema historicamente, ou seja, a evolução temporal da adoção e sua contextualização no sistema brasileiro, em especial no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como suas formas de destituição. De igual modo, busca-se, por meio dos direitos fundamentais, visualizar a adoção sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana.

2.1 Aspectos históricos da adoção

Inicialmente, o instituto da adoção surgiu para assegurar a continuidade da família, especialmente no caso de pessoas que não poderiam ter filhos biológicos. Na época, a adoção era vista também como um ato de caridade. Conforme elucida a matéria da revista Em

discussão! (SENADO FEDERAL, 2013), a prática da adoção, no Brasil, desde a fase da

Colônia até o Império, era admitida por meio do sistema português.

No período colonial, a proteção da criança abandonada não era exercida pelo Estado, sequer pela Igreja, cujo auxílio se resumia a esparsas contribuições financeiras (PAIVA, 2004).

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Na época, apesar de não ter sido sistematizado o instituto da adoção no Brasil, seu desenvolvimento ocorrera com base nas Ordenações Filipinas. Sobre o tema, Ana Andréa Barbosa Maux e Elza Dutra (2019, p. 359) trazem importante visão sociocultural do período:

A história da adoção tem um percurso extenso no Brasil e se faz presente desde a época da colonização. A princípio esteve relacionada com caridade, em que os mais ricos prestavam assistência aos mais pobres. Era comum haver no interior da casa das pessoas abastadas filhos de terceiros, chamados “filhos de criação”.

Nesse contexto, Leila Dutra de Paiva (2004, p. 44) acrescenta que a prática de acolhimento se expandia e perdurava no Brasil por dois motivos – a ideia de caridade cristã que a Igreja doutrinava, e pela possibilidade de os acolhidos servirem como mão de obra gratuita:

[...] as famílias brasileiras cultivaram o hábito de criar os filhos alheios, os chamados “filhos de criação”, sem qualquer documentação ou formalização. No Brasil, este foi o sistema mais difundido de proteção à infância, por duas razões principais: a caridade cristã estimulada pela Igreja (motivo religioso) e o fato de os agregados representarem um complemento ideal de mão-de-obra gratuita para as famílias que os acolhiam (motivo econômico).

Fora apenas na segunda década do século XX, por meio do Código Civil instituído pela Lei nº 3.071 de 1916, que a adoção restou regulamentada no Brasil. O tema foi abordado do artigo 368 ao 378 da lei subjetiva. O Código Civil de 1916 estabelecia que só os maiores de 50 anos, sem prole legítima, poderiam exercer o direito de adotar (BRASIL, 2019b).

Diante de mencionada disposição, observa-se que a adoção era patriarcal, pois visava, primeiramente, a pessoa dos adotantes, no dizer de Gustavo Sacf de Molon (2009, s.p.): “Note-se que a exigência de que o adotante não tives“Note-se filhos legítimos ou legitimados comprova que a finalidade primordial da adoção era suprir a vontade de pessoas inférteis e não proteger a criança e garantir seu direito de ser criada em uma família.”

No decorrer do tempo, o instituto da adoção sistematizado pelo Código Civil de 1916 sofreu consideráveis alterações, as quais foram introduzidas pela Lei nº 3.133, de 08 de maio de 1957 (BRASIL, 2019c). Uma relevante modificação foi a questão da idade dos adotantes, permitindo que pessoas a partir de 30 anos de idade já pudessem adotar. Outra alteração que merece destaque foi o fato de que se tornou desnecessária a inexistência de prole legítima. Com essas mudanças apresentadas pela Lei de 1957, verificou-se que o legislador trouxe facilitações, como maneira de estimular a adoção.

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Enquanto, dentro da sua estrutura tradicional, o escopo da adoção era atender ao justo interesse do adotante, de trazer para sua família e na condição de filho uma pessoa estranha, a adoção (cuja difusão o legislador almejava) passou a ter, na forma que lhe deu a lei de 1957, uma finalidade assistencial, ou seja, a de ser, principalmente, um meio de melhorar a condição do adotado.

Posteriormente, no ano de 1965, com o advento da Lei nº 4.655 foi incorporado no sistema jurídico a chamada legitimação adotiva (BRASIL, 2019d). Esta objetivava a proteção do menor abandonado ou órfão de pais desconhecidos de até 07 anos de idade, estabelecendo um vínculo entre adotante e adotado, no qual “conferia ao filho adotivo os mesmos direitos de um filho legítimo e que, ao mesmo tempo, interrompia todos os vínculos daquele com a família biológica” (PAIVA, 2004, p. 45).

Com a chegada do Código de Menores no final de 1979 (Lei nº 6.697/79), a legitimação adotiva restou revogada pela chamada adoção plena (BRASIL, 2019e). Durante sua vigência, por certo tempo existiram duas espécies de adoção – a adoção simples, fundamentada na forma tradicional do Código Civil, e a adoção plena:

Por um período, portanto, tivemos em nosso sistema, tal como no direito romano, duas modalidades, adoção plena e adoção simples. Esta última mantinha em linhas gerais os princípios do Código Civil. A adoção plena, que exigia requisitos mais amplos, por outro lado, inseria o adotado integralmente na nova família, como se fosse filho biológico. O assento de nascimento era alterado, para que não fosse revelada a origem da filiação, substituindo-se os nomes dos avós. (VENOSA, 2017a, p. 294).

A adoção simples regulamentava a adoção de menores com até 18 anos, gerando parentesco civil entre adotante e adotado. Porém este instituto se constituía na forma de direito disponível, sendo revogável pelo querer das partes, bem como mantinha os direitos e deveres do parentesco natural antecedente. Logo, a adoção simples “dava origem a um parentesco civil somente entre adotante e adotado sem desvincular o último da sua família de sangue, era revogável pela vontade das partes e não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural” (GONÇALVES, 2018, p. 183).

Por sua vez, a adoção plena, como aponta Venosa (2017a), era aplicada ao menor em “situação irregular”, e inseria o adotado de maneira integral na nova família, como se filho biológico fosse, retificando seu registro de nascimento, considerado extinto o parentesco biológico antecedente, constituindo hipótese de adoção irrevogável.

Finalmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram equiparados os direitos dos filhos naturais e adotados. O parágrafo 6.º do artigo 227 da Carta Política estabeleceu que: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à

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filiação.” (BRASIL, 2019a, s.p.).

Com o advento da Carta Magna se oportunizou um novo tratamento à criança e ao adolescente inseridos em uma nova família, que por meio do artigo 227 buscou garantir a integração e a proteção das crianças e dos adolescentes. Nesse sentido, preceitua Paulo Lôbo (2011, p. 272):

No Brasil, após a Constituição de 1988, não há mais filho adotivo, mas adoção, entendida como meio para filiação, que é única. A partir do momento em que a adoção se conclui, com a sentença judicial e o registro de nascimento, o adotado se converte integralmente em filho. Em preceito arrojado e avançado, que inaugurou verdadeira revolução na matéria, a Constituição (art. 227, § 6º) estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Nos quatrocentos e oitenta e oito anos anteriores da história da sociedade e do direito brasileiros, perdurou o princípio da desigualdade e a clara distinção entre filho legítimo e filho adotivo, que não se integrava totalmente à família adotante.

Fundamentando na Constituição Cidadã, e alicerçado a insatisfação social com o Código de Menores, no ano de 1990 criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio da Lei nº 8.069/90, tendo como norte o artigo 227 da Constituição Federal, objetivando a proteção integral de toda criança e adolescente e não apenas daqueles que se encontravam em situação irregular (BRASIL, 2019f, s.p.). A referida Lei extinguiu a diferenciação entre adoção simples e adoção plena, incorporando-se os efeitos desta última, tratando da adoção dos menores de 18 anos de uma só forma.

2.2 Adoção à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente e seu caráter de irrevogabilidade

A promulgação da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, usualmente conhecida como ECA, representou um grande avanço no ordenamento brasileiro em relação às políticas públicas em favor da criança e do adolescente, especialmente no que se diz à adoção. Esses novos contornos conferidos ao instituto da adoção são bens expostos por Sílvio de Salvo Venosa (2017a, p. 294, grifo nosso), que leciona:

O Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente quanto à adoção, descreve que a criança ou adolescente tem direito fundamental de ser criado e educado no seio de uma família, natural ou substituta (art. 1º). O estatuto considera a criança e o adolescente sujeitos de direito, ao contrário do revogado Código de Menores, que os tratava como objeto da relação jurídica, deixando mais claro o espectro de direitos

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subjetivos.

A nova lei abandonou a expressão “menor”, bem como os paradigmas que a acompanhavam, oportunizando a todas as crianças e adolescentes o direito à proteção, sem distinção ou consideração a sua condição social, como no caso do antigo Código de Menores, pois o termo “menor” abrangia apenas crianças em situação irregular. Nas palavras de Antonio Cezar Lima da Fonseca (2011, p. 11):

Outra mudança trazida pela Doutrina da Proteção Integral foi a adequação dos termos utilizados anteriormente pelo Código de Menores, ou seja, substituía-se a denominação direito do menor, acolhendo as expressões Direito da Criança e do Adolescente, e Direito da Infância e da Juventude, entre outras. De um modo geral, o Direito da Criança e do Adolescente se propôs a mudar a terminologia que reinava até então no antigo direito do menor.

Cabe ressaltar que a novel abordagem trazida pelo ECA teve como referência a Constituição Federal Brasileira de 1988 que tratou com maior importância a dignidade da pessoa humana, por meio de normas e princípios fundamentais, com enfoque na criança e no adolescente, reconhecendo-os como sujeitos de direito e não simples objetos de tutela:

A gama de direitos elencados basicamente no art. 227 da Constituição Federal, os quais constituem direitos fundamentais, de extrema relevância, não só pelo seu conteúdo como pela sua titularidade, devem, obrigatoriamente, ser garantidos pelo Estatuto, e uma forma de tornar concreta essa garantia deu-se, justamente, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual tem a nobre e difícil tarefa de materializar o preceito constitucional. (VERONESE, 1996, p. 94).

Para Eunice Ferreira Rodrigues Granato (2010, p. 71), o objetivo do Estatuto:

[...] é a proteção integral da criança e do adolescente, incluindo todos os menores de dezoito anos. A adoção promove a integração da criança ou do adolescente na família do adotante igualando sua situação a do filho natural, deste modo, não mais se fala em adoção simples e adoção plena, e sim, numa única adoção que visa criar laços de paternidade e filiação entre adotante e adotado, inclusive desligando-o completamente de sua família biológica.

O artigo 4º da Lei nº 8.069 de 1990 assegura o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, já consagrado na Constituição Federal:

Art. 4.º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes a vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.

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a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com proteção à família à proteção à infância e juventude. (BRASIL, 2019f, s.p.).

Verifica-se dessa forma que o Estatuto da Criança e do Adolescente tem por objetivo a proteção integral de todos os infantes e adolescentes, uma vez que são pessoas em desenvolvimento, que devem ter assegurado seu pleno desenvolvimento, desde as exigências físicas até o aprimoramento de condições mentais, morais e religiosas.

Além disso, por meio das regulamentações dispostas no ECA, toda criança e adolescente possuem o direito essencial de crescer no seio de uma família, seja esta natural ou substituta. Entre as hipóteses de colocação em família substituta, existe a adoção, medida de caráter excepcional e irrevogável, que cria o vínculo de filiação entre adotante e adotado, sendo-lhes assim impostos todos os direitos e deveres específicos da filiação.

Nesse sentido, a adoção se diferencia da filiação natural pelo vínculo, na medida em que este não resulta de uma relação biológica, mas da constituição jurídica oriunda de uma relação afetiva. De acordo com Maria Helena Diniz (2009, p. 520-521), a definição de adoção pode ser compreendida como:

A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para a sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também traz uma definição para adoção em seu artigo 41, caput: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais” (BRASIL, 2019f, s.p.).

O tema adoção foi tratado especificamente nos artigos 39 a 52 do Estatuto, que regula somente a situação do adotando de até 18 anos de idade na data do pedido, exceto nos casos em que já esteja sob a guarda e tutela dos adotantes. O artigo 39 declara que: “A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.” (BRASIL, 2019f, s.p.). Observa-se que o mencionado artigo confirma a proteção em relação à criança e ao adolescente, principalmente no que tange à adoção, independentemente de sua situação jurídica.

Torna-se fundamental esclarecer que o instituto da adoção passou por significativas alterações, estas regulamentadas pela Lei nº 12.010 de 03 de agosto de 2009, conhecida como Nova Lei da Adoção, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como revogou

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dispositivos do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2019h). A nova lei buscou aperfeiçoar a sistemática já prevista no ECA, a fim de garantir o direito à convivência familiar a todos os infantes e jovens:

A adoção de crianças e adolescentes rege-se, na atualidade, pela Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009. De apenas 7 artigos, a referida lei introduziu inúmeras alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente e revogou expressamente 10 artigos do Código Civil concernentes à adoção (arts. 1.620 a 1.629), dando ainda nova redação a outros dois (arts. 1.618 e 1.619). [...] A referida Lei Nacional da Adoção estabelece prazos para dar mais rapidez aos processos de adoção, cria um cadastro nacional para facilitar o encontro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados por pessoas habilitadas e limita em dois anos, prorrogáveis em caso de necessidade, a permanência de criança e jovem em abrigo. (GONÇALVES, 2018, p. 184).

Destaca-se, por conseguinte, que para a efetivação da adoção é necessária a observância de alguns requisitos e formalidades, justamente por se tratar de um assunto de tal relevância. Dessa maneira, o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a redação trazida pelas novas regras da adoção (Lei nº 12.010/09), para melhor atender o direito dos infantes, estabeleceu um criterioso sistema para a efetivação da adoção.

Conforme Diniz (2010), são nove os requisitos fundamentais para a adoção. Aponta-se como primeiro requisito a idade do adotante, o qual deve possuir mais de 18 anos independentemente do estado civil, sendo que a adoção pode ser realizada por cônjuges ou por aqueles que convivem em união estável (adoção conjunta), desde que um deles tenha completado 18 anos de idade, e comprovada a estabilidade familiar. Além disso, ninguém poderá ser adotado por duas pessoas, salvo nos casos em que:

[...] forem marido e mulher, ou se conviverem em união estável. Se, porventura, alguém vier a ser adotado por duas pessoas (adoção conjunta ou cumulativa) que não sejam marido e mulher, nem conviventes, prevalecerá tão somente a primeira adoção, sendo considerada nula a segunda, caso contrário ter-se-ia a situação absurda de um indivíduo com dois pais ou duas mães. (DINIZ, 2010, p. 526-527).

Como segundo requisito, menciona-se a diferença mínima de idade que se exige entre o adotante e o adotado, que deverá ser de 16 anos, consoante artigo 42, § 3.º do ECA. Gonçalves (2018, p. 192) explica que: “A diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado é exigida no art. 42, § 3.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente porque a adoção imita a natureza. É imprescindível que o adotante seja mais velho para que possa desempenhar eficientemente o poder familiar.”

O terceiro requisito é o consentimento tanto do adotante quanto do adotado e de seus pais, sendo condição fundamental para a concessão da medida. Se o adotado possuir até 12 anos

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de idade, deverá seu representante legal, podendo ser pai, tutor ou curador, consentir por ele. A mesma regra vale para o maior de 12 anos com reconhecida redução cognitiva ou incapacidade. Na hipótese de o infante possuir mais de 12 anos, será necessária sua manifestação de consentimento, a qual será colhida em audiência.

Nessa situação, se houver a anuência dos pais e restar deferida a adoção, em procedimento próprio e autônomo será realizada a destituição do poder familiar. Nos casos que envolvam infantes com pais desconhecidos ou já destituídos do poder familiar, o consentimento é dispensável. Insta esclarecer que as situações que necessitem do consentimento dos pais merecem cuidado especial, pois podem se tornar irrevogáveis:

O consentimento é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção (Lei n. 8.069/90, art. 166, § 5, com redação da Lei n. 12.010/2009). Pelo enunciado n. 259 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil: “a revogação do consentimento não impede, por si só, adoção, observado o melhor interesse do adotando”. Pelo enunciado n. 110 do Conselho da Justiça Federal (aprovado na I Jornada de Direito Civil): era “inaplicável o § 2º do art. 1.621 do novo Código Civil às adoções realizadas com base no Estatuto da Criança e do Adolescente”, daí a previsão da Lei n. 8.069/90 sobre a questão de revogabilidade de consenso no art. 166, § 5. (DINIZ, 2010, p. 530).

O quarto requisito para adoção é a intervenção judicial na sua constituição, pois esta somente se aperfeiçoa na presença do Juiz de Direito, com a necessária intervenção do Ministério Público, inclusive nos casos que envolvam maiores de 18 anos. Dada essa característica, a competência para julgar os processos de adoção de menores de 18 anos será sempre da Vara da Infância e Juventude, observado o procedimento previsto no ECA. Já os casos que envolvam adoção de maiores competem à Vara de Família.

Os dispositivos expressos no artigo 47 do ECA especificam que a sentença judicial que conceder a adoção passará a ter efeito constitutivo e deverá ser inscrita no registro civil mediante mandado, do qual não se fornecerá certidão, cuja inscrição conterá os nomes dos adotantes como pais e respectivos ascendentes. Ainda, o mandado judicial deverá ser arquivado cancelando o primeiro registro de nascimento do adotado. Há possibilidade de a certidão, a pedido do adotante, ser lavrada no Cartório de Registro Civil do Município de sua residência. O artigo 47, §§ 1 a 3 da Lei nº 8.069/90, in verbis:

Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.

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§ 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência. (BRASIL, 2019f, s.p.).

De extrema relevância para o instituto da adoção, o quinto requisito é a questão da irrevogabilidade. De acordo com o artigo 39, § 1º, do ECA: “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.” (BRASIL, 2019f, s.p.).

Deve-se observar que a adoção é a última das medidas para garantir o direito do infante à convivência familiar. Prioriza-se a possibilidade de permanência da criança ou do adolescente com sua família, que pode ser a natural ou extensa, para só depois se optar pela adoção:

Ao lado da família natural, coloca-se a entidade denominada família substituta. A alternativa da família substituta para o menor deve surgir somente quando todas as possibilidades de manutenção do infante em sua família natural se esvaem. Desse modo, a colocação do menor em família substituta é medida excepcional de proteção destinada a amparar as crianças e adolescentes cujos direitos fundamentais se encontram suprimidos ou ameaçados. (VENOSA, 2017a, p. 295, grifo nosso).

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a adoção possui caráter de irrevogabilidade, eis que, uma vez perfectibilizada, não se desfaz. Nessa situação, a medida não poderá ser revogada, nem por acordo de vontade das partes, nem por outro meio, salvo nos casos em que a sentença que a concedeu possuir algum vício. Tudo visando a garantia da estabilidade familiar da criança e do adolescente.

Contudo, apesar do instituto da adoção ser irrevogável, há “possibilidades” de o poder familiar (gerado pelo vínculo da adoção) ser extinto. Importante frisar que a gestão da família possui limitações ao seu exercício, devendo garantir o interesse e a proteção dos filhos menores, bem como preservar a integridade de sua estrutura.

Nesse mesmo sentido, embora a adoção disponha caráter de irrevogabilidade, existem situações em que é possível “romper” essa regra. Um ponto desses é o caso de revogação da adoção por parte dos adotantes, que simplesmente “devolvem” o infante que adotaram, situação que será melhor abordada no segundo capítulo da presente pesquisa.

Em respeito ao estágio de convivência com o adotando pelo prazo fixado pela autoridade judiciária (sexto requisito), deverão ser observadas as peculiaridades de cada situação. O artigo 46 do ECA, com a redação trazida pela Lei n.º 13.509/2017 (BRASIL, 2019i), declara que: “A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as

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peculiaridades do caso.” (BRASIL, 2019f, s.p.). Tal prazo ainda pode ser prorrogado por igual período desde que devidamente justificado na decisão judicial. Quanto ao tema, Maria Berenice Dias (2016, p. 847) esclarece que:

É necessário o estágio de convivência (ECA 46), havendo a possibilidade de o juiz dispensá-lo quando o adotando já estiver sob tutela ou guarda, por tempo suficiente para se avaliar a conveniência da constituição do vínculo (ECA 46 § 1.º). A guarda de fato não autoriza a dispensa do estágio (ECA 46 § 2.º), que precisa ser acompanhado por equipe interprofissional, preferencialmente com apoio de técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, os quais deverão apresentar relatório minucioso (ECA 46 § 4.º).

Caso ocorra de os adotantes se separarem ou divorciarem em meio ao processo de adoção, a legislação previu a forma adequada para que o procedimento tenha sua conclusão em benefício do casal e respectivo adotando. Trata-se de acordo acerca da guarda e regime de visitas estabelecido entre os divorciados e separados, judicial ou extrajudicialmente, os quais pretendam adotar conjuntamente uma pessoa que com eles conviveu na vigência do casamento ou união:

Os divorciados e os separados judicialmente, bem como ex-companheiros, poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal (art. 1.622, parágrafo único, art. 42, § 4 o , do ECA). Essa situação permitida na lei é excepcional e busca estabilizar o menor que já estivesse convivendo com o casal antes do desenlace. (VENOSA, 2017a, p. 302).

Dessa forma, visa evitar disputas ou abandonos parentais que exponham em risco o adotando, constituindo-se no sétimo requisito.

Já o oitavo requisito se constitui da necessidade de prestação de contas da administração e pagamento dos débitos por parte de tutor ou curador que pretenda adotar pupilo ou curatelado. O artigo 44 do ECA ordena que: “Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.” (BRASIL, 2019f, s.p.). Este requisito tende proteger o adotando que possui patrimônio, objetivando a correta gestão de seus bens e subsistência, tudo sob a fiscalização necessária do Ministério Público.

Finalmente e não menos importante, tem-se o nono requisito que se constitui na comprovação da estabilidade familiar. Nesse sentido, Adauto Tomaszewski citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017b, p. 711) reflete:

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A estabilidade da família, a ambiência onde o adotando será criado — elementos que podem ser colhidos, não apenas mediante depoimentos testemunhais, mas também por meio de relatório ou estudo social —são fundamentais para que o juiz possa, com segurança, deferir a adoção, na perspectiva da proteção integral da criança e do adolescente.

No entanto, apesar de todos os requisitos elencados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a adoção, o STJ em suas decisões já sinalizou que não se tratam de condições absolutas e inflexíveis, devendo ser analisado o caso em concreto. É o que chama-se de derrotabilidade das normas. Cristiano Chaves (2014, p. 307, grifo do autor) explica essa possibilidade:

Surge, então, nessa arquitetura, com o intuito de emprestar efetiva solução para os extreme cases, a possibilidade de derrotabilidade das regras, também chamada de superabilidade ou defeasibility. Com a derrotabilidade da norma-regra é possível afirmar a impossibilidade de sacrificar os valores fundamentais almejados pelo sistema jurídico como um todo (e, também, pretendidos pela própria regra em específico), somente para promover a sua aplicação fria e insensível (subsunção) em um caso concreto.

A exemplo, recente decisão do STJ quanto a flexibilização da exigência de diferença mínima de idade exigida entre adotante e adotado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. ADOÇÃO. MAIOR. ART. 42, § 3º, DO ECA (LEI Nº 8.069/1990). IDADE.

DIFERENÇA MÍNIMA. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE.

SOCIOAFETIVIDADE. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA.

IMPRESCINDIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado é requisito legal para a adoção (art. 42, § 3º, do ECA), parâmetro legal que pode ser flexibilizado à luz do princípio da socioafetividade. 3. O reconhecimento de relação filial por meio da adoção pressupõe a maturidade emocional para a assunção do poder familiar, a ser avaliada no caso concreto. 4. Recurso especial provido. (BRASIL, 2019j, s.p.).

Por conseguinte, convém relembrar que, consoante dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 28, § 5.º, o processo de adoção se configura por meio de ato solene, na qual o adotante e o adotando serão submetidos a acompanhamento por equipe especializada durante o período do processo, assim como após efetivado:

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

§ 5 o A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de

sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente

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com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. (BRASIL, 2019f, s.p.).

O processo de adoção poderá ser realizado mediante procedimento de jurisdição voluntária ou contenciosa, conforme a situação, com a imprescindível intervenção do Ministério Público, por tratar de questão de ordem pública e, na maioria das vezes, interesse de menor. Relembrando, a competência será da Vara da Infância e Juventude quando for parte menor de 18 anos, em respeito à previsão legal do artigo 148, inciso III do ECA: “A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes.” (BRASIL, 2019f, s.p.).

A petição inicial deverá conter os requisitos estabelecidos no artigo 165 do Estatuto da Criança e do Adolescente e, na hipótese de adoção, observará também as exigências específicas colacionadas a seguir:

Art. 165. São requisitos para a concessão de pedidos de colocação em família substituta:

I - qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste;

II - indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não parente vivo;

III - qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos; IV - indicação do cartório onde foi inscrito nascimento, anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão;

V - declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.

Parágrafo único. Em se tratando de adoção, observar-se-ão também os requisitos específicos. (BRASIL, 2019f, s.p.).

Por tratar de direito essencial, a adoção deverá ser realizada por meio de procedimento judicial especial, observados todos requisitos necessários já mencionados. Sua sentença possui efeitos complexos: é constitutiva no momento em que instaura novo vínculo de filiação, impondo direitos e deveres entre o adotado e sua nova família; é mandamental na medida que forma novo registro civil; e, finalmente, é desconstitutiva, eis que automaticamente extingue o registro civil anteriormente arquivado.

Conclui-se que a adoção constitui importante instrumento de realização do direito fundamental do infante de crescer em uma família, visando sempre a proteção, interesse e bem-estar da criança e do adolescente. Inobstante o fato da necessária ruptura da relação biológica antecedente, sempre traumática, a possibilidade de reestruturação familiar por meio do instituto possibilita ao adotando um novo início, pautado sempre na proteção do hipossuficiente e no

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fortalecimento da estrutura familiar resultante, sob a possibilidade de destituição do poder familiar em casos de não serem respeitados.

2.3 Poder familiar, destituição, suspensão e o melhor interesse da criança

Por meio da igualdade constitucional entre homem e mulher, insculpida no § 5º do artigo 226, restou estabelecido: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” (BRASIL, 2019a, s.p.). Assim, o pátrio poder, como antes era intitulado, veio a ser substituído pelo denominado poder familiar, termo que foi consagrado pelo Código Civil de 2002.

Nas palavras de Rodrigues, citado por Dias (2016, p. 780, grifo do autor): “A expressão ‘poder familiar’ adotada pelo Código Civil corresponde ao antigo pátrio poder, termo que remonta ao direito romano: pater potestas - direito absoluto e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a pessoa dos filhos.”

Considerando em termos históricos, segundo elucida Gonçalves (2018, p. 198, grifos do autor), o poder familiar:

[...] não tem mais o caráter absoluto de que se revestia no direito romano. Por isso, já se cogitou chamá-lo de “pátrio dever”, por atribuir aos pais mais deveres do que direitos. No aludido direito denominava-se patria potestas e visava tão somente ao exclusivo interesse do chefe de família. Este tinha o jus vitae et necis, ou seja, o direito sobre a vida e a morte do filho. Com o decorrer do tempo restringiram-se os poderes outorgados ao chefe de família, que não podia mais expor o filho (jus exponendi), matá-lo (jus vitae et necis) ou entregá-lo como indenização (noxae deditio). Modernamente, graças à influência do Cristianismo, o poder familiar constitui um conjunto de deveres, transformando-se em instituto de caráter eminentemente protetivo, que transcende a órbita do direito privado para ingressar no âmbito do direito público. Interessa ao Estado, com efeito, assegurar a proteção das gerações novas, que representam o futuro da sociedade e da nação. Desse modo, o poder familiar nada mais é do que um munus público, imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus filhos.

Em relação a sua definição, Diniz (2010, p. 564), baseada em diversos autores, conceitua o poder familiar como “um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho”.

Ainda, de acordo com Lôbo (2011), a denominação “poder familiar” não seria a mais adequada, pois permanece a ênfase na palavra poder. No entanto, tal denominação é melhor que a antiga expressão “pátrio poder”, que foi mantida pelo Estatuto da Criança e do

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Adolescente, sendo derrogada com o Código Civil de 2002. Para o autor, o mais correto seria defini-lo como autoridade parental, como vem sendo adotado por outros países, pois não faria sentido descolocar o poder de um (pai) para o poder compartilhado de ambos os pais:

Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos estertores se deram antes do advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído o instituto apenas deslocando o poder do pai (pátrio) para o poder compartilhado dos pais (familiar). A mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, ao interesse de sua realização como pessoa em desenvolvimento. Ainda com relação à terminologia, ressalte-se que as legislações estrangeiras mais recentes optaram por “autoridade parental”. A noção de poder evoca uma espécie de poder físico sobre a pessoa do outro. A França a utilizou desde a lei de 4 de junho de 1970, que introduziu profundas mudanças no Direito de Família, ampliadas pela lei de 4 de março de 2002, que reformou o regime da autoridade parental, principalmente na perspectiva do melhor interesse do filho. (LÔBO, 2011, p. 295-296).

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, com base na Constituição, que reconheceu o princípio de isonomia entre homens e mulheres no exercício do poder familiar, acrescido das alterações introduzidas pela Lei nº 12.010/09, consolidou em seu artigo 21 que: “O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.” (BRASIL, 2019f, s.p.).

E, na busca pela unificação e consolidação dos direitos da criança e do adolescente, no ano de 1989, foi realizada a Convenção sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 2019), possuindo como princípio norte o melhor interesse da criança, entrando em vigor na data de 02 de setembro de 1990. A Convenção restou ratificada por 196 países. No Brasil, isso ocorreu em 24 de setembro de 1990.

Quanto ao grande ato realizado pela UNICEF em 1989, Caio Mário da Silva Pereira (2018a, p. 54-55, grifo nosso) destaca:

Esta Convenção é fruto de um esforço conjunto entre vários países que, durante dez anos, buscaram definir quais os direitos humanos comuns a todas as crianças, para a formulação de normas legais, internacionalmente aplicáveis, capazes de abranger as diferentes conjunturas socioculturais existentes entre os povos. A Convenção consagra a “Doutrina Jurídica da Proteção Integral”, ou seja, que os direitos inerentes a todas as crianças e adolescentes possuem características específicas devido à peculiar condição de pessoas em vias de desenvolvimento em que se encontram e que as políticas básicas voltadas para a juventude devem atuar de forma integrada entre a família, a sociedade e o Estado. Recomenda que a infância deverá ser considerada prioridade imediata e absoluta, necessitando de consideração especial, devendo sua proteção sobrepor-se às medidas de ajustes econômicos, sendo universalmente salvaguardados os seus direitos fundamentais. Reafirma, também, conforme o

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princípio do melhor interesse da criança, que é dever dos pais e responsáveis garantir às crianças proteção e cuidados especiais e, na falta destes, é obrigação do Estado assegurar que instituições e serviços de atendimento o façam.

Assim, seguindo a linha dos direitos e garantias fundamentais assegurados na Carta Magna, com forte influência da Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, o Estatuto da Criança e do Adolescente, baseado no princípio da proteção integral e visando o melhor interesse da criança – princípio este não contemplado na redação original do ECA – consagrou o direito de os filhos serem protegidos e amparados por seus pais e, na falta destes, pelo Estado.

Esse princípio do melhor interesse, seja da criança ou do adolescente, extraído do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, compreendido nos artigos 4º e 6º do Estatuto, institui ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com absoluta prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Nessa esteira, com a introdução do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como pelo advento da Lei nº 12.010/09 (Nova Lei da Adoção), o instituto da adoção foi aprimorado, buscando sempre o melhor interesse da criança e do adolescente, já garantido constitucionalmente e assegurado pela Convenção sobre os Direitos da Criança. A respeito do assunto, muito bem expõe Lôbo (2011, p. 75, grifo nosso):

O princípio do melhor interesse significa que a criança — incluído o adolescente, segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança — deve ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade. Em verdade ocorreu uma completa inversão de prioridades, nas relações entre pais e filhos, seja na convivência familiar, seja nos casos de situações de conflitos, como nas separações de casais. O pátrio poder existia em função do pai; já o poder familiar existe em função e no interesse do filho. Nas separações dos pais o interesse do filho era secundário ou irrelevante; hoje, qualquer decisão deve ser tomada considerando seu melhor interesse. O princípio parte da concepção de ser a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, e não como mero objeto de intervenção jurídica e social quando em situação irregular, como ocorria com a legislação anterior sobre os “menores”. Nele se reconhece o valor intrínseco e prospectivo das futuras gerações, como exigência ética de realização de vida digna para todos.

Evidencia-se que o poder familiar deve ser exercido no melhor interesse da criança e do adolescente. Sob esta ótica, o artigo 1.643 do Código Civil elenca uma série de normas que devem ser obedecidas pelos pais quanto à pessoa e bens dos seus filhos menores:

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Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2019g, s.p.).

Pode se observar que, ao longo dos anos, o poder familiar deixou de ser ilimitado, tornando-se inclusive, questão de ordem pública, admitindo-se o controle estatal. E como forma de controle, o Estado fixa limites de atuação aos titulares do poder familiar, independentemente de a filiação ser natural ou formulada por vínculo jurídico. Em relação ao assunto, Diniz (2010, p. 576, grifo do autor) leciona que:

Sendo o poder familiar um múnus público que deve ser exercido no interesse dos filhos menores não emancipados, o Estado controla-o, prescrevendo normas que arrolam casos em que autorizam o magistrado a privar o genitor de seu exercício temporariamente, por prejudicar o filho com seu comportamento, hipótese em que se tem a suspensão do poder familiar.

Nessa mesma linha, para Dias (2016) deve prevalecer o interesse dos filhos, sendo que, nos casos em que os pais deixarem de cumprir com seus deveres, exibindo uma postura incompatível com sua função, deverá ser autorizada a destituição do poder familiar.

Desse modo, o poder público deve intervir e afastar as crianças e adolescentes do convívio dos seus pais, como meio de assegurar sua integridade, quando vulnerados os deveres inerentes ao poder familiar, suspendendo-os ou destituindo-os da função parental. O artigo 1.635 do Código Civil retrata algumas situações em que pode ocorrer a extinção do poder familiar:

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho;

II - pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III - pela maioridade;

IV - pela adoção;

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Por sua vez, a suspensão do poder familiar é considerada uma medida menos gravosa, impedindo o exercício do poder familiar durante determinado tempo. De acordo com o artigo 1.637, são cinco as hipóteses legais expressas de suspensão:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. (BRASIL, 2019)

Ademais, conforme destaca Lôbo (2011, p. 307): “As hipóteses legais não excluem outras que decorram da natureza do poder familiar. Não é preciso que a causa seja permanente”. Portanto, as hipóteses legais não são taxativas. Dessa maneira, basta que ocorra um fato, que fundamente o receio de reiterado risco à segurança do menor, para que seja determinada a suspensão do poder familiar.

A suspensão, ainda, poderá ser decretada liminarmente nas ações que visem a destituição do poder familiar, segundo disposto no Artigo 157 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade. (BRASIL, 2019, grifo nosso)

Reforça-se que a suspensão é temporária, ficando a critério do julgador, analisando o caso concreto, decidir sobre a conveniência e do tempo de aplicabilidade da medida, ao passo que, cessados os motivos que lhe deram causa, poderá ser restabelecido o poder familiar, observando o interesse do infante:

A suspensão é temporária, perdurando somente até quando se mostre necessária. Cessada a causa que a motivou, volta a mãe, ou o pai, temporariamente impedido, a exercer o poder familiar, pois a sua modificação ou suspensão deixa intacto o direito como tal, excluindo apenas o exercício. A lei não estabelece o limite de tempo. Será aquele que, na visão do julgador, seja conveniente aos interesses do menor. (GONÇALVES, 2018, p. 208, grifo do autor)

Já a destituição ou a perda do poder familiar é medida de caráter mais grave imposta aos pais que violarem os deveres parentais em relação aos filhos. O artigo 1.638 do vigente Código Civil determina que:

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Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão II – praticar contra filho, filha ou outro descendente:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão. (BRASIL, 2019)

Por ser uma medida excepcional, a destituição do poder familiar só deverá ocorrer quando o fato merecer tal repressão. Venosa (2017a, p. 331), ao analisar o tema, esclarece que:

[...] o Estatuto da Criança e do Adolescente trata da suspensão e perda do pátrio poder nos mesmos dispositivos, inclusive processuais. Os fatos graves devem ser sopesados pelo juiz, que decidirá sobre a perda ou suspensão. Em qualquer situação, perante motivos graves, pode decretar a suspensão liminar. A gravidade da conduta dependerá sempre do acurado exame do caso concreto. Ressalte-se, mais uma vez, que o art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente observa que a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar. Nesses casos, cabe ao Estado suprir as condições mínimas de sobrevivência.

Segundo Gonçalves (2018), apesar da destituição do poder familiar ser permanente, não se pode declará-la como definitiva, tendo em vista que os pais podem recuperar a função parental em procedimento judicial, desde que comprovem cabalmente a cessação dos motivos que lhe deram ensejo. Nesse mesmo sentido, é medida imperativa, não sendo facultada sua aplicação.

Ainda, quanto aos procedimentos em caso de suspensão e destituição do poder familiar, Venosa (2017a, p. 331-332) explica que:

Os procedimentos de perda ou suspensão do poder familiar terão início por iniciativa do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, conforme o art. 24 e art. 155 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069/90). Trata-se de processo, pois há que se assegurar ao réu o princípio do contraditório e da ampla defesa. O menor deve ser ouvido sempre que possível e razoável. A competência para essas ações será dos juízos da infância e do adolescente (art. 148, parágrafo único, b, da mesma lei). O procedimento é regulado pelos arts. 155 ss do ECA. A sentença que decretar a perda ou suspensão do poder familiar deverá ser averbada no registro de nascimento no menor (art. 164 do ECA e art. 102, § 6o, da Lei dos Registros Públicos).

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O futuro Estatuto das Famílias dispõe que em qualquer situação: “é possível, no melhor interesse do filho, o restabelecimento da autoridade parental por meio da decisão judicial” (art. 95).

Esclarece-se que a adoção exclui o poder familiar dos pais naturais da criança ou do adolescente, porém os adotantes recebem o poder familiar por meio do vínculo jurídico de filiação, enquanto menores os filhos. À vista disso, as hipóteses de suspensão ou perda do poder familiar são as mesmas, independentemente se a filiação é biológica ou decorrente da adoção.

Logo, o objetivo da suspensão e destituição do poder familiar é, acima de tudo, garantir o melhor interesse da criança e do adolescente, bem como assegurar sua proteção integral, sendo dever da família, da sociedade e do Estado proporcionar o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação e à dignidade. Eis que se tratam de sujeitos de direitos em desenvolvimento que requerem especial atenção, e assim como todos os demais, merecem uma vida digna.

2.4 Adoção e o princípio da dignidade da pessoa humana

Após o advento da Constituição Cidadã, os princípios ganharam maior força normativa, abandonando-se a ideia de efeito meramente simbólico, servindo de suporte fático a todo sistema jurídico. Para Dias (2016, p. 67), os “Princípios, por definição, são mandamentos nucleares de um sistema”. Destarte, tanto na esfera do direito de família, assim como nos demais ramos do direito, existem princípios norteadores para sua atuação.

Como princípios jurídicos aplicáveis ao direito de família e a todas as entidades familiares Lôbo (2011, p. 60, grifo nosso) aponta: “Princípios Fundamentais: 1) dignidade da pessoa humana; 2) solidariedade; e Princípios Gerais: 3) igualdade; 4) liberdade; 5) afetividade; 6) convivência familiar; 7) melhor interesse da criança”.

Destaca-se no presente trabalho, o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental do sistema jurídico brasileiro, o qual se encontra consagrado no primeiro artigo da Constituição Federal de 1988: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III- a dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 2019a).

Sobre o mencionado princípio, destaca-se a valorosa lição de Paulo Gomes de Lima Júnior e Cleide Aparecida Gomes Fermentão (2012, p. 315, grifo nosso):

A dignidade da pessoa humana é o princípio supremo da Constituição Federal, servindo como base para todo o ordenamento jurídico. O respeito à dignidade foi

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transformado em princípio pelo poder constituinte, na Constituição Federal de 1988, sendo considerado o princípio que rege todos os demais princípios e, ao mesmo tempo, é inerente na vida humana. Para se chegar a uma definição de dignidade é importante levar em conta toda a evolução histórica e as conquistas da sociedade por meio das gerações de direitos fundamentais. Os direitos fundamentais só são possíveis de concretização quando respeitado o direito da dignidade, nenhum direito fundamental poderá afrontar a dignidade da pessoa humana.

Com a promulgação da Carta Magna, a dignidade da pessoa humana tornou-se o princípio basilar do Estado e da sociedade. E por sua vez, a família, com o advento da Constituição vigente, também ganhou maior reconhecimento, visando a dignidade e o desenvolvimento de seus membros:

Princípio do respeito da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), que constitui base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva), garantido, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227). (DINIZ, 2010, p. 23, grifo do autor).

A partir deste núcleo principiológico, passou-se a valorizar cada membro da instituição familiar como um ser individual, que deve ser reconhecido e respeitado no todo e individualmente, em todos os âmbitos da sua existência, especialmente as crianças e os adolescentes, sujeitos de direito ainda em desenvolvimento.

Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana é própria de cada indivíduo e, de acordo com Lima Júnior e Fermentão (2012, p. 238-239) “[...] deve sempre ser vista como um mínimo, mínimo este que sem ela a pessoa não tem uma vida justa e humana que possa buscar o progresso”.

Cabe ressaltar que o direito da pessoa humana crescer em uma família está previsto em lei - e é essencial -, visando sempre o desenvolvimento, proteção, interesse e bem-estar da criança e do adolescente que a integra. Quando se refere à família, é fundamental destacar que esta não se constitui apenas de uma situação biológica, mas também àquela decorrente de vínculo jurídico (adoção), lastreado em uma relação de afeto.

Por conseguinte, a dignidade da pessoa humana também está presente no instituto da adoção, que busca garantir o interesse e a proteção da criança e do adolescente. Na lição de Sérgio Resende de Barros, citado por Dias (2016, p. 74-75, grifo nosso):

A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento

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pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.

Conclui-se que a dignidade da pessoa humana é essencial para o desenvolvimento das pessoas e da família. A questão que se coloca, no presente trabalho, é que apesar do instituto da adoção ter caráter irrevogável e estar ligado diretamente com a dignidade do adotado, verifica-se a ocorrência de casos de revogação por parte dos adotantes, verifica-seja pela “devolução” ou pela prática de condutas que levam à destituição do poder familiar. Assim, a revogação da adoção, além de ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, poderia igualmente ser compreendida como espécie de dano oriundo da perda de uma chance: chance essa do adotado integrar uma família.

Referências

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