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Pressupostos da responsabilidade civil

3 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE E A RESPONSABILIDA CIVIL

3.2 Pressupostos da responsabilidade civil

Para uma melhor compreensão, antes de aprofundar-se no tema da responsabilidade civil pela perda de uma chance, escopo do presente trabalho, é fundamental perpassar-se os conceitos e elementos básicos da responsabilidade civil.

Inicialmente, conforme explica Gonçalves (2017, p. 39, grifo do autor): “A palavra ‘responsabilidade’ origina-se do latim respondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir.”

Sob sua ótica, Diniz (2008, p. 33, grifo do autor) refere que “O vocábulo ‘responsabilidade’ é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vincula, no direito romano, o devedor nos contratos verbais.” Nessa perspectiva, “nota-

se que a responsabilidade, desde o direito romano, era uma forma de garantir segurança nas relações jurídicas, já que o termo spondeo significa prometo.” (BERNARDINI, 2017, p. 19).

Ao retrocedermos na história encontramos o ponto de partida do instituto da responsabilidade civil no direito romano. Na antiguidade, vigia a vingança privada, a qual não guardava proporcionalidade entre o dano experimentado e a respectiva resposta, o que abria espaço para barbárie. Ao adentrarmos no período denominado de Talião, por meio da Lei das XII Tábuas (ano de 450 a.C.), houve uma tentativa em gerar proporcionalidade à penalização, embora em um contexto ainda muito retributivo. Com a crescente intervenção do poder público, a reparação do dano ganhou contornos de proporcionalidade, havendo a possibilidade de acordo entre a vítima e o ofensor, geralmente pela composição pecuniária:

Há, porém, ainda na própria lei mencionada, perspectivas da evolução do instituto, ao conceber a possibilidade de composição entre a vítima e o ofensor, evitando-se a aplicação da pena de Talião. Assim, em vez de impor que o autor de um dano a um membro do corpo sofra a mesma quebra por força de uma solução transacional, a vítima receberia, a seu critério e a título de poena, uma importância em dinheiro ou outros bens. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017a, p. 61).

Posteriormente, revelando um marco na evolução histórica da responsabilidade civil, editou-se a Lex Aquilia (ano de 286 a.C.), que fixou parâmetros para a responsabilidade civil extracontratual:

[...] a Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil. Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente de relação obrigacional preexistente. Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual fundada na culpa. (VENOSA, 2017b, p. 401, grifo nosso).

Nota-se que através da Lex Aquilia se teve a inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil, pois a “experiência romana demonstrou que a responsabilidade sem culpa poderia trazer situações injustas, surgindo a necessidade de comprovação desta como uma questão social evolutiva.” (TARTUCE, 2017, p. 327). A partir de então, a responsabilidade com base na culpa passou a vigorar, sendo mais tarde adotada pelo Código Civil de Napoleão, que influenciou diversas legislações modernas, inclusive o Código Civil Brasileiro de 1916 e ainda o Código Civil Brasileiro de 2002.

Dentro desta nova concepção, entende-se que responsabilidade civil se origina dos atos, de acordo com Sergio Cavalieri Filho (2012. p. 2-3), a parte, “Se não cumprir a ação,

violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação”. A responsabilidade civil surge, então, diante de um descumprimento obrigacional, seja pela violação de uma regra estabelecida em um contrato, ou por inobservância de preceito normativo que regula a vida.

Assim, a responsabilidade civil busca trazer o reequilíbrio nas relações sociais, fazendo com que os danos sejam reparados e que as relações voltem, na medida do possível, ao estado anterior ao evento danoso, seja pela recomposição do bem ofendido ou sua indenização:

Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social. Coloca-se, assim, o responsável na situação de quem, por ter violado determinada norma, vê-se exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta danosa, podendo ser compelido a restaurar o statu quo ante. (GONÇALVES, 2017, p. 11-12, grifo do autor).

O Código Civil de 2002, seguindo a estrutura do diploma de 1916, dedicou poucos dispositivos ao tema da responsabilidade civil, porém com maior profundidade. Nos artigos 186, 187 e 188 (Parte Geral), estabeleceu-se a regra geral da responsabilidade aquiliana e algumas excludentes. Já na Parte Especial da Lei Subjetiva, definiu-se a regra básica da responsabilidade contratual no artigo 389 do instituto e inauguraram-se dois capítulos: “Da Obrigação de Indenizar” (artigos 927 a 943) e “Da Indenização” (artigos 944 a 954) sob o título “Da Responsabilidade Civil”.

O artigo 927 do Código Civil dispõe que: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (BRASIL, 2019g, s.p.). A definição de ato ilícito, por sua vez, é fornecida pelo artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (BRASIL, 2019g, s.p.). A cumulação dos mencionados artigos, refere-se à cláusula geral da responsabilidade subjetiva, ou seja, com base na culpabilidade.

O diploma de 2002 consagrou também a chamada responsabilidade objetiva, na qual haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei ou quando se estiver diante de uma atividade de risco desenvolvida pelo autor. Esse tipo de responsabilidade encontra fundamento no parágrafo único do artigo 927, bem como no artigo 931 do Código:

Art. 927. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[...]

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. (BRASIL, 2019g, s.p.).

Dada uma visão geral da responsabilidade civil, passa-se a debruçar-se sobre seu caráter subjetivo, o qual possui sua ênfase no elemento volitivo. Nesse aspecto, apesar de haver divergência entre doutrinadores quanto aos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, serão analisados no presente trabalho aqueles apontados por Cavalieri Filho (2012), sendo a conduta culposa, o nexo de causalidade e o dano.

Entende-se por conduta, enquanto pressuposto da responsabilidade civil subjetiva, o comportamento comissivo ou omissivo de uma pessoa que causa prejuízo a alguém, surgindo o direito à reparação por parte do lesado. A conduta do ofensor poderá ser positiva (ato praticado através de uma ação) ou negativa (omissão, ausência de um ato que deveria ter sido realizado). Cavalieri Filho (2012, p. 25) conceitua conduta como “comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo.”

Gagliano e Pamplona Filho (2017a, p. 85) ratificam que o núcleo fundamental do pressuposto da conduta humana é a voluntariedade:

Em outras palavras, a voluntariedade, que é pedra de toque da noção de conduta humana ou ação voluntária, primeiro elemento da responsabilidade civil, não traduz necessariamente a intenção de causar o dano, mas sim, e tão somente, a consciência daquilo que se está fazendo. E tal ocorre não apenas quando estamos diante de uma situação de responsabilidade subjetiva (calcada na noção de culpa), mas também de responsabilidade objetiva (calcada na ideia de risco), porque em ambas as hipóteses o agente causador do dano deve agir voluntariamente, ou seja, de acordo com a sua livre capacidade de autodeterminação. Nessa consciência, entenda-se o conhecimento dos atos materiais que se está praticando, não se exigindo, necessariamente, a consciência subjetiva da ilicitude do ato.

Como segundo elemento a ser exposto, menciona-se o nexo de causalidade. O nexo de causalidade ou nexo causal é o vínculo entre a conduta humana e o resultado danoso. De acordo com Tartuce (2017, p. 345) esse pressuposto “constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado –, e o dano suportado por alguém.”

Assim, o agente apenas será responsabilizado pelo prejuízo causado à vítima, quando a conduta culposa for a causa da lesão existente, devendo estar efetivamente demonstrada, pois sem essa relação de causalidade não se admite a obrigação de indenizar:

Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. E preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal. Cuida- se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito, possa ser considerado causa daquele. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 49, grifo do autor).

Cabe o registro de que existem três teorias que buscam explicar o nexo de causalidade, sobre as quais não iremos nos aprofundar: a teoria da equivalência ou da condição sine qua non, a teoria da causalidade adequada e a teoria dos danos diretos e imediatos.

Importante salientar que existem situações as quais interferem nos acontecimentos ilícitos e rompem o nexo causal, excluindo, dessa forma, a responsabilidade do agente. Gonçalves (2017, p. 418-419) aponta que as principais excludentes da responsabilidade civil são: “o estado de necessidade, a legítima defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou força maior e a cláusula de não indenizar.”

O dano, terceiro pressuposto da responsabilidade civil, pode ser definido como o prejuízo sofrido pela vítima, podendo ser na esfera patrimonial ou moral, causado por ato de outrem e que gera ao lesado o direito de exigir reparação. Com base na Lei Civil, somente haverá ato ilícito em caso de dano material e moral, bem como que a caracterização do dano independe da sua extensão:

Daí poder-se afirmar que o elemento dano é essencial à caracterização do ato ilícito. O vocábulo dano provém do latim damnum e significa lesão de natureza patrimonial ou moral. Na linguagem jurídica, dano e prejuízo são termos equivalentes, mas em Roma entendia-se por damnum apenas o fato material de destruição total ou parcial da coisa, enquanto o termo praeiudicium possuía sentido jurídico. [...] Tanto os prejuízos de pequeno porte como os de grande expressão são suscetíveis de reparação. A Lei Civil não distingue a respeito. O objeto e seu valor podem ser definidos mediante prova técnica. (NADER, 2016, p. 109, grifos do autor).

Para o autor Cavalieri Filho (2012, p. 76-77), não há de se falar em indenização ou ressarcimento se não houver o dano. Não basta o risco do dano, nem a conduta ilícita, pois sem uma real consequência – lesiva ao patrimônio ou a moral – não há o dever de reparar. Assim, “pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. A

obrigação de indenizar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem. O dano encontra-se no centro da regra de responsabilidade civil.”

Pode-se concluir que, por meio do crescimento populacional e o consequente desenvolvimento das relações interpessoais, surgiram novas situações que exigiram um novo olhar do direito sobre a responsabilidade civil. Estas relações, por sua complexidade, muitas vezes não permitiam demonstrar claramente o nexo de causalidade entre a conduta culposa do agente e o dano experimentado, restando a vítima sem qualquer reparação. Diante deste contexto distinto, surgiu a teoria da perda de uma chance, classificada como uma nova categoria de dano, de forma a abarcar aquele que é alijado de uma possibilidade clara e factível.

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