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CAPÍTULO III – DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

4. DELIMITAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

4.5 Perfil do Educando e a Prática Pedagógica Docente

Analisando as respostas dadas às questões que relacionavam a prática docente com o perfil dos educandos e como essas interseccionavam no desenvolvimento dos conteúdos, pôde-se observar que sobre os encaminhamentos metodológicos, comparando a EJA e o Ensino Regular, a maior parte dos entrevistados, cerca de 56% apontou que os mesmos conteúdos são trabalhados nas duas formas de oferta. Um segmento, 12%35, indicou que inclusive a metodologia adotada é a mesma, como fica claro a partir da ênfase observada na fala dos professores nos dois exemplos a seguir.

Particularmente não vejo diferença no ensino regular de Química e na EJA, pois procuro trabalhar no mesmo estilo apesar do tempo limitado (...).

Tá certo que alguns conteúdos eu não vou trabalhar (...), não dá para trabalhar tudo. Então a gente faz um resumo.

(...) o mesmo estilo que trabalho no regular eu trabalho no CEEBJA [Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos], tanto que tenho experiência de alunos que tiveram comigo que foi no regular e foram para o CEEBJA e dizem “ô professor

35 Esse percentual de professores que declaram abertamente usar a mesma metodologia para o

ensino de Química, tanto no Regular como na EJA, poderia mostrar-se melhor se houvesse um acompanhamento de como são desenvolvidos os conteúdos e, até mesmo, os instrumentos utilizados para avaliação.

é igualzinho o que o senhor trabalha lá que eu tenho até no caderno né?” (Professor(a) ML)

A única diferença é o tempo que eu não posso me expandir lá como aqui. Mas o palavreado, o modo de explicar, e as palavras, são as mesmas.

Inclusive para os excepcionais, a mesma aula, eu não baixo o palavreado, não torno o palavreado popular, eu torno ele a mesma coisa, eu vou falando. Eu acho, não sei se é bom ou ruim. (Professor(a) JA)

Parte desse grupo, 44%, que revela desenvolver os mesmos conteúdos, indica “o fazer de maneira diferente” entre o Ensino Regular e a EJA, e as justificativas se concentram na necessidade de preparação dos alunos do Regular para o vestibular e, também, na dificuldade e na velocidade de aprendizagem dos alunos adultos em relação aos adolescentes. Isso é possível observar nos seguintes exemplos.

Os conteúdos no Regular e EJA são os mesmos, mas o modo de dar é diferente, porque no regular dizem que não está preparando para o vestibular, mas eles estão dando isto, fórmula e outras coisas e puxando mais. E já para o adulto, os mesmos assuntos já são dados de maneira diferenciada. (Professor(a) DA)

Na EJA os alunos têm mais dificuldades, (...) eles demoram mais para entender o que quero dizer, mesmo dando exemplos relacionados com o dia-a-dia deles. Por exemplo: identificar os subníveis, o orbital. Como você vai falar disto com eles. Está longe deles. (...) Então eu conto uma historinha para eles. (...) no regular também não compreendem. Demoram começar para compreender, mas compreendem um pouco melhor, mais rápido que aqui [na EJA]. (Professor(a) RE)

Já a outra parte daquele mesmo grupo, 20% dos entrevistados, revelou que além de trabalharem de forma diferente, simplificam, reduzem, aglutinam os conteúdos destinados para os alunos da EJA, evidenciando ainda atribuir um caráter compensatório típico do antigo Ensino Supletivo.

Eu procurava, assim, mais, seguir o modelo mais ou menos do tele-curso, eu tinha o livrinho. (...) Então, por exemplo, aproveitava o Ozônio, (...) “escuta tu tem assim

interesse em saber porquê é o O3? Tem interesse de saber porquê é O2?”, (...) se

eles falassem assim, ‘oh, eu não tenho interesse’, às vezes um agricultor, não insistia, vamos para outro assunto. Não perguntava mais, tentava outro caminho para ver (...). (Professor(a) AL)

A Química que nós trabalhamos o ano passado é uma Química que é bem mais sintetizada (...) [do que] no Regular, a Química já era mais profunda. (...) Lá [na EJA] não, era muito mais assim mais sintetizado, e eles pegavam assim, a apostila que nós trabalhamos, era uma apostila assim bem mais fácil mesmo, assim, a nível do aluno de EJA mesmo! (...). Foi mais superficial. (Professor(a) MI)

Esse entendimento também traz à tona o EP do “Professor Suplência”, já desenvolvido anteriormente, no qual o docente tem como prerrogativa a função compensatória ainda nos moldes do Ensino Supletivo.

Esses mesmos professores que simplificam/reduzem os conteúdos a serem trabalhados na EJA em relação ao Ensino Regular, não explicitam que critérios utilizam para isso, pois, muito provavelmente, não refletiram sobre esta atitude, agindo de forma muito mais inconsciente, do que analítica e crítica. Menos provável ainda seria esperar que eles identificassem os interesses, nada evidentes, em promover tal diferenciação curricular, relegando os alunos da EJA a uma educação de menor valor. O exemplo a seguir ilustra esse entendimento.

A gente seleciona os conteúdos que seria o mais importante, o mais próximo deles, mas o encaminhamento desses conteúdos é totalmente diferente. (...) quando você trabalha com ensino médio [regular], você tem uma oportunidade de tratar mais “quimiquez” mesmo. Até porque (...) a função muitas vezes ali, a preparação profissional dele ou até para o vestibular.

(...) já no EJA você tem que priorizar realmente... O que está mais próximo deles, aproveitar o que eles trazem, também. (Professor(a) AE)

Contudo, é possível identificar em, aproximadamente, 20% dos professores, principalmente os que têm atuação em áreas diferentes da educacional, ou em funções distintas da docência (como coordenações ou orientação de outros

professores), que esses demonstram ter atenção própria aos encaminhamentos metodológicos para modalidades de ensino diferentes do Regular ou para grupos sociais distintos.

Mesmo evidenciando que no grupo todo (os 44% anteriormente citados) há professores que dão tratamento próprio para modalidades diferentes, representados por esses 20%, todos ainda estão distantes de um encaminhamento pedagógico fundado na perspectiva freireana, na qual deveriam identificar, problematizar dialogicamente e resignificar as contradições sociais locais que os alunos e a comunidade vivem, convivem e não percebem por estarem imersos nas mesmas. Vê-se, com isso, que também distante está a possibilidade de se atingir a Consciência Crítica dos professores com os alunos e, como conseqüência, do entorno escolar, mesmo porque nem suficientemente crítica é a análise da pedagogia adotada por esses docentes.