• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – A EJA NO BRASIL: CARACTERÍSTICAS, PRINCÍPIOS

2. PERFIL DOS DOCENTES PARA ATUAR NA EJA

Diante de tantas mudanças legais e de conceito, ser professor da EJA exige características específicas. Como destaca Vera Masagão Ribeiro,

A disposição para o diálogo é base para procedimentos que são essenciais nessa modalidade educativa: a definição de objetivos compartilhados, a negociação em torno de conteúdos e métodos de ensino e o ganho de autonomia dos educandos no controle de seus processos de aprendizagem. Também sobre essas bases os educadores podem desenvolver atitudes que contribuam para superar o enfoque assistencialista, abordando com seus alunos a noção de educação como direito de todos e incentivando-os a assumir a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento e pelo desenvolvimento social. (RIBEIRO, 1999, p.193).

Assim, ao observar mais detidamente os educandos da EJA, que melhor representam as características educacionais da população brasileira, é que se pode inferir que o ensino necessita do uso de diferentes metodologias para objetivar uma real aprendizagem. Marta Kohl de Oliveira, descreve o perfil do educando da Educação de Jovens e Adultos, caracterizando o adulto como sendo, geralmente,

o migrante que chega às grandes metrópoles proveniente de áreas rurais empobrecidas, filho de trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar (muito freqüentemente analfabetos), ele próprio com uma passagem curta e não sistemática pela escola (...), que busca a escola tardiamente para alfabetizar-se ou cursar algumas séries do ensino supletivo. E o jovem, relativamente recentemente incorporado ao território da antiga educação de adultos, (...) é também um excluído da escola, porém geralmente incorporado aos cursos supletivos em fases mais adiantadas da escolaridade, com maiores chances, portanto, de concluir o ensino fundamental ou mesmo o ensino médio. É bem mais ligado ao mundo urbano, envolvido em atividades de trabalho e lazer mais relacionadas com a sociedade letrada, escolarizada e urbana. Refletir sobre como esses jovens e adultos pensam e aprendem envolve, portanto, transitar pelo menos por três campos que contribuem para a definição de seu lugar social: a condição de "não-crianças", a condição de excluídos da escola e a condição de membros de determinados grupos culturais. (OLIVEIRA, 1999, p. 02).

Desde o ensino supletivo, o Parecer 699/72 apresentava a necessidade de um “pessoal docente” com preparo adequado às características desse tipo de

ensino, as quais devem ser conhecidas a priori e constantemente realimentadas. Tal adequação não diz respeito somente aos encaminhamentos metodológicos que valorizem as peculiaridades próprias de cada comunidade, pois este deve ser um princípio inerente à formação do professor que atue em qualquer modalidade de ensino. Para a EJA esse preparo docente deve ser um pré-requisito ou a Educação de Jovens e Adultos será apenas uma sombra distorcida do ensino regular “a projetar-se em esquemas de segunda classe que urge evitar por todos os meios.” (BRASIL, 1972. Parecer 699/72 – CFE).

Mesmo com os encaminhamentos legais indicando como deveria ser a EJA, o que se viu ao longo da história do supletivo em todo o Brasil, foi exatamente o que se pretendia evitar, “esquemas de segunda classe” e vendas de certificados, ou seja, este ensino tornou-se instrumento de enriquecimento nas mãos de pessoas com interesses “educacionais” suspeitos.

Esse movimento se acelerou, tornando-se mais evidente ainda, quando as empresas passaram a exigir dos trabalhadores certificados de conclusão de escolaridade, utilizando, para tal, estratégias de reforço positivo – ao acenar com a possibilidade de melhoria salarial, e/ou estratégias de reforço negativo – aterrorizando os trabalhadores com a possibilidade de demissão.

Evidentemente os docentes e as equipes pedagógicas das escolas supletivas, mesmo contrariados, passaram a entender que o Ensino Supletivo deveria suprir essa nova exigência do mercado de trabalho. Essa compreensão de educação ganhou corpo quando os professores passaram a vivenciar o drama e a angústia externada pelos seus alunos, que não compreendiam o movimento mercadológico

presente, porém viam ameaçada a sua sobrevivência, tendo em vista a possibilidade da perda de seus empregos.

É bastante possível que a formação docente possa ter contribuído para este caminho assumido para o ensino supletivo: orientada para adequar as metodologias de ensino às necessidades dos alunos, sem a devida análise das contradições sócio-político-históricas do momento vivido, poderia ter traduzido essas necessidades como aval para a adoção de um mecanismo de aligeiramento em busca da certificação, dissociando-se com isso da qualidade do ensino.

É de se esperar que uma formação crítica, objetivando a emancipação dos educandos, tenha como ponto de partida o processo de formação dos futuros professores ao longo da graduação. Assim, o Parecer 11/2000 CNE/CEB, traz dois alertas que merecem destaque. O primeiro, chama a atenção para uma formação inicial – papel das universidades, que discuta as características da Educação de Jovens e Adultos, o que, sem dúvida, também cabe para o ensino dito regular. Neste sentido,

as funções básicas das instituições formadoras, em especial das universidades, deverão associar a pesquisa à docência de modo a trazer novos elementos e enriquecer os conhecimentos e o ato educativo. Uma metodologia que se baseie na e se exerça pela investigação só pode auxiliar na formação teórico-prática dos professores em vista de um ensino mais rico e empático. Além disso, o docente introduzido na pesquisa, em suas dimensões quantitativas e qualitativas, poderá, no exercício de sua função, traduzir a riqueza cultural dos seus discentes em enriquecimento dos componentes curriculares. (BRASIL, 2000a. Parecer 11/2000, CNE/CEB, p. 58-59).

O outro alerta faz referência à formação continuada, responsabilidade das mantenedoras dos sistemas de ensino.

Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de

ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer. (BRASIL, 2000a. Parecer 11/2000, CNE/CEB, p. 56).

No Paraná, o Conselho Estadual de Educação não faz menção em suas Normatizações, à formação docente para atuação na EJA. Já a Secretaria de Estado da Educação, responsável em última instância pela formação continuada do seu quadro funcional, tem proporcionado cursos, palestras, simpósios, seminários, encontros, dentre outros, conforme demonstra o Anexo IV, para a formação docente. Analisando os cursos mais relevantes em relação ao número de participantes, o que implica, então, em uma maior difusão dos objetivos idealizados para os mesmos, é possível observar que em 2001 e 2002, os docentes da Fase II do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, participaram de 47 cursos que se destinavam à discussão e elaboração de itens para provas.

Em conversa com os técnicos da SEED/PR, os mesmos informaram que tais eventos eram organizados por área do conhecimento ou disciplina, e destinavam-se a atender a prerrogativa da proposta pedagógica unificada da oferta Semipresencial de EJA, que exigia uma Avaliação Final por meio de um Banco de Itens Estadual. Segundo esses mesmos técnicos, a programação desses cursos previa:

a) análise do currículo de cada área/disciplina constantes nas propostas pedagógicas unificadas;

b) organização de matrizes de competências, habilidades e conteúdos, tomando como referência as matrizes do ENEM e do SAEB;

c) organização dos conteúdos indicando que operação mental é exigida do aluno ao resolver questões sobre determinado tema;

d) participação em palestras sobre avaliação7;

e) participação em oficinas, por área do conhecimento, sobre técnicas de como elaborar questões para compor uma prova.

Em 2003 e 2004, a SEED/PR proporcionou 28 encontros, gerais e regionais, para discussão, organização e sistematização das Diretrizes Curriculares Estaduais de EJA, na versão preliminar ainda hoje.

Esses encontros, com participação aberta a todos os profissionais da EJA, indicando vagas preferenciais para as equipes pedagógicas das escolas, pressupunham:

- analisar as diferenças entre os cursos presencial e semipresencial; - avaliar qual o perfil dos educandos;

- discutir sobre a função social da EJA; - organizar orientações metodológicas gerais; - discutir sobre os princípios do processo avaliativo;

- elaborar os elementos centrais de uma nova proposta pedagógica.

No ano de 2005, foram organizados 4 encontros com a participação de docentes, e equipes pedagógicas, para orientação da Nova Proposta Pedagógica de EJA, implementada em 2006 em todas as escolas da rede pública estadual. As

7 As palestras sobre avaliação, segundo os técnicos da SEED/PR, tinham a seguinte programação:

orientações tinham o objetivo de detalhar como seria o funcionamento da Educação de Jovens e Adultos em todas as escolas da rede pública, pois tiveram suas propostas pedagógico-curriculares unificadas.

De 2003 a 2005, a SEED/PR engajou-se na Campanha de Alfabetização do Governo Federal – Brasil Alfabetizado, criando seu programa paralelo – Paraná Alfabetizado, promovendo 68 eventos para coordenadores e professores contratados para esta ação, nem sempre formados ou habilitados.

É possível apontar diferenças claras entre os dois momentos da história da EJA no Paraná. O primeiro, de 1995 a 2002, especialmente nos últimos dois anos da segunda gestão do Governo Jaime Lerner, devido à implantação de duas novas propostas pedagógicas na rede pública estadual, organizava a formação continuada por áreas do conhecimento e se detinha em discutir questões técnicas da educação, que indicasse resultados mensuráveis estatisticamente.

Ao longo do Capítulo III, será possível observar que os professores de Química, que participaram dos cursos promovidos naquele momento, dão importância aos encontros por área do conhecimento. Tal organização, segundo eles, permitia a troca de experiências pedagógicas entre professores de diferentes regiões do estado, quando os encontros eram centralizados, bem como com colegas da região onde moravam e atuavam, nos cursos regionalizados. Mesmo os professores em início de carreira também fazem referência a essa necessidade, detectadas por eles, de relacionar-se com professores de diferentes tempos de atuação na EJA e diferentes currículos pessoais.

fatores que prejudicam; 6) Avaliação X Ensino; 7) Equalização do instrumento de avaliação 8) Avaliação por Competências e Habilidades.

O segundo momento, do Governo Roberto Requião, se subdivide em dois outros: o período de 2003 a 2004, no qual se inicia uma discussão sobre um outro encaminhamento pedagógico para EJA. Analisa-se o como a Educação de Adultos funcionou, onde melhorou e o que deveria ser modificado; fundamentam-se teórica e metodologicamente as questões de cunho didádico-pedagógico, centrando-se o olhar no perfil do educando como ponto de partida para cada ação. No período de 2004 a 2006, a SEED/PR direciona os cursos para questões de maior cunho técnico, objetivando fazer compreender e implementar a nova proposta de EJA no Estado.

Nesses dois períodos, o elemento principal na participação dos cursos é o(a) pedagogo(a) pois, crêem os gestores do sistema, que esse personagem deve ser o orientador da ação na escola. Praticamente não ocorrem discussões por área do conhecimento, com questões específicas em que os professores de cada disciplina possam externar suas ansiedades na ação docente junto aos jovens, adultos e idosos, ou seja, os educandos da EJA.

Diante dos preceitos legais apresentados até aqui, nova questão surge: os programas de formação continuada têm contribuído de fato, para garantir que os professores passem a desempenhar um papel docente adequado à escolarização de jovens, adultos e idosos, como vem sendo preconizado pelos legisladores e gestores dos sistemas de ensino?