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O perfil da escola e da professora B

2. Procedimentos de leitura dos professores de História em sala de aula

2.3. O perfil da escola e da professora B

Passaremos agora à análise do perfil da segunda escola selecionada, localizada num bairro da periferia, cercada por favelas, a oito quilômetros do Aeroporto Internacional de São Paulo, na cidade de Guarulhos.

Essa unidade escolar atende crianças e adolescentes que freqüentam da quinta série do Ensino Fundamental ao terceiro ano do Ensino Médio. Há uma quadra, pátio com um pequeno refeitório, biblioteca, salas ambientes e, recentemente, a sala de informática estava desativada, devido a reformas em todo seu prédio.

Na avaliação do SARESP, sobre leitura, a escola teve aproveitamento de 48,7%, na oitava série, período matutino. Média inferior ao aproveitamento geral da Diretoria de Ensino Guarulhos-Norte que foi de 53,5%.

A professora denominada B informou que possui licenciatura em História e complementação pedagógica. Há dezesseis anos trabalha no magistério e nesta escola há oito. Deixou a unidade escolar recentemente, e trabalha em outra como vice-diretora.

Sobre o que é texto, respondeu que é informação, orientação: “São as informações contidas no corpo, em formato de escrita, que passam informação e orientação, aí temos texto acadêmico, texto informativo e outros”.

A professora acredita que texto é informação, que pode ser vinculada em diversos gêneros textuais. Já por leitura, ela entende ser “a interpretação do texto”.

Ao trabalhar a leitura o mais importante para essa professora é “a interpretação em si e que o aluno saiba ler a mensagem implícita, as entrelinhas”.

Sobre o processo de avaliação, a professora disse que “a leitura em si não é avaliada, mas as atividades dadas posteriormente exigem o conhecimento do texto e são avaliadas com nota”.

Desse modo, até esta etapa, percebemos que ela própria não tem uma consciência clara sobre sua prática de leitura, que se estende até a produção textual do seu aluno.

Sua maior dificuldade ao trabalhar a leitura em sala de aula é “o desinteresse, falta de motivação, preguiça, literalmente, por parte do aluno. Eles gostam se há uma questão bem fácil com resposta, facilmente, localizada no texto. Como, por exemplo, ‘quem descobriu o Brasil? ’ Ai, eles acham escrito lá‘ quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral’. Eles ficam felizes e contentes acham que a resposta é muito fácil. Agora se pergunto: ‘de que forma? Como aconteceu? ’, exigindo nova leitura e interpretação para lançar a resposta, fica complicado. A dificuldade do aluno é a preguiça mesmo, ou falta de interesse, para ir a fundo. Esta disciplina força ler as entrelinhas, como em qualquer texto seja uma reportagem de jornal, na TV”.

Essa dificuldade é driblada com constantes esclarecimentos sobre a importância de ler e da disciplina de História. “Vou apontando para o aluno, que numa atividade utilizo questões chamadas ‘bobas’, exigindo a localização de uma informação explícita. Achou? Agora vamos avançando nas atividades e no grau de dificuldade. Tanto que, sempre a última atividade é a produção de um texto, sobre as informações geradas no primeiro plano. Assim, vão contextualizando”.

Percebemos, até este trecho, que a visão dessa professora sobre seu trabalho com a leitura se aproxima, como na proposta anterior, de uma visão

interacionista, em que os educandos deveriam construir sua interpretação a

partir do texto, esta motivada pela ação do educador. Ela se preocupa com a diversidade de gêneros textuais e como as idéias são vinculadas pelos textos. Busca ajudá-los a construir sentidos inferidos através dos implícitos, “das entrelinhas” e dos explícitos “questões bobas”.

A professora percebe a necessidade de avançar e retroceder ao texto para construírem uma interpretação. Entretanto, não estabelece, junto aos educandos, o objetivo para a leitura que poderia instaurar um elo entre o texto e os seus alunos, como recomenda Solé (op.cit).

A professora ainda ressaltou, ao final de nossa conversa, que seus alunos têm muitas dificuldades. “Eles empacam na própria disciplina, pois não fazem uma ponte entre o passado e o presente. Vira um bicho de sete cabeças, primeiro acham que redação não tem em História”.

Esse trecho nos revela que ela tem consciência sobre seu papel em relação à leitura. Entretanto, vamos analisar em seguida sua proposta para verificar se há relação entre esta dificuldade e o desenvolvimento de seu trabalho.

2.3.1. A proposta de leitura B

Nessa proposta também há um planejamento prévio por parte da professora que esquematiza como conduzirá a leitura em sala de aula do começo ao fim do processo.

a) Primeiro os alunos recebem a cópia do texto e o lêem em sala de aula.

b) A professora retoma partes do texto e aos poucos estabelece a contextualização através de algumas palavras a situação do Brasil, naquela época. Destaca primeiro os trechos que apontam o esquema de segurança no

governo Getúlio e a conjuntura internacional (2.ª Guerra). Comentando as seguintes palavras relacionadas ao Brasil: tribunal, Prestes (partido Comunista), prisão, Sobral Pinto (advogado), cartas censuradas e Filinto Müller (integralismo). Sobre o cenário internacional, destaca: Gestapo, nazista, Cruz Vermelha.

c) Depois dessa explicação sobre o contexto político com base nas informações retiradas do texto Olga, a professora destaca outros principais pontos, como a temporalidade: 1937, ano relacionado ao governo constitucional, integralismo versus aliancismo (Prestes), Intentona Comunista, prisão do casal.

d) Há solicitação de uma atividade: os alunos devem elaborar um texto ou roteiro que localize o leitor historicamente no tempo.

e) Outra atividade é solicitada para ser desenvolvida em casa: levantar informações através de pesquisa em sites de busca da Internet sobre a conjuntura internacional no período em questão. (Europa – nazismo – Adolf Hitler).

f) A professora utiliza o CD-room A 2.ª Guerra – holocausto na sala de informática para visualizar os horrores dos campos de concentração nazista.

g) A professora exibe em sala de aula o filme Olga, de Jaime Monjardim. Após a sessão propõe uma discussão sobre o filme e destaca a cena relacionada ao texto.

h) Após a releitura do texto solicita que os alunos relatem a experiência do que é ler um texto, imaginar a cena, e depois assistir um filme, o qual toda a cena já vem construída.

i) Os alunos deverão realizar mais uma atividade: Elaborar um desenho ou história em quadrinhos sobre a primeira parte do texto, que relate a emoção de Prestes com a leitura da carta de Olga.

2.3.2. Análise da proposta B

Nessa proposta fica clara uma distância entre a visão interacionista que a professora possui e sua prática de leitura em sala de aula. Ela ressalta em seu perfil a importância dos gêneros textuais, porém em momento algum seu trabalho foca as idéias vinculadas ao gênero do texto trabalhado. Essa oportunidade perde-se, principalmente, quando ela, no item b, acertadamente destaca palavras essenciais do texto, relacionando, por exemplo, tribunal a situação da justiça brasileira e a prisão de Prestes.

A oportunidade de trabalhar o gênero passa mais uma vez, no item c, em que a professora traça uma linha temporal entre texto e contexto. Ou seja, a abertura de uma carta explicita o lugar, data e destinatário, como Olga demonstra “(27) Berlim, abril de 1937. (28) Meu Carli”.

Entretanto, a professora preocupa-se somente com as informações do ano governado por Getúlio Vargas, relacionando-o ao integralismo, este alinhado ao pensamento fascista, em contraponto a Prestes e seu aliancismo, um movimento de oposição ao governo. Acreditamos que suas explicações foram motivadas pelo texto, porém não há um posicionamento claro sobre a narrativa ou sobre a carta.

No item d, a professora inicia um processo de leitura que Solé (op. cit.) julga essencial: avaliações que possam mediar todo o processo de leitura. Os alunos deverão elaborar um texto (ou roteiro) para situarem-se no tempo, instaurando, assim, um princípio de leitor-sujeito.

Depois, em casa, deveriam consultar sites de buscas da internet sobre Europa, nazismo e Hitler, prosseguindo na coleta de informações. No final, há solicitação de uma história em quadrinhos ou desenho sobre a emoção de Prestes. Nesta última atividade, a professora preocupa-se com a emoção do aluno, numa tentativa de identificação pessoal.

Nos itens f e g, a professora abandona o texto e inicia um trabalho com CD-room e o filme de Olga. Ou seja, o gênero inicial é descartado para ser

relido numa comparação com o filme. Do nosso ponto de vista, filme passa ser um subterfúgio à leitura do texto.

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