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PROTOCOLOS DE LEITURA: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR

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Academic year: 2018

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PROTOCOLOS DE LEITURA:

UMA

PROPOSTA INTERDISCIPLINAR

Mestrado em Língua Portuguesa

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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WANDERLÉA OLIVEIRA SANTOS

PROTOCOLOS DE LEITURA:

UMA

PROPOSTA INTERDISCIPLINAR

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, Linha de Pesquisa Leitura, Redação e Ensino de Língua, sob a orientação do Profº Drº João Hilton Sayeg de Siqueira.

PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Protocolos de leitura: uma proposta interdisciplinar

Wanderléa Oliveira Santos

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

_________________________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos, desde que citada a fonte.

Wanderléa Oliveira Santos

lleaoliveira@uol.com.br

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DEDICATÓRIA

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RESUMO

As dificuldades em trabalhar a leitura em sala de aula motivaram esta pesquisa sobre a leitura, que centra-se nas práticas de leitura de professores de História. Trata-se de averiguar como fatos históricos e sociais são mediados através do texto. O objetivo é incentivar uma prática pedagógica de leitura a partir da criação de protocolos de leitura, numa perspectiva interdisciplinar, entre as disciplinas de Língua Portuguesa e História, no Ensino Fundamental. A construção de protocolos de leitura exige uma visão múltipla sobre leitura, em que a ética seja capaz de superar cânones e construir uma interpretação crítica. Esta submetida à retórica, verdade, textualidade e razão, contribuindo para a formação de um sujeito-leitor, num trabalho coletivo entre educandos e educadores.

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ABSTRACT

Reading protocols: an interdisciplinary proposal

The difficulties to work with reading activity in classroom motivated this research about reading, which focuses the reading practice of History teachers. It investigates how historical and social facts are mediated through the text. The aim is to encourage a reading pedagogical practice from the creation of reading protocols, in an interdisciplinary proposal, between the subjects Portuguese Language and History in the primary school. The construction of reading protocols demands a multiple vision about reading, in which the ethic is able to surpass canons and build a critical interpretation. This one submitted to the rhetoric, truth, textuality and reason, contributing to the education of a subject-reader, in a collective work among educators and students.

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Sumário

Introdução ... 09

1. Fundamentação teórica 1.1. Reflexões teóricas sobre a leitura na escola ... 11

1.2. Concepções de leitura ... 21

1.3. Protocolos, estratégias e diversidades de leitura ... 25

1.4. Uma aproximação entre estratégias e protocolos ... 38

2. Procedimentos de leitura dos professores de História em sala de aula 2.1. Introdução ... 43

2.2. O perfil da escola e da professora A ... 45

2.2.1. A proposta de leitura A ... 46

2.2.2. Análise da proposta A ... 49

2.3. O perfil da escola e da professora B ... 51

2.3.1. A proposta de leitura B ... 53

2.3.2. Análise da proposta B ... 55

2.4. O perfil da escola e da professora B1 ... 56

2.4.1. A proposta de leitura B1 ... 57

2.4.2. Análise da proposta B1 ... 58

2.5. O perfil da escola e da professora C ... 60

2.5.1. A proposta de leitura C ... 62

2.5.2. Análise da proposta C ... 63

2.6. O perfil da escola e da professora D ... 64

2.6.1. A proposta de leitura D ... 66

2.6.2. Análise da proposta D ... 67

2.7. Uma perspectiva interdisciplinar de proposta de leitura: Língua Portuguesa e História ... 69

3. O texto 3.1. Introdução ... 80

3.2. Dona Leocádia enfrenta a Gestapo. (Olga, de Fernando Morais, trecho do 80 capítulo 17)... 4. Uma leitura de Olga 4.1. Introdução ... 82

4.2. Uma leitura ... 83

5. Algumas conclusões ... 94

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Introdução

Este trabalho pretende investigar como o professor de História, por meio da leitura, constrói percursos de sentidos para o texto, em sala de aula, no Ensino Fundamental.

A escolha da disciplina História não foi aleatória. Trata-se de averiguar como fatos históricos e sociais são mediados através do texto na sala de aula. Comumente, os trabalhos de leitura centram-se na disciplina de Língua Portuguesa, e pretende-se verificar como textos são trabalhados em outras disciplinas quanto a procedimentos de leitura.

Inicia-se pela disciplina de História por ser uma matéria que trabalha quase que essencialmente com textos no tratamento de seus conteúdos. Esse direcionamento possibilitará um caminho interdisciplinar entre História e Língua Portuguesa, o qual será a base para a construção de protocolos de leitura.

Nosso tema é a construção de protocolos de leitura, numa perspectiva interdisciplinar. Ler é uma ação que pode ser praticada individualmente ou em grupo, dentro ou fora do ambiente escolar, que utiliza nossa língua e lida com os sentidos da visão ou audição. Entretanto, foca-se no professor a necessidade de uma prática pedagógica que permita ao aluno o desenvolvimento crítico sobre os textos trabalhados na escola.

Assim, foi definido o problema central deste trabalho: as dificuldades em trabalhar a leitura em sala de aula. Como o professor constrói uma interpretação crítica? Boa parte das dificuldades é motivada pela falta de uma ação pedagógica que permita o desenvolvimento de práticas críticas de leitura.

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No capítulo 1, apresentaremos a fundamentação teórica necessária às reflexões históricas sobre a leitura na escola, concepções de leitura, protocolos e diversidades de leitura e, também, uma aproximação entre protocolos e estratégias.

No capítulo 2, investigaremos os procedimentos de leitura de cinco professoras de História, através da elaboração de suas propostas de leitura. Para ampliar a análise dessas práticas em sala de aula, traçaremos um perfil de cada escola e professora.

Abordaremos também, neste capítulo, uma perspectiva interdisciplinar de leitura entre disciplinas de Língua Portuguesa e História para a construção dos protocolos de leitura.

No capítulo 3, selecionaremos o livro Olga, de Fernando Morais. Essa biografia revela fatos marcantes do cenário político nacional, os quais fazem parte do conteúdo programático da maioria das escolas de ensino fundamental, ciclo II, na oitava série. Analisaremos apenas um trecho, em que Luís Carlos Prestes está na prisão. Ele recebe a carta de Olga e descobre que ela está viva e tem uma filha.

No capítulo 4, realizaremos uma leitura do trecho, capítulo 17, de Olga, de Fernando Morais, conscientes de que outras leituras são possíveis e que a nossa revela apenas uma proposta neste tempo e espaço em que vivemos.

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1. Fundamentação teórica

1.1. Reflexões históricas sobre a leitura na escola

Todo o mundo a nossa volta é passível de leitura. Lemos os outdoors, as expressões fisionômicas, as artes plásticas, as emoções, os panfletos, notas fiscais, rótulos de alimentos, sinais de trânsito e outros. Nosso mundo é um mundo de leitura!

Nessa leitura de mundo cabe a reflexão de Paulo Freire (2003) sobre a importância do ato de ler. Ele nos lembra que é um processo que envolve “uma compreensão crítica, a qual não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas antecipa e alonga-se na inteligência do mundo. Uma compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e contexto”.

Para o educador, a consciência pessoal sobre compreensão crítica construiu-se ao longo de sua vida, desde a infância na leitura do mundo e depois com a leitura da palavra, esta que nem sempre foi ao longo de sua escolarização, como ele mesmo denomina, a leitura da “palavramundo”.

As lembranças do garoto Paulo permitiam “ler” o mundo em que vivia de forma significativa; nas palavras do autor “re-crio e re-vivo”, experiências anteriores à leitura da palavra escrita. Desse contexto, fazia parte o universo da linguagem dos mais velhos com os seus gostos, receios e valores.

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não do mundo de seus pais. O chão foi seu quadro-negro; gravetos, o giz. Quando chegou à escolinha, já estava alfabetizado, porém com a professora a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou a ruptura com a “leitura” do mundo.

Através da professora, a leitura da palavra foi leitura da “palavramundo”, nos primeiros anos escolares. Depois veio a percepção crítica, durante o chamado curso ginasial, em que não havia “lições de leitura, no sentido tradicional dessa expressão. Eram momentos em que os textos se ofereciam à inquieta procura de professor e alunos”.

Atuando como professor, nosso mestre Paulo Freire, comenta que os termos gramaticais não eram reduzidos a “tabletes de conhecimento” que deveriam ser engolidos pelos alunos. Tudo era proposto à curiosidade de forma “dinâmica e viva” no corpo dos textos estudados ou elaborados pelos próprios alunos.

Sua crítica recai também sobre ler um texto como descrição de um objeto para uma memorização mecânica. Esta não resulta em conhecimento, assim como a insistência na quantidade de leitura sem o devido aprofundamento nos textos. É uma crítica à “magicização (sic) da palavra”, a qual para combater requer “ler sempre e seriamente, os clássicos neste ou naquele campo da saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual, sem a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto professores e estudantes”.

Suas experiências de leitura formaram uma “arqueologia” sobre a compreensão do complexo ato de ler, presente em sua proposta de alfabetização de adultos. Esta, acima de tudo, um ato político e um ato de conhecimento que não podem ser reduzidos à memorização mecânica. A ajuda do educador não pode significar aos educandos uma anulação da criatividade e responsabilidade deles na construção de sua linguagem escrita e na leitura dessa linguagem.

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um movimento do mundo à palavra e vice-versa. Ele propôs também a criação das bibliotecas populares para a democratização do ensino da leitura.

As bibliotecas populares funcionariam como centros culturais em que se aplicariam a correta compreensão do que é a palavra escrita, a linguagem, as relações com o contexto de quem fala, lê e escreve. Compreensão entre leitura do mundo e leitura da palavra.

Dessa forma, concordamos que sob está ótica o trabalho de educadoré um ato político. Devemos observar se o educador está apenas reproduzindo o poder dominante; se o educador mantém uma ideologia dominante é porque acredita na “magicização” da palavra, numa palavra de salvação para os analfabetos, melhor, “alfabetizandos”, como se referia Paulo Freire.

O ato de ler, então, é um ato político que envolve um movimento constante, e não fim, entre o mundo e a palavra na hora do aprendizado da leitura. Para Manguel (1997:20) “todos nós lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não podemos deixar de ler. Ler é quase como respirar, é nossa função essencial”.

Manguel (1997:85-103) relata como ao longo da história fomos ensinando nossas crianças a ler nas escolas. Sua experiência pessoal de leitura revela a ideologia que cerceava seus impecáveis cadernos de leituras. O ensino era de instrução e não de prazer ou para o conhecimento. Slogans como: “As Malvinas pertencem à Argentina, transformava-se em duas mãos ligadas em torno de um par de ilhas irregulares”.

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Sobre o ensino formal da leitura e as relações de poder e política, Manguel (op. cit) revela-nos uma prática muito comum herdada da escolástica, entre os séculos XII e XIII por filósofos, em que “pensar é uma arte com leis meticulosamente fixadas”. Era um método de leitura capaz de conciliar à religião católica aos argumentos da razão humana, numa concordia discordantium, harmonia entre opiniões divergentes. O que para o autor era uma forma de preservar idéias e não trazê-las à tona.

A escolástica seguia os preceitos da retórica de Aristóteles, que era a arte de persuadir em qualquer questão. Para Manguel, “a essência do método escolástico consistia em pouco mais que treinar o estudante a considerar um texto de acordo com certos critérios preestabelecidos e oficialmente aprovados, os quais eram incutidos neles à custa de muito trabalho e sofrimento”.

Aprender a ler dependia mais do esforço e perseverança do aluno do que de sua inteligência. Até o século XVI, a escolástica esteve presente em todas as universidades européias e aparatos católicos. O início dessa prática de leitura dá-se com a queda do sistema romano, por volta do século IV e V, e ganha força no século IX, após Carlos Magno ordenar que todas as igrejas e catedrais ofereçam treinamento para clérigos nas artes da leitura, escrita, canto e cálculo.

Mesmo após o crescimento das cidades, um século depois, as escolas continuavam como Carlos Magno concebeu: fisicamente, as aulas eram ministradas em grandes salas, o professor à frente, no alto, num atril, com um livro aberto e uma vara de vidoeiro à mão e seus pupilos em bancos.

As escolas voltavam-se para a educação dos meninos a partir dos seis anos até treze ou catorze, quando iam para universidade. As meninas ficavam sob os cuidados das mães. Era comum as meninas aprenderem a ler, principalmente, se fossem destinadas à carreira de freira. Caso contrário, às leituras não sagradas, havia o temor de trocas de correspondências indecorosas e apaixonadas.

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para depois atingir o sensus, significado do texto segundo interpretações preestabelecidas. Por fim, a sententia, discussões sobre as opiniões de comentadores aprovados.

Esse método de ensino não se estruturava sobre leitura de textos originais e nunca atingia um ponto de vista pessoal. Era comum saber recitar e comparar interpretações, porém falar e escrever latim eram quase inatingível. Contribuíam para isso, por exemplo, a pouca pontuação do texto, uso irregulares de maiúsculas e minúsculas. As abreviações aleatórias também dificultam, o aluno devia saber não só as sílabas como também uma infinidade de abreviações, que ocorriam por economia de papel e até pressa dos jovens em anotar o que o mestre falou.

A situação do ensino da leitura começa a alterar-se quando os ideais do Humanismo passaram a valorizar as interpretações humanas. Entretanto, os alunos ainda não tinham autonomia para interpretar plenamente. Como na escola francesa de Sélestat, por volta de 1400, em que as regras de gramática passaram a ser explicadas e não simplesmente decoradas e copiadas da lousa. Descartaram-se as glosas e comentários tradicionais em favor dos textos clássicos dos Pais da Igreja, e valorizou-se e a orientação e discussão desses textos.

Crato Hofman, professor de Sélestat, anos mais tarde, tinha como prioridade desenvolver em seus alunos a capacidade de ler com fluência, correção e inteligência, habilmente “ordenhando o texto para cada gota de significado”. Todavia, a caligrafia, “arte de escrever belamente”, não era deixada de lado; incentivava também a elaboração de um Index rerum et verborum (Índice das coisas e verbos), a fim de que os alunos pudessem interpretar e traduzir com autoridade.

Nesse período, a invenção da imprensa facilitou o acesso e aumentou a quantidade de livros. Uma mudança que gerou uma comunidade leitora capaz de absorver a ideologia católica e um conhecimento humano mais abrangente.

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idade, que aprenderiam ler, escrever, cantar e aritmética. Até o século XVII, o latim ainda era a língua de maior prestígio. Porém, no início do século XVI as línguas vernáculas começam a ganhar força, graças a Martinho Lutero, que publicou a Bíblia em alemão. Através de decretos governamentais, Suécia e Dinamarca determinaram leitura em vernáculo da Bíblia, nas igrejas e, assim, o latim vai perdendo seu espaço.

Para Manguel, a passagem do método escolástico para sistemas mais liberais de pensamento alterou também o papel do erudito e do professor em que a busca do conhecimento era sucumbida a certas regras, cânones e sistemas aprovados de ensino. Os humanistas passavam avante uma leitura “correta” e comum estabelecida, mas também ofereciam aos alunos a perspectiva humanista mais vasta e pessoal. Os alunos reagiram circunscrevendo o ato de ler ao seu mundo e experiência íntimos e afirmando sobre cada texto sua autoridade de leitores individuais.

Para ilustrar ainda mais o ensino da leitura, Manguel (1997:105-111) conta-nos como, no fim século XIX, certo jovem adorava ler e odiava a escola. Primeiro vamos caracterizar, através de Manguel, o “alicerce”, ideais históricos desta escola, fundados em 1782, quando o imperador José II promulgou um érido, o Toleranzpatent, que teoricamente aboliu a maioria das barreiras entre judeus e não-judeus no Sacro Império Romano, com a intenção de assimilá-los à população cristã.

A nova lei tornou compulsória para os judeus a adoção de nomes e sobrenomes alemães, o uso oficial da língua alemã, o alistamento militar e a freqüência às escolas seculares alemãs. Um século após essa lei, em 15 de setembro de 1889, na cidade de Praga, o menino Franz Kafka foi matriculado na escola, aos seis anos de idade.

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posto na rua, para a imensa satisfação de todos os homens honrados, livres de um pesadelo”.

A escola incomodou profundamente Kafka. Na época, o ano escolar era composto de dez meses, com um terço dedicado às línguas clássicas. O restante do tempo distribuído em aulas de alemão, geografia, história e um pouco para aritmética. Tcheco, francês e educação física eram opcionais, porém o pior era ser obrigado “a decorar a lições e vomitá-las quando exigido”, reclamava.

Os professores culpavam os alunos pela falta de apreço e os tratavam com desprezo, segundo carta de Kafka à sua noiva, em que escreveu: “Lembro-me de um professor que ao ler a Ilíada para nós costumava dizer: ‘É uma pena ter que ler isto para gente como vocês. Vocês não podem compreender, e mesmo se pensassem que podem, não entendem nada. É preciso ter vivido bastante até compreender um fragmento mínimo’”.

Amigo e biógrafo de Kafka, Max Brod, considerava o ensino religioso fraco. Uma vez que os alunos judeus eram em maior número que os protestantes e católicos, eram eles que ficavam na sala para ouvir uma síntese das aulas da história judaica, em alemão, e recitação de orações em hebraico, uma língua desconhecida para eles.

O jovem Kafka libertou-se somente mais tarde quando desenvolveu suas próprias leituras. Buscava muitos sentidos e não somente o literal de cada livro. Fez uma ponte entre com os antigos talmudistas, para quem a Bíblia continha uma multiplicidade de sentidos e cuja busca contínua era o objetivo de nossa viagem na Terra. Kafka revela a um amigo: “Lemos para fazer perguntas”.

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Escritor e voraz leitor de livros, Kafka, em 1904, escreve ao amigo Oskar Pollak: “No fim das contas, penso que devemos ler somente livros que nos mordam e piquem. Se o livro que estamos lendo não nos sacode e acorda como um golpe no crânio, por que nos darmos ao trabalho de lê-lo? Para que no faça feliz, como diz você? Meu Deus, seríamos felizes da mesma forma se não tivéssemos livros. Livros que nos façam felizes, em caso de necessidade, poderíamos escrevê-los nós mesmos. Precisamos é de livros que nos atinjam como o pior dos infortúnios, como a morte de alguém que amamos mais dos que a nós mesmos, que nos façam sentir como se estivéssemos sido banidos para a floresta, longe de qualquer presença humana, como um suicídio. Um livro tem de ser um machado para o mar gelado de dentro de nós. É nisso que acredito”.

Manguel acredita que o crucial para Kafka ser o Kafka, que lemos hoje, foi sua experiência de leitura, sua insatisfação com o tratamento dado a leitura e a formação de leitores na escola em que freqüentou. Sua ira ao ler e reler os livros que ceifaram suas expectativas iniciais e renasceram em múltiplas leituras, sentidos

.

Para nós, fica cada vez mais evidente como a leitura foi tratada na escola até então. Entretanto, associar ao ensino da leitura a leitura da palavra “palavramundo”, a um ato de ler político e a um ato de nos compreender, ainda exige mais reflexões sobre o ensino da leitura, mais precisamente sobre o ensino brasileiro e o perfil histórico do leitor brasileiro.

Nesse aspecto, Nunes (1998) traçou um perfil do leitor brasileiro na escola, considerando duas noções propostas por Orlandi (1988): a história do sujeito-leitor e a história das leituras.

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historicidade de sentidos, por sua sedimentação histórica, assim como a intertextualidade.

Para o autor, ao traçar o perfil do leitor brasileiro na escola, ficou óbvio a presença de três instâncias ideológicas: jurídica, econômica e política. Essas ideologias não estão fundamentadas no sentido de “falsidade” nem de “visão de mundo”, tampouco de “idéias”. Elas são feitas de práticas, um espaço ideológico contraditório em que estão intrínsecas diferentes formações discursivas. A leitura convive num espaço entre prática escolar e outras práticas correntes em nossa sociedade.

No espaço jurídico, a leitura, a interpretação e o ensino de gramática são constantemente julgados e avaliados pelo educador. Os testes e as provas moldam o leitor da instituição escolar. Outra característica é a restrição quanto ao trabalho de arquivo e memória que, segundo o autor, revela uma herança do período colonial. Este com uma história particular de construção de arquivos, marcada pela censura, pela dependência externa e pela escassez de material.

Nos primeiros séculos de colonização só eram permitidas a circulação de livros religiosos e de textos indicados pelas normas da Companhia de Jesus. Na história recente, o Brasil viveu sob ditaduras que deixaram marcas em seus arquivos e bibliotecas. Enquanto enfatizava-se nas escolas o caráter experimental (ao modo das “feiras de ciências”), as bibliotecas e os próprios laboratórios das escolas públicas se extinguiam.

No espaço econômico, a leitura e o livro são tratados como algo que se pode vender, trocar, emprestar, guardar, acumular. Por isso, revela o comércio de lojas e editoras, ou seja, um mercado que visa à produção e à venda. Por outro lado, revela que cabe às bibliotecas a manutenção, a valorização e o empréstimo. Há uma administração, conforme interesses em jogo.

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Além disso, há uma divisão entre a escola pública e a escola privada em que os fatores econômicos determinam as diferentes práticas de leitura: aquisição de livros, formação de bibliotecas, gastos com pessoal, entre outros. E ainda, vendo a leitura como trabalho, percebe-se em diversos domínios a construção e a sustentação de interpretações com finalidades específicas: na escola, na administração pública, na propaganda, na universidade, nas instituições religiosas. Há um trabalho social da leitura que em sua divisão configura diferentes perfis de leitores.

Na administração da leitura, o livro é um bem de consumo sujeito ao comércio. O livro é um produto que pode vender bem ou não e conforme interesses determinados por apoio editorial. Já o leitor, é localizado em meio às relações de produção do modo capitalista “produtividade”, “rendimento”, “organização”, “competência”, “eficiência”, “rapidez”. Esses termos metaforizam o campo da leitura e do espaço econômico, são gestos que orientam para as práticas de administração de empresas, de gerenciamento das forças produtivas, presentes na escola, nos meios de comunicação, no cotidiano.

Na escola, esses gestos de leitura estão presentes nas avaliações, controles em diário de classes, boletins, históricos, nas técnicas de estudo e memorização; em práticas de ensino que envolve a elaboração de fichas, contagem de livros lidos, avaliações dos textos, eleição de frases e palavras-chaves, modelos interpretativos em forma de perguntas e testes de múltipla escolha.

Esses procedimentos, para Nunes, estimulam uma burocracia da interpretação, e podem levar o educando à mecanização da leitura, asfixiado nas malhas administrativas e inserido na repetição da construção dos bancos de dados.

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de composição, montagem, editoração, conjugando texto, imagem, sons, organização de funções enunciativas, e outras.

As novas tecnologias, sob o aspecto econômico, aparentam neutralidade porque é preciso considerar os fatores de oferta e demanda, circulação e de modo de tratamento dos textos, segundo interesses particulares. Na escola, a aquisição de livros está sujeita às verbas que dispõe. Freqüentemente, opta-se por edições mais baratas, de impressão inferior, ou pacotes de livrarias especializadas. A demanda do leitor parte de sistemas de distribuição através de perfis socioeconômicos, leitores ideais, consumidores virtuais.

O perfil do leitor da escola pública no Brasil tem se caracterizado pelo aspecto de ensino de massa, homogeneizado, imagem produzida pela política educacional e pelas condições econômicas em vigor no país.

No espaço político, Nunes aborda dois aspectos: a leitura como discurso que em si constitui uma forma política, a qual produz sentidos por sujeitos e para sujeitos, e o aspecto de dominação política e sua relação com práticas de leitura.

Em diversos domínios culturais o autor analisa a proliferação de práticas de leitura definidas por especialistas, os quais estabelecem sentidos e técnicas, enquanto que grupos anônimos repetem esses gestos e sustentam essas interpretações.

Há dominação do discurso Liberal na leitura, numa ilusão de que se pode ler “tudo” e “o que quiser” com conhecimento de “todos sentidos”, numa imagem de leitor “heróico”, que por sua própria iniciativa, sem limitações da censura ou condições financeiras.

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A ausência de bibliotecas, de recursos para aquisição de livros, de funcionários, de coordenação pedagógica, aliada ao desinteresse político dos governantes influencia a prática do professor, submetendo-o a essa situação.

Então, a história particular do leitor brasileiro é marcada pela não-legitimidade de uma tradição lingüística da oralidade, pela dependência econômica e tecnológica, pela desigualdade de condições de leitura, pela utilização não-crítica de modelos interpretativos, segundo Nunes (op.cit).

1.2. Concepções de leitura

“Não restam dúvidas de que é isto a leitura:

reescrever o texto da obra dentro do texto de nossas vidas.”

Roland Barthes

Pensar em trabalhar leitura em sala de aula implica uma postura aberta às diversidades, sejam de teorias, sejam de posturas pedagógicas. Ao longo da história humana o conceito sobre leitura foi sendo alterado e expandido. Em Orlandi (2001), encontramos a noção polissêmica de leitura, capaz de acomodar, se não todas, pelo menos boa parcela das diversas correntes teóricas.

Para Orlandi (2001:7-9), leitura, numa visão mais ampla, é a atribuição de sentidos, tanto para a escrita quanto para a oralidade; concepção usada para dizer “leitura de mundo”, que carrega posturas ideológicas; no sentido acadêmico, é a construção de um aparato teórico e metodológico de aproximação de um texto e que possibilita várias leituras; há também leitura veiculada à alfabetização em que se aprende ler e escrever.

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torná-lo pessoal, trazê-lo à nossa própria vida e pensamento, ao nosso juízo e acções pessoais”.

De modo geral, o autor expõe e aceita o princípio de Derrida, para quem “nada existe fora da textualidade”. Porém, também afirma que “o leitor sempre se encontra fora do texto”. Este aparente paradoxo, na verdade, revela estarmos sempre fora do texto, mas não fora da trama da textualidade. Esta relaciona tudo o que vivemos, somos e nunca se finda, segundo Scholes.

O autor também ocupa-se da leitura como atividade intertextual em que “a leitura não se limita à redução de um texto ao cerne de qualquer propósito predeterminado”. A leitura vista como ligação de sinais de um texto ao conjunto de outros sinais, percepções. Neste ponto de vista, se a percepção for um tipo de leitura, esta seria rudimentar, pré-consciente, uma abertura de caminhos em que leitura é simplesmente “ler a vida” em que devemos extrair o máximo de cada experiência de leitura. Sendo possível relacionar o passado e o presente, um lugar a outro, um texto a outro texto por meio de figuras de memória, idênticas às figuras de retórica.

Completando o conceito sobre leitura, encontramos em Solé (1998:22) a visão interacionista em que a leitura é vista como um “processo de interação entre o leitor e o texto”. Assim, esse conceito, que a própria autora reconhece não ser novo, carrega várias conseqüências, entre elas: “exige um leitor ativo que processa e examina o texto; deve haver um objetivo que guia a leitura; outra conseqüência derivada é a interpretação dos textos que lemos depende em grande parte do objetivo da nossa leitura” 1.

As palavras de Orlandi, Scholes e Solé demonstram a impossibilidade de uma receita única sobre leitura e nos levam às trilhas: reunir conceitos, com o propósito, de com esta união trazermos o texto para o centro de nossas vidas, da vida de nossos alunos. Isso proporcionaria um aprofundamento naquele assunto, considerando os leitores que eles já são com suas histórias e ideologias, em que o domínio do código é um ponto de partida e o sucesso da leitura dependerá, em parte, dos objetivos do professor.

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Para Scholes (op.cit.), “é impossível penetrarmos nos textos que lemos, porém eles são capazes de entrar em nós; é isso que precisamente constitui a leitura”. Desse modo, existe a necessidade de aprofundarmos nos meandros da composição do texto e o relacionarmos com o nosso mundo, numa visão particular de cada leitor.

Solé (op.cit.), pressupõe que “para ler é necessário dominar as habilidades de decodificação e aprender as distintas estratégias que levam à compreensão”. Também supõe que “o leitor seja um processador ativo do texto, e que sua leitura seja um processo constante de emissão e verificação de hipóteses que levam à construção da compreensão do texto – de comprovação de que a compreensão realmente ocorre”.

Para Orlandi (op. cit.), o que delimita os sentidos atribuídos à leitura é a idéia de interpretação e de composição. Se muitos são os sentidos, a autora faz um recorte na perspectiva discursiva. Sendo assim, a leitura seria trabalhada e não ensinada. A escrita e a oralidade fazem parte da instauração de sentidos. Há um sujeito-leitor com suas especificidades e história, sentidos e sujeitos são historicamente determinados. Há múltiplos e variados modos de leitura e, enfim, a vida intelectual relaciona-se com os modos e efeitos de leitura de cada época.

O ponto de partida em Orlandi é que a leitura é produzida e para tal esbarra na legibilidade. Esta, para ser alcançada, depende da relação estabelecida entre texto e leitor. Um leitor virtual que pode ser “cúmplice ou adversário” do autor do texto. A interação inicia-se no jogo entre leitor virtual e

leitor real, que por si já é um embate crítico, de confronto. Existirão interlocutores no desencadeamento do processo de atribuição de sentidos, em que sujeitos e sentidos ocorrem simultaneamente.

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conforme o texto lido. Esses interlocutores serão sempre mediados pelo texto, que este revelará ao leitor o que seu escritor pretendia expor.

Por isso, é necessário avaliar essa relação ora conflitante ora reconfortante, de confronto, que nos leva para um mundo imaginário, ou não, porém sempre significante. Através dessa relação, sujeito-leitor e texto, o leitor poderá lançar um olhar mais crítico sobre seu cotidiano. Há personagens, histórias e autores que nos acompanham para o resto vida, sempre nos ensinando, remodelando e criticando.

O contexto e os objetivos são fundamentais no momento da leitura, porque sujeitos e sentidos são elementos do processo da significação. Por isso, Orlandi (op. cit.) alerta-nos sobre a impossibilidade de pensar num autor controlador de toda a significação de seu texto, bem como a existência de um texto transparente e de única significação e um leitor onisciente capaz de absorver todos os sentidos.

Além disso, “existe uma tensão entre paráfrase e polissemia”. Na primeira, há reprodução ou reconhecimento de um sentido que se supõe dado pelo autor. A segunda define-se por atribuição de múltiplos sentidos e, ambas, estão inseridas na idéia de produção de leitura. Uma produção que deriva de posições relativas, histórica e socialmente, determinadas, que unem o simbólico (lingüístico) e o imaginário (ideológico), nas palavras de Orlandi.

O que percebemos num texto, porém não é imediatamente detectado. Orlandi (op. cit) chama de relações deforças, em que os interlocutores têm seu lugar social e os sentidos são determinados pelos que produzem. É daí que nasce a relação entre discurso e formações ideológicas, que produzirá diferentes leituras.

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Para expandir um pouco mais sobre o conceito de leitura e a produção de sentidos, Scholes (op. cit.) recorre a metáforas de movimentos, como linhas retas, em vai e volta, e também um movimento circular de posturas centrípetas e centrífugas.

A leitura centrípeta concebe o texto em sua intenção original, no centro, reduzindo-o ao seu puro núcleo de intencionalidade não mesclada. Já na

centrífuga, a vida do texto percorre a circunferência constantemente, possibilitando novos significados.

Enfim, a leitura é antes de tudo um processo, contudo criativo e crítico,

dialético. Indo mais além, a leitura é um esforço conjugado entre compreender e incorporar. É inventar um autor, isto é, imaginar propósitos, segundo Scholes, e utilizar a criatividade para que o texto seja incorporado ao nosso repertório pessoal.

É possível perceber que temos leituras com sentido literal e leitura com sentidos inferidos. Leituras que podem ser mediadas pelo texto, contexto, objetivos do professor e do aluno. A mediação do professor deve sempre considerar seu aluno-sujeito, inserido numa sociedade com costumes e padrões.

Assim, para nós, será fundamental o professor abraçar a diversidade teórica sobre leitura. Uma leitura, para ser a leitura, deve adentrar nossas vidas e acrescentar, lapidar e amalgamar tudo o que somos. Ela parte de uma experiência pessoal, do nosso universo de crenças e sentidos, interagindo com o texto, com a trama da textualidade, dialogando com outros textos já lidos por nós e, sobretudo, canalizando nossa finalidade.

1.3. Protocolos, estratégias e diversidades de leitura

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livres, com autonomia suficiente para enfrentar os mais diversos textos que são distribuídos e consumidos em nossa sociedade.

Scholes (1989-66:67) centra Jacques Derrida na possibilidade de criação de protocolos de leitura. A expressão protocolos de leitura é de Derrida, a qual Scholes debate e centraliza, claramente, em seu trabalho.

”A leitura é transformadora... Mas tal transformação não pode efectuar-se de qualquer maneira; exige protocolos de leitura. Por que não dizer francamente: não encontrei ainda um que me satisfizesse”. Jacques Derrida

A franqueza de Derrida talvez desanime muitos e muitos educadores que esperam encontrar protocolos, regras de leitura, capazes de uma ação interpretativa. A busca de protocolos torna-se quase impossível, justamente porque seu objetivo seria a interpretação, a existência da verdadeira interpretação.

Por isso, Scholes alerta-nos que a estrutura do ser humano ergueu-se sob a interação. Comunicamos e temos a necessidade de permutar significados àqueles que identificamos como semelhantes.

Entretanto, a alternância entre escritor e leitor equilibra e contraria nosso desejo de comunicação, porque “como leitores não podemos ignorar as intenções dos escritores sem incorrer num acto de violência textual que ameaça a nossa própria existência como seres textuais”, segundo Scholes.

Reside nessa alternância o aspecto importante de criarmos protocolos como criamos outros códigos e hábitos.

Se a missão é difícil, não cremos que seja impossível. Ela, talvez, não seja unilateral. Sobre os protocolos, Scholes (1989:92-104) diz que ele mesmo precisa ler Derrida de forma centrífuga ou exorbitante. Ou seja, afastar-se-á do centro da discussão de acordo com sua própria leitura e interesse.

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interpretativa. Para esse embate há, em princípio, oposição entre leitura

rigorosa e leitura centrífuga ou exorbitante.

Uma leitura centrípeta movimenta-se no centro e duplica o sentido original do texto com respeito e fidelidade. Porém, como somos incapazes de ser respeitosos, necessitamos da leitura centrífuga, da margem da esfera com múltiplas possibilidades, que caracteriza a leitura exorbitante (ou rigorosa). Esta considerada uma boa prática e capaz de superar os cânones.

Para Orlandi (op.cit) há uma tensão entre o processo de leitura parafrástica e polissêmica. Tensão entre o mesmo e o diferente, o que constitui a linguagem. É preciso esclarecer, que para a autora, não há oposição e sim tensão. Esta é sociohistoricamente constituída, razão pela qual ela se muda e mantém a mesma.

Através desta idéia de tensão, podemos estabelecer uma relação dialética entre os conceitos das leituras parafrástica e polissêmica, conceituadas por Orlandi, e centrípeta e centrífuga, por Scholes, fundamental à nossa intenção de criar de um processo de leitura, ou melhor, um protocolo.

Essa relação é possível porque a tensão, própria da linguagem, para Orlandi equivale à oposição de Scholes, esta apenas uma oposição inicial, superficial, que buscará uma união nas circunferências do texto na construção de uma interpretação.

A parafrástica, que nos oferece o sentido literal do texto dado pelo autor, equivale à leitura centrípeta, que se centra no original, na intencionalidade não mesclada do autor. A polissêmica que possibilita múltiplos sentidos ao texto, está diretamente relacionada à centrífuga, que percorre uma circunferência, abrindo diversos significados. Unidas são capazes de proporcionar um processo de leitura mais abrangente de um texto.

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leitor, que julgamos também essencial ao cruzarmos os conceitos destas leituras.

Então, o primeiro passo para criação de um protocolo de leitura é ter uma visão múltipla sobre leitura. Visão esta que englobe a multiplicidade de conceitos teóricos, conforme abordagem no tópico anterior deste trabalho.

A partir desse momento, trataremos esse processo de leitura como um passo essencial à criação de um protocolo de leitura. Razão pela qual, adotaremos o termo protocolo, apesar de ainda não formalizadas todas as suas instâncias.

Na visão de Scholes, o rigor de Derrida é uma oposição à verdade, a uma verdade como revelação, fora de um tempo e lugar. Uma valorização disfarçada da hermenêutica niilista. Uma “ausência da verdade, idéia de verdade apenas como amuleto indispensável e não como garantia extratextual”.

Ele afirma que “Derrida é um hermenêuta-niilista”, uma caracterização que nos revela ser aparentemente contraditória. Isto, porque a Hermenêutica surge, no século XIX, como salvaguarda da verdade depois que ficou insustentável a visão fundamentalista do texto. Ou seja, inicialmente, opõe-se ao fundamentalismo, sem conotações religiosas, que previa um escritor infalível e uma linguagem perfeita, num contexto intemporal, e este perpetuaria o verdadeiro significado.

O fundamentalismo textual carrega consigo a dificuldade do leitor perceber todos os propósitos do escritor, quer propósitos conscientes quer inconscientes. Foi essa dificuldade que modelou os princípios da Hermenêutica, que passa a rejeitar a possibilidade da verdade interpretativa e da verdade fundamental, resultando num ceptismo. Esse termo, Scholes concilia com niilismo, assentado na descrença e dúvida sobre a existência de uma verdade suprema.

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interpretativas. Entretanto, para Scholes, o termo hermenêutica-niilista é uma necessidade, apesar de ser paradoxal, frente à criação de novos protocolos de leitura. Haja vista, Derrida afirmar que “a recuperação do significado de um texto equivale à busca de uma verdade susceptível de ser garantida apenas por um absoluto platônico impossível”.

A hermenêutica-niilista possibilita o rigor derridiano, uma leitura rigorosa que se opõe a noção de verdade, leva-nos à desconstrução, que se constitui de sinais.

A desconstrução é a différance, esta mera asserção sobre linguagem, em termos históricos como atividade puramente diferencial e diferenciadora, uma meta-racionalidade. Contrapõe a noção de código, contexto, presença, respectivamente.

Segundo Scholes, o rigor, pensamento aparentemente contraditório de Derrida, revela a necessidade dos protocolos de interpretação ou cânones. Estes necessários à interpretação e ao ensino da leitura, porém ainda não encontrados.

Para atingir uma leitura exorbitante sobre Derrida, Scholes o lerá à luz de seus próprios interesses pessoais e métodos; fragmentará, confrontando e contrastando os pensamentos derridianos com os de outros filósofos.

O rigor, para Scholes, faz Derrida aproximar-se dos protocolos de leitura porque busca de união entre leitura rigorosa, exorbitante, centrípeta e centrífuga para que nós, professores, possamos ler e continuar a ensinar outras pessoas a assim procederem, numa busca de seus próprios protocolos, de forma crítica.

A teoria não será capaz de impor protocolos nem crítica, porém a prática obrigar-nos-á a recorrer à teoria para entendermos como e por que elaboramos nossos protocolos, segundo Scholes.

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leitura como uma economia textual, onde prazer e força são permutados entre produtor e consumidores de textos, tendo sempre em vista que os escritores têm de consumir a fim de produzir e que os leitores têm de produzir a fim de consumir”.

Para um discurso ainda mais retórico, o autor considera a ética interligada e dependente da retórica em que nos deparamos com os problemas das funções, dos efeitos e dos objetivos da leitura e da escrita. Assim, ele analisará se é possível sabermos para que serve a leitura e se existe uma ética capaz de conduzir a leitura em todas as situações ético-políticas.

Há controvérsia sob o debate da ética e retórica. Algumas considerações sobre Retórica são importantes para ampliarmos o conceito de desconstrução, elaborado por Derrida, fundamentado na ética, para essa nossa busca sobre os protocolos de leitura.

Como nos ensina Tringali (1988:38-40), na Retórica Sofística, verdade e justiça são relativas, não importando o justo ou injusto, cobiçando apenas ganhar a causa, e desconsiderando os aspectos éticos sob a égide do discurso persuasivo.

Platão combateu esses princípios retóricos, em que o discurso persuasivo deve agir sobre o conteúdo; o conteúdo salva ou condena a persuasão. A Retórica deve ser justa e a justiça é a suprema felicidade do homem. Sob o império da Dialética, no sentido platônico, a Retórica é a ciência suprema do Bem, da Justiça, da Verdade, do Amor.

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Na Retórica Antiga, fundamentada por Aristóteles, a discussão é baseada no provável, e leva-nos à dialética aristotélica, entre a verdade e aparência da verdade. É preciso ser persuasivo. Como a persuasão distancia-se da verdade, para ganhar o embate não basta, somente, distancia-ser justo ou verdadeiro. É preciso ser convincente diante do auditório. Este identificar-se-á e será mobilizado pelo ethos, caráter, do seu orador. O discurso persuasivo age através do logos, a razão, e move o auditório através dos que falam (ethos), e estes que despertam pathos, paixão.

Na visão de Scholes (1998:118-119), Derrida preocupa-se com uma ética da leitura e não com uma leitura da ética em que reside uma diferença entre leitura e ação. Na desconstrução, existe uma relutância em entre deixar ler e lançar um livro a outra pessoa, relutância em interromper a ação da textualidade e aceitar as limitações da ação. A desconstrução está fora de uma ética extratextual, a fim de preservar sua liberdade.

A Retórica também será importante para Scholes confrontar com a poesia, abordando a questão da desconstrução e da ética. Para o autor, uma retórica da leitura está baseada num contraste binário do que chamamos poesia, literatura ou arte. A retórica ocupa a parte negativa desse binarismo.

Para Scholes, em Aristóteles encontramos a opinião de que retórica e dialética representam “contrapartidas”, e sugere que retórica e a poesia sejam íntimas aliadas, concebidas para suscitarem paixões. Ao contrário de Platão, que afirma que a dialética é um meio de purificação do pensamento. A retórica aristotélica concebeu três tipos de persuasão: baseado na personalidade do orador, no domínio da emoção da assistência e do raciocínio ou argumentação.

Scholes afirma que a razão manifesta-se sempre textualizada em conjunto com a emoção, como tecido numa teia de fios da razão entremeada de fios da emoção. Esta constitui a metáfora de “economia textual”, uma permuta de valores.

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soberania textual. Ocorre quer o texto seja um poema, quer um anúncio publicitário.

A economia de força e prazer é idêntica, e todas essas trocas textuais iniciam-se por um momento inebriante, catártico. É necessário um

restabelecimento após este momento inebriante, em que se dá a análise crítica. Os textos são retóricos se permutarem tanto força como prazer. Não há fronteira nítida entre retórica e arte, como não há entre vida textualizada e vida vivida.

Para Scholes, a teoria da retórica ajuda-nos a decidir se um texto é bem ou mal concebido, mas não nos dá diz se ele advoga objetivos bons ou maus. Ela também auxilia-nos a perceber as trocas de prazer e de energia em qualquer situação textual, mas não esclarecerá se tais permutas são ou não válidas. O que nos elucidará a esse respeito?

Na visão do autor, Hegel enfrentou ainda outro problema o da textualidade estar tão inexoravelmente condicionada à mudança histórica que as melhores versões da ética e de política perdem a eficácia ao longo do tempo, havendo necessidade de reformulá-las. O problema é relacionar um dado texto com um código de comportamento geral.

Scholes esclarece o que pretende dizer é que todos os discursos éticos sem ressalvas constituem textos, estando assim sujeitos às exigências da história e da retórica, o mesmo acontecendo aos gêneros literários. Portanto, não há possibilidade do ser humano topar por acaso com a leitura correta, pois esta não existe no tempo humano para poder ser encontrada nem permanece sem alteração num paraíso de leituras ideais. A leitura precisa modificar-se.

A leitura ética ocorreria, segundo Scholes, quando associamos o texto do livro ao texto da nossa vida, porém, abre-se perante nós todos um mundo de alternativas e de atuações. Assim, efetuando uma conexão metafórica. Esta é a atividade básica da leitura centrífuga como processo criativo ou construtivo.

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inevitavelmente às exigências da retórica e às vicissitudes da interpretação, sujeitá-los ao regime completo da temporalidade e da textualidade.

A própria ação de pensar nesses protocolos de leitura, de imaginá-los e de construí-los é também textualizá-los. Tudo quando se exprime no capítulo da ética tem de ser provisório, estando na totalidade comprometido com uma dialética histórica sem garantia de uma teleologia do absoluto à qual pretendamos ter acesso.

Concluindo, após a desconstrução através de Scholes, a construção de protocolos exige a mesma postura diante as leituras, as interpretações e as críticas: não há uma verdade suprema. A diferença entre verdade e mentira dependerá das estruturas sociais, ideológicas, políticas e históricas de cada leitor.

O que para Scholes demonstrará que “dentro dessas estruturas, certas leituras revelam-se melhores do que outras, e certos textos melhores do que outros, por motivos que devemos persistir em articular. Há de se continuar a ler, a reescrever os textos que lemos nos textos das nossas vidas e também a reescrever estas à luz de tais textos”.

Como dissemos no início deste capítulo, a motivação da criação de protocolos de leitura é a interpretação. Professor algum, como observamos, poderá impor uma verdade suprema à interpretação de seus alunos. A verdade sucumbida à interpretação é relativa, varia conforme o tempo e a sociedade de cada leitor.

As leituras poderão oferecer interpretações melhores ou piores conforme nossa capacidade retórica, interesses, poder e política, em nossa sociedade. Um protocolo de leitura ou de interpretação é a desconstrução. É Uma busca da verdade submetida à ética, uma leitura ética.

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ter em mente ao iniciarem seus trabalhos. O que é melhor: um protocolo ou uma estratégia?

De modo geral, é ponto pacífico para a autora que, para ler, necessitamos apreender habilidades de decodificação e estratégias capazes de promover a compreensão, bem como, supõe que o leitor seja um processador ativo do texto, ou seja: um leitor que verifica se suas hipóteses confirmam-se ou não, sempre ciente do controle da sua compreensão.

Então, para a autora “assumir o controle da própria leitura, regulá-la, implica ter um objetivo para a leitura, assim como poder gerar hipóteses sobre o conteúdo que se lê. Mediante previsões, aventuramos o que pode suceder o texto. Graças à sua verificação, através dos diversos indicadores existentes no texto, podemos construir uma interpretação, compreendemos. Por isso, a leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e verificação de previsões que levam à construção de uma interpretação”.

Para Solé (op. cit.), estratégias são “procedimentos de caráter elevado”, ações coordenadas e finalizadas que necessitam de objetivos. Por isso, é fundamental ter em mente que precisamos ensiná-las para que nossos alunos possam atingir a compreensão leitora.

As estratégias envolvem procedimentos cognitivos e metacognitivos, ou seja, somos capazes de conhecer nosso próprio conhecimento, refletir sobre nossas ações e planejá-las, temos controle e regulamentação. Dessa forma, elas não podem ser vistas como receitas ou técnicas prontas e infalíveis. Devemos ensiná-las como uma capacidade de representar e solucionar problemas, tendo flexibilidade para encontrar soluções durante nossas ações.

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O primeiro aspecto, uma propriedadedenominada considerate texts, por alguns autores, corresponde a clareza e coerência dos conteúdos do texto, da familiaridade ou conhecimento da sua estrutura e do nível aceitável de seu léxico, sintaxe e coesão interna. Na promoção de uma aprendizagem significativa, essa compreensão está dentro da “significatividade lógica” do conteúdo que deve ser aprendido.

O segundo, revela o grau de conhecimento prévio do leitor em relação ao conteúdo do texto, numa aprendizagem significativa é denominada como “significatividade psicológica”. Essa compreensão media os conhecimentos do leitor permitindo um processo de atribuição de significado.

O terceiro, das estratégias para intensificar a compreensão, é a recordação e as falhas, construindo, assim, a interpretação. Conscientizam o leitor sobre o que ele entende, ou não, para resolver o problema.

Solé (op.cit.) ressalta que muitas estratégias são utilizadas de forma inconsciente por parte de leitores competentes. Quando as utilizamos, entramos em um “estado de estratégico”, ficamos em alerta e vamos resolvendo e inferindo nas soluções dos problemas. Entretanto, em algum momento de nossas vidas elas nos foram ensinadas.

A autora enfatiza os benefícios que as estratégias podem proporcionar e não, simplesmente, quais ou quantas estratégias ensinar. A partir do trabalho de Palincsar e Brown (1984)2, ela lista as atividades cognitivas que deverão ser ativadas ou estimuladas mediante as estratégias para compreender o que se lê:

1. Compreender os propósitos implícitos e explícitos da leitura. Equivaleria a responder às perguntas: Que tenho que ler? Por que/ para que tenho que ler?

2

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2. Ativar e aportar à leitura os conhecimentos prévios relevantes para os conteúdos em questão. Que sei sobre o conteúdo do texto? Que sei sobre conteúdos afins que possam ser úteis para mim? Que outras coisas sei que possam me ajudar sobre o autor, o gênero, o tipo do texto?

3. Dirigir a atenção ao fundamental, em detrimento do que pode parecer mais trivial (em função dos propósitos perseguidos; v. ponto 1). Qual é a informação essencial proporcionada pelo texto e necessária para conseguir o meu objetivo de leitura? Que informações posso considerar pouco relevante, por sua redundância, seu detalhe, por serem pouco pertinentes para o propósito que persigo?

4. Avaliar a consistência interna do conteúdo expressado pelo texto e sua compatibilidade com o conhecimento prévio e com o “sentido comum”. Este texto tem sentido? As idéias expressadas neste têm coerência?

5. Comprovar continuamente se a compreensão ocorre mediante a revisão e a recapitulação periódica e a auto-interrogação. Que se pretendia explicar neste parágrafo – subtítulo, capítulo? Qual a idéia fundamental que extraio deste? Posso reconstruir o fio dos argumentos expostos? Posso reconstruir as idéias contidas nos principais pontos? Tenho uma compreensão adequada destes?

6. Elaborar e provar inferências de diversos tipos, como interpretações, hipóteses e previsões e conclusões. Qual poderá ser o final deste romance? Que sugeriria para resolver o problema exposto? Qual poderia ser – por hipótese – o significado desta palavra que me é desconhecida? Que pode acontecer com este personagem?

A todos esses itens, a autora acrescenta que as estratégias devem ajudar o leitor a escolher seus próprios caminhos ao se deparar com problemas na leitura. Além de que, devido à utilidade, está subjacente a idéia de revisão e mudança da própria direção quando fosse necessário.

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pertinentes e prévias à leitura seriam as que permitem estabelecermos os objetivos e os conhecimentos prévios.

Durante a leitura, são importantes as que permitem estabelecer inferências de diferentes tipos, rever, comprovar a própria compreensão enquanto se lê, e tomar as decisões adequadas diante do erro ou falhas de compreensão. Além de, durante e depois da leitura, utilizar estratégias dirigidas a recapitular o conteúdo, a resumi-lo e a ampliar o conhecimento.

Para Koch (2002:32-39) estratégicas textuais relacionam-se a organização da informação, de formulação, de referenciação, de “balanceamento” (“calibragem”) entre o explícito e implícito.

Ela discorre sobre as estratégias de organização da informação, ressalta o dado/novo. Uma informação já dada, responsável pelo que vai ser dito no espaço cognitivo do interlocutor, se introduz uma nova, criando isotopias sobre os conhecimentos já partilhados.

Nas estratégias de formulação encontramos funções cognitivas e interacionais para vários tipos de inserção e de reformulação, as quais facilitam a compreensão dos interlocutores e coordenam de uma estrutura referencial, sem ser supérfluo.

As estratégias de referenciação, um tipo de remissão através de recursos gramaticais ou léxicos. Há, ainda, estratégias de “balanceamento” do explícito/implícito.

É também essencial ter clara a noção de gênero textual porque cada um vincula uma seleção de idéias, que produzirá efeitos de sentidos. Além disso, o professor deve refletir sobre os conhecimentos necessários ao processamento textual: lingüístico, enciclopédico e interacional.

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Nossa sociedade exige determinadas situações e convenções discursivas. Um aluno, ao ler um texto do gênero requerimento na escola, não utilizará o mesmo conhecimento para ler uma crônica ou carta de reclamação a um banco. Haja vista que os papéis sociais alteram-se conforme as posições desempenhadas pelos interlocutores de um texto.

Os sentidos de um texto são construídos num jogo interativo entre os interlocutores. Não vamos ignorar as diversas concepções sobre texto. Entretanto, adotaremos a concepção de interação entre os sujeitos, que desempenham uma atividade sociocomunicativa com objetivos sociais.

Assim, segundo Koch (2003:17), “há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação”.

Costa Val (1994:4-16), chama textualidade um conjunto de características que tornam um texto realmente um texto e não um amontoado de frases. São fatores pragmáticos envolvidos no processo sociocomunicativo e ocorrem sob três aspectos: pragmático, semântico-conceitual e formal.

Intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade são fatores relacionados ao material conceitual e lingüístico do texto sob a noção de coerência pragmática.

No aspecto semântico conceitual temos a coerência textual que relaciona aspectos lógicos, semânticos e cognitivos, são conhecimentos partilhados entre os interlocutores que promoverão sentidos através das inferências e pressuposições ativadas durantea leitura.

No aspecto formal encontramos a coesão, manifestação lingüística da coerência, relacionada à conectividade do texto em suas articulações gramaticais e lexicais.

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todos os demais fatores de textualidade de um texto dependerão das conexões estabelecidas pelo educando.

Entretanto, acreditamos que essas conexões podem e devem ser mediadas e discutidas pelo educador, expandindo sua prática de leitura em sala de aula.

Uma prática social de leitura influencia a construção de sentidos e dos textos da nossa sociedade. Os textos trabalhados em sala de aula têm relevância na construção e percepção de mundo de nossos educandos. Estarão produzindo, ou reproduzindo, discursos e efeitos de sentidos conforme lêem e discutem os textos apresentados e mediados pelo educador.

Os educandos poderão reproduzir o senso-comum ou o poder dominante, porém preferimos uma prática que leve à construção de uma visão crítica a partir dos conhecimentos e sentimentos deles.

1.4. Uma aproximação entre estratégias e protocolos

Todos os educadores, quaisquer que sejam suas disciplinas, devem assumir a responsabilidade do ensino e do uso da linguagem, além de estar engajados em todo o processo de leitura e sentidos construídos durante a utilização de um texto oral ou escrito.

Ao trabalhar leitura em sala de aula, é necessário averiguar os sentidos que vão sendo construídos. A ação do professor é fundamental, porque ele é um leitor, que em sua posição social promoverá a interpretação de textos, numa comunidade escolar. É importante sabermos como e qual interpretação o professor desenvolve.

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A busca da ética leva-nos a um protocolo de leitura, a uma leitura ética. Esta baseada numa economia textual, em trocas de força e prazer. Então, os protocolos dependem da retórica e das interpretações. Dessa forma, caberá ao professor um papel retórico em que a interpretação estará vinculada à leitura, sujeita à razão e à emoção.

A verdade textual talvez não exista, porém não significa que devemos desistir de procurar a diferença entre verdade e mentira. A verdade varia conforme fatores sociais, políticos e históricos. O educador deve ser alguém capaz de situar-se em seu tempo na busca da melhor interpretação, relacionando texto, homem e sociedade. Formando, assim, uma leitura crítica, um leitor crítico.

Conforme Solé (op.cit), necessitamos de um procedimento em que “a leitura pode ser considerada um processo constante de elaboração e verificação de previsões que levam à construção de uma interpretação”, também citada no tópico anterior. A autora destaca sempre a necessidade de estabelecermos objetivos para o trabalho com a leitura. Ressalta que “o leitor constrói o significado do texto. Isto não quer dizer que o texto em si mesmo não tenha sentido ou significado”. Também lembra-nos sobre a importância de reconhecermos as diferentes estruturas do texto, estas que veiculam, impõem e restringem a escrita. Por isso, mesmo que intuitivamente auxiliam na compreensão das informações veiculadas pelo texto.

A essa altura cabe, nesta análise, definir o que é um procedimento. Solé recorre a Coll (1987:89) sobre o que seria um procedimento: regra, técnica, método, destreza ou habilidade. Mais precisamente, um procedimento consistiria um conjunto de ações ordenadas e finalizadas, isto é, dirigidas à consecução de uma meta.

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execução de um objetivo em que nossa ação é praticamente controlada por essas instruções.

Entretanto, ao decidir se é melhor buscar o filho na escola antes de fazer compras e levar uma cópia de um artigo a um colega que o pediu, ou invertemos a ordem dessas tarefas para melhor ação e execução, estamos falando de procedimentos, porque repensamos, alteramos e executamos uma série de tarefas conforme melhor julgamos.

Para ligarmos, pois, o termo procedimento à estratégia cabe unir componentes essenciais para Solé: autodireção e autocontrole. Ou seja, há um objetivo e a consciência deste, bem como supervisão e avaliação do comportamento em função dos objetivos que o guiam e da possibilidade de modificá-lo, em caso de necessidade. Desse modo, percebemos que os procedimentos são também papéis essenciais no trabalho de leitura do educador.

Numa concepção construtivista do ensino e da aprendizagem escolar, Sole (op.cit) expõe três idéias fundamentais sobre o uso de estratégias para ativar a compreensão leitora, que veremos a seguir.

A primeira considera a situação educativa com um processo de construção conjunta, o qual educadores e educandos compartilham progressivamente significados mais amplos e complexos e dominam procedimentos com maior precisão e rigor. Ambos também tornam-se progressivamente mais adequados a entender e incidir sobre a realidade presente nos textos. Sendo um processo de construção, não se pode pedir que tudo se resolva adequadamente e de uma só vez; bem como, parece claro, embora o educando seja o protagonista, o educador também desempenhará um papel de destaque.

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guiada em que a situação educativa ajude o aluno a contrastar e relacionar seu conhecimento prévio com o que vai ser necessário abordar essa situação.

A terceira idéia, que se aproxima da anterior, são processos de

andaimes. Uma metáfora do “andaime” é empregada por Solé3 para explicar o papel do ensino com relação à aprendizagem do educando. Durante uma obra, os andaimes são colocados um pouco acima e contribuem para a construção; depois do edifício pronto, os andaimes são retirados sem deixar rastros e sem que o edifício caia. Dessa forma, processar-se-ia a ajuda do ensino, à medida que o educando torna-se competente, serão retirados os andaimes para garantir a autonomia do educando.

Solé une essas três idéias, situações de ensino–aprendizagem, em torno das estratégias de leitura como processos de construção conjunta, em que se estabelece uma prática guiada através do qual o educador proporcionará aos

educandos os andaimes necessários para que possam dominar

progressivamente essas estratégias e utilizá-las depois da retirada das ajudas iniciais.

Nesse momento, já é possível responder o que é melhor: protocolo ou estratégia. Do nosso ponto de vista, a união dos dois. Protocolo ou estratégia é um desafio de leitura para educadores e educandos na busca da melhor interpretação, na construção de sentidos. No melhor entendimento e a análise do educando enquanto sujeito-leitor, na relação estabelecida entre o texto e seu mundo pessoal, social e político.

Esse desafio deve ser perseguido em parceria entre educadores e educandos, à luz da descoberta, da criatividade, da curiosidade e da ajuda mútua da melhor prática de leitura. A leitura pode e deve ser praticada fora ou dentro do ambiente escolar. Entretanto, nosso interesse, nesse momento, centra-se na leitura desenvolvida em sala de aula pelo educador.

Gostaríamos de aproximar os termos protocolo e estratégia como recursos. Por um lado, temos a necessidade de aprofundarmos nos textos lidos

3

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para que seja possível estabelecer as mais diversas conexões entre o texto e nosso mundo, na construção de uma interpretação crítica. Por outro, há o desafio do educador ser capaz de acionar essas conexões.

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2. Procedimentos de leitura das professoras de História

em sala de aula

“O bom leitor é aquele que sabe que há outras leituras”.

Eni PulcinelliOrlandi

2.1. Introdução

Para este trabalho, realizado ao longo dos anos de 2005 e 2006, solicitamos a cinco professoras, da disciplina de História, que elaborassem uma proposta de leitura para o trecho inicial do capítulo 19, de Olga, de Fernando Morais, para as oitavas séries, do ensino fundamental, ciclo II.

Alguns critérios foram necessários para a seleção das escolas. O primeiro, é que as todas pertencessem à rede pública de ensino da Grande São Paulo. O segundo que, preferencialmente, elas pertencessem a Diretoria Guarulhos –Norte, da rede estadual, do município de Guarulhos, São Paulo. A partir disso, foram escolhidas três unidades escolares, numa delas temos a colaboração de duas professoras.

Na busca por mais uma escola, encontramos a disponibilidade de uma professora de uma unidade pública municipal, do bairro de São Miguel, próximo a Guarulhos. Totalizando, quatro escolas públicas e cinco professoras da oitava série.

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delas nem das escolas, apesar de que ambas as partes consentiram no amplo uso acadêmico das informações prestadas

.

Antes de expor as propostas, gostaríamos de acrescentar que nos preocupamos em traçar um perfil destas professoras em relação às propostas de leituras que desenvolvem, em sala de aula, bem como dos alunos.

Nenhuma delas trabalha, exclusivamente, com o livro didático. Elas já têm uma prática de utilizar textos diversos, extraídos de jornais, revistas ou livros. Quando oferecemos o trecho da biografia de Olga, solicitamos que cada uma escrevesse como trabalharia este texto, descrevendo todas as etapas da leitura com os alunos. Realizamos, também, uma pequena entrevista, individualmente, com as seguintes perguntas:

a) Há quanto tempo trabalha na educação?

b) Há quanto tempo trabalha nesta unidade escolar?

c) Qual sua formação acadêmica?

d) O que é texto?

e) O que é leitura?

f) Quando trabalha a leitura o que é mais importante?

g) Como a leitura é avaliada?

h) Quais dificuldades são encontradas na leitura de um texto?

i) Como as dificuldades são superadas?

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