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PARTE III ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DE ALTA INTENSIDADE E DO MILITANTISMO ENTRE OS FILIADOS

CAPÍTULO 4 QUEM SÃO OS FILIADOS DE BASE DO PT NO BRASIL?

4.2 PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS PETISTAS

Depois de apresentados os dados referentes à distribuição da amostra, inicia-se agora a apresentação de resultados da frequência quanto ao perfil socioeconômico da base dos filiados do PT, utilizando os dados de escolaridade, renda, tempo livre e profissão, e buscando caracterizar o perfil dos petistas em relação ao tipo de eleitor encontrado na literatura.

Os indicadores de status social como escolaridade e renda são importantes na visão da teoria da centralidade política (MILBRATH, 1965) e na teoria do voluntarismo cívico (VERBA, SCHLOZMAN & BRADY, 1995) que consideram ainda os recursos individuais de tempo livre, renda e recursos cognitivos como pressupostos para a participação. Na sociologia do militantismo também há preocupação com a posição social dos militantes tanto no que diz respeito à conversão das habilidades individuais em capital político de carreira (GAXIE, 1977) quanto da posição social de origem dos indivíduos que podem sofrer alterações e desvios ao longo da carreira militante (BECKER, 1963; FILLIEULE, 2001).

Assim, passa-se a apresentar a frequência desses indicadores obtida no survey na mesma lógica que a distribuição da amostra pelas cotas, ou seja, estabelecendo comparativos com autores que utilizam a

série histórica de dados disponíveis pela Fundação Perseu Abramo (FPA) de 1991 até 2010 (CESAR, 2002; P. RIBEIRO, 2008; AMARAL, 2010; 2012; PALUDO, 2014), com dados oficiais do IBGE (2010) e estabelecendo diálogo com autores que tratam desse enfoque teórico de análise (MENEGUELLO, 1989; RODRIGUES, 1990; KECK, 1991; KRAUSE, 2006; FERREIRA & FORTES, 2008; TELLES, 2009 a; TERRON & SOARES, 2010; RENNÓ e CABELLO, 2010; SINGER, 2012).

Iniciando por uma visão desse conjunto de variáveis, P. Ribeiro (2008) demonstra que ao longo do tempo há uma tendência à profissionalização estatizada dos delegados petistas, somada a um aumento da escolaridade e da idade. Por outro lado, o perfil de crescimento da base do partido, de acordo com Amaral (2013), ocorre de acordo com uma estratégia de maior inclusividade do ponto de vista do perfil socioeconômico e consequentemente de menor intensidade de participação.

O gráfico a seguir demonstra a evolução histórica do nível de escolaridade entre os delegados do PT nos encontros e congressos, que além de estar acima da média nacional já no I Congresso de 1991, foi se ampliando nos eventos posteriores.

Gráfico 7 - Histórico de distribuição da escolaridade dos Delegados e Filiados do PT

Fonte: Cesar (2002), banco de dados da FPA (2013) e survey “Filiados de Base do PT” (2014).

Cesar (2002) apontava o elevado nível de escolaridade dos delegados do PT em 1991, quando a média dos brasileiros acima do ensino médio era de apenas 25% da população e dos delegados no I Congresso Nacional do PT era de 83%. Com mais de 12 anos de estudo havia apenas 8,2% da população brasileira e 74% dos delegados petistas. Com nível universitário ou mais havia apenas 5,5% da população

brasileira, no entanto, 59,7% dos delegados do PT estavam nesse patamar, dentre os quais 7,6% tinham mestrado e 1,6% doutorado20.

Percebe-se que não apenas a escolaridade dos delegados, mas também dos filiados do PT é bastante elevada, pois 84% possuem curso superior (iniciado ou concluído); outros 13% cursaram até o ensino médio completo; somente 3% cursaram até o ensino fundamental completo, muito acima da média nacional em que 11% de brasileiros nunca foram à escola; 53,7% apenas concluíram o ensino fundamental; 15,5% concluíram o ensino médio e 19,8% têm nível superior completo ou incompleto (IBGE, 2010).

O mesmo ocorre em relação aos níveis de renda com base na série histórica de surveys realizados pela FPA, conforme apresentado no gráfico a seguir:

Gráfico 8 - Histórico da distribuição da renda dos Delegados e Filiados do PT

Fonte: Cesar (2002) e banco de dados da FPA (2013) e survey “Filiados de Base do PT” (2014).

Conforme já afirmado por Cesar (2002), P. Ribeiro (2008) e Amaral (2010), a renda média dos delegados do PT convertida em salários mínimos (SM) encontra-se acima da média da população brasileira desde o início da série histórica e continuou distanciando-se ao longo do período, ou seja, entre os delegados do PT cresceram as faixas de rendas superiores e diminuíram as faixas inferiores. No ano de 1991, conforme dados da PNAD sistematizados por Cesar (2002), enquanto

20 Ainda que a escolaridade tenha aumentado no Brasil, em 2010 o índice dos

brasileiros com ensino superior era de 7,9% (IBGE, 2010) contra 80,6% dos delegados do PT no mesmo ano.

que a média da população brasileira era de 11,3% com renda familiar de até 1 SM, entre delegados petistas esse índice era de apenas 1,5%; no mesmo ano havia 15,3% dos brasileiros percebendo entre um e dois SM e apenas 2,5% dos delegados do PT recebiam essa faixa salarial; 29,4% dos brasileiros percebiam entre dois e cinco SM sendo apenas 18,1% delegados do PT. A partir dessa faixa de renda, passa a se inverter a correlação, ou seja, apenas 20,1% dos brasileiros teriam renda familiar entre cinco e dez SM e 26,1% dos representantes petistas estavam nesse patamar; e finalmente 20,5% dos brasileiros recebiam mais de dez SM enquanto 35,6% dos petistas se encontravam nesse nível de renda familiar.

Estabelecendo relação entre o resultado da pesquisa e a média dos brasileiros com base no IBGE (2010), percebe-se que a faixa dos petistas que não possuíam renda era de 5,2% enquanto a média dos brasileiros na mesma condição era de 4,28%. Nas demais faixas inferiores, o percentual médio da população é maior que a dos petistas, ou seja, até um salário mínimo, encontram-se apenas 6,6% dos petistas enquanto a média nacional é de 56,35%, e entre um e dois SM, encontram-se 12,7% dos petistas e 21,89% dos brasileiros. A partir desse nível de renda, a relação se inverte, ou seja, 24,3% dos petistas percebem de dois a cinco SM e apenas 12,35% dos brasileiros; 26,2% dos petistas recebem entre cinco e dez SM contra apenas 3,6% dos brasileiros. Na faixa superior, acima de dez SM, estão 25% dos petistas e apenas 1,52% dos brasileiros. Em síntese, o nível de escolaridade dos filiados fica próximo ao dos delegados do PT e ambos bem acima da média nacional, e o nível de renda familiar dos filiados é inferior aos delegados do PT, mas ambos se mantêm acima da média da população brasileira.

Se por um lado, a ascensão do PT à frente do governo federal provocou uma mudança no perfil dos eleitores lulistas (diferenciando-se do petismo) tanto no que se refere às classes sociais como em relação à distribuição territorial (KRAUSE, 2006; TERRON & SOARES, 2010; RENNÓ e CABELLO, 2010; SINGER, 2012; AMARAL, 2013), por outro lado, o survey demonstrou que os filiados do PT que responderam a esse questionário têm um perfil de alta escolaridade e alta renda.

Outro indicador importante na teoria do voluntarismo cívico é o tempo livre que permite disponibilidade para a participação em partidos políticos, ainda que de forma competitiva com outras opções de canais de expressão considerados extrarepresentação, como protestos e consumer participation (TEORELL, TORCAL & MONTERO, 2011) e consumo de Internet (WHITELEY, 2009).

De acordo com Inglehart e Welzel (2009), corroborados por E. Ribeiro (2011), é importante ressaltar que num contexto de transformação de valores materialistas para pós-materialistas, o fato de as pessoas disporem de mais tempo livre não significa que irão se dedicar ao engajamento político e tampouco partidário em detrimento do lazer ou outros tipos de participação mais individualizadas.

Essa mesma visão coincide com a chamada terceira fase da sociologia do militantismo (1990), quando começam a ressurgir os novos movimentos sociais e de protesto, os quais se destacam pela militância individual substituindo a opção da militância coletiva e partidária (PUDAL, 2011).

No entanto, estudos empíricos recentes apresentam distintas conclusões na relação entre tempo livre e participação partidária. Em relação ao consumo das novas mídias, Whiteley (2009) buscou analisar a influência dessa variável sobre o desligamento partidário ou como obstáculo à entrada em partidos políticos, porém, chegou à conclusão de que essa variável não representa impactos negativos sobre o engajamento partidário. Por outro lado, numa análise sobre os partidos políticos no Canadá, Cross e Young (2004) apontam a falta de tempo disponível para a participação (principalmente entre os eleitores mais jovens) e o maior acesso às informações políticas (por parte dos cidadãos em geral) suprido pelo aumento da escolaridade e pelas mídias de massa, o que reduz a dependência dos partidos políticos como atalho para tomar posição política ou para ter acesso às informações.

Assim, em relação aos filiados do PT no Brasil, chegou-se aos seguintes resultados:

Gráfico 9 - Distribuição da amostra por tempo livre

Esses resultados chamam a atenção pois mais de metade dos filiados trabalham apenas em tempo parcial e apenas um terço em tempo integral. Isso remete a outra pergunta apresentada no survey que se refere ao tipo de profissão dos filiados. Outros estudos apontam uma sobre representação de algumas profissões liberais e de professores em relação a operários, agricultores e outras bases sociais, desde as delegações, bancadas parlamentares e direções do partido (RODRIGUES, 1990; CESAR, 2002; AMARAL, 2010; PALUDO, 2014).

Nesse survey também foi perguntado sobre as profissões, conforme tabela a seguir21:

Tabela 5 - Principais profissões dos filiados entrevistados Principais áreas profissionais dos petistas

Iniciativa Privada 105 22,48%

Servidor Público Carreira 101 21,63%

Cargo político de confiança 78 16,70%

Professor 66 14,13% Profissional Liberal 53 11,35% Aposentado 23 4,93% Autônomo 16 3,43% Estudante 12 2,57% Agricultor ou pescador 10 2,14% Artesão 2 0,43% Doméstico 1 0,21% 467 100%

Fonte: Survey “Filiados de Base do PT” (2014).

A opção pelas doze atividades não seguiu um padrão de profissões ou de setores da economia como fez Cesar (2002), mas buscou-se agrupar as principais respostas que poderiam ainda ser resumidas em três blocos: setor privado (iniciativa privada e profissional liberal); setor público (servidor público de carreira, cargo político de

21 Como se tratava de uma pergunta aberta houve uma quantidade elevada de

questionários em branco e 158 não responderam, o que representa 25,28% do total (há que considerar que 14,7% responderam não trabalhar). Ainda assim, os dois terços que responderam ao questionário apresentam uma informação significativa sobre o perfil laboral dos filiados entrevistados.

confiança e professor); setor primário (agricultor, pescador, artesão e trabalho doméstico), restando ainda os aposentados e estudantes que não se caracterizam propriamente como profissão, mas que são consideradas atividades ocupacionais dos filiados22.

Sendo assim, pode-se afirmar que do ponto de vista da teoria da centralidade política e também do voluntarismo cívico, os petistas têm uma posição social acima da média da população brasileira e dispõem de recursos financeiros e principalmente cognitivos que lhes permitem compreender a complexidade do processo político, o que lhes são favoráveis ao engajamento partidário (ALMOND & VERBA, 1989 [1963]).

Assim, levando em consideração os altos níveis de escolaridade dos filiados do PT, eles podem ser considerados um tipo de eleitor que dispõe de um capital social que lhe permite a conversão de capital político em benefício de suas trajetórias militantes e de carreiras partidárias (GAXIE, 1977; FILLIEULE, 2001).

22 Nas entrevistas, que serão analisadas posteriormente, também pode-se

perceber a preocupação dos militantes ao longo de sua trajetória (de diferentes regiões, idades e tempo de filiação) de combinar a profissão com tempo livre, ou seja, trabalhar em tempo parcial para ter disponibilidade de atuar no PT e nos movimentos sociais, como por exemplo, MDNE (mulher, desfiliada, do nordeste), 55 anos, advogada, que afirmou: “Com relação ao profissional e militante, quando eu saí do Banco de Nordeste (1982), eu já saí com essa disposição de que eu iria fazer profissionalmente aquilo que acredito como serviço à causa” e também HNSE (homem, novo filiado, do sudeste), 18 anos, estudante, disse: “Estou no curso de sociologia, mas não tenho convicção total se esse é o curso que eu quero para a minha formação, para minha vida, no sentido de conseguir combinar as questões pessoais, a questão profissional e a militância”; ou seja, a militância passa a ser considerada como uma “atividade social específica”, de escolhas práticas e de tensões complexas (FILLIEULE, 2001). Ao longo do ciclo de vida dos militantes, essas redes de relações e oportunidades tornam-se um “hibridismo” entre saberes individuais (de origem) e recursos de socialização (exógenos) que serão reconvertidos em capital político (CORADINI, 2001). Assim, as opções do que fazer com o tempo livre e as escolhas profissionais podem se dar também pelo viés da militância, no sentido de combinar com um projeto de vida ou pelo menos com o ciclo de vida de maior engajamento militante.