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Como dito anteriormente, são sete os/as representantes de cursinhos populares entrevistados/ as. O grupo é composto por quatro mulheres cis e três homens cis, e este item é construído com o objetivo de apresentar um ​perfil biográfico ​de cada um/a dos/as interlocutores/as.

Para construir o perfil biográfico dos/as entrevistados/as optei por incorporar trechos extraídos da entrevista, que estão em itálico para facilitar a leitura; neste caminho, também intento preservar a apresentação deles/as por si. Por último, de acordo com princípios éticos de anonimato, será preservado o nome do/a entrevistado/a, o nome do núcleo de cursinho popular e outras informações que poriam em risco a quebra destes princípios.

a) ​Gláuber ​tem 34 anos e cresceu ​“​em um ambiente bastante crítico, militante, de

contestação da ordem e tal” ​e as ​“​inquietações em relação às injustiças do mundo sempre

foram muito natural” ​no seu processo de formação. Opta pelo curso de Direito, entretanto,

ainda durante a universidade enxerga que o Direito é ​“​mais uma ferramenta da manutenção da ordem do que uma ferramenta de transformação” ​e assim, com o término do curso, inicia o curso de ciências sociais. Neste período, ele está dois anos a trabalhar com Direito em Angola. No retorno ao Brasil, destranca o curso e o termina. Conta que, em 2014, junto a um grupo de pessoas, começa a pensar ​“​no campo da educação popular”​. Tinha pessoas na sua rede de contatos que faziam parte de um curso de educação popular e nesse contexto começou a se “​aproximar de experiências de cursinhos populares”. ​Em 2015 tem a sua primeira experiência

​bem embrionária” ​que, em 2016, dá origem ao cursinho popular do qual faz parte até hoje. Atualmente, ele exerce atividade remunerada como advogado e não remunerada como coordenador e professor de sociologia no núcleo, sendo também, membro da Frente de Cursinhos de São Paulo. O núcleo do qual faz parte está localizado na zona sul da cidade, e em breve, também ​terá um núcleo na zona leste. Sendo assim, o cursinho conta com 15 educadores/as, e aproximadamente 70 estudantes.

b) ​Darci ​tem 37 anos e estudou em ​“​escola pública da quinta a oitava” ​e fez ​“​o técnico

no ensino médio” ​e depois, ​“​o cursinho da POLI​ 18 em 2001”​. O cursinho era ​“​apenas uma

etapa pra chegar na faculdade” ​. Em 2006, no final da sua graduação em Geografia, começou

a dar aula em um cursinho popular na zona central da cidade. Entretanto, com 2 meses de aula, ele foi ​“​tirado do cursinho de uma maneira bem bizarra” ​que naquela época lhe colocou​muito questionamento”​. Depois desse episódio ficou ​“​sem dar aulas mais de um ano” ​e, em

2008, a partir da rede de contatos da faculdade iniciou a sua atividade no cursinho popular no qual está até hoje. Por ter sido ​“​sempre militante do movimento anarquista, dos núcleos

anarquistas” ​e defender a ideia de ​“​autogestão dos espaços” ​o chamaram para conhecer e

participar do projeto.

Ele diz que entrou para Geografia ​“​depois de ter prestado Letras”​, e tinha a ideia de poder ​“​trabalhar escrevendo” ​e, trabalha como escritor de ​“​material didático pra editora”,

entretanto, gosta ​“​mais de literatura do que escrever material didático”​. Complementa que o cursinho é o único trabalho em que ele não está ​“​lá para pagar aluguel”​.

Fundado em 1998, o núcleo funciona dentro da Cidade Universitária na zona oeste e atualmente, conta com cerca de 100 educadores/as e 160 estudantes. Darci é coordenador pedagógico do cursinho popular, membro da FCPSP, participa do ​“​sindicato da categoria” ​e é

​próximo à luta por moradia”​.

18 ​Ainda na década de 50 é organizado por estudantes do Grêmio da Escola Politécnica da Universidade de São

Paulo (USP) o Cursinho da Poli, apoiado pela direção da Faculdade, inicia uma das primeiras experiências populares de preparatório para o exame vestibular. Nesse momento, apesar das expectativas de acesso ao ensino superior serem ainda restritas a poucas camadas da população, o cursinho da Poli, demarcou um importante processo histórico de luta pela democratização do ensino superior. Entretanto, com as disputas políticas internas ao Grêmio houve a descaracterização do cursinho popular em um cursinho comercial. Houveram processos de cisão, manifestações e até uma ação civil no Ministério Público para recuperar a memória e os objetivos do projeto original do CP. Contudo, em 2006, o Cursinho da Poli-USP é refundado a partir dessa primeira experiência e parte das pessoas que encamparam esse difícil processo deram origem a Rede Emancipa de Cursinhos Populares. Mais detalhes e uma análise consistente sobre esse processo estão expressos no trabalho de Castro (2019) e especial, Mendes (2011).

c) ​Ângela ​tem 27 anos e é ​“​educadora há uns 10 anos”​. ​“​Nascida e criada em São Paulo”​, ​“​na Freguesia do Ó numa região perto da favela do Cal, como é conhecida a vila”​.

Ela nos conta que ​“​ficava muito na rua” ​e ​“​fazia grafite”​, e já ​“​nessa época juntava a molecadinha da rua” ​para ensinar a pintar, ​“​contação de histórias” ​e, ajudou as ​“​crianças a gravarem” ​funks que tinham feito, também a ​“​filmar”​, ​“​fazer clipe” ​e foi aí que iniciou a sua ​trajetória na educação popular”​. Ela diz que na época não ​“​sabia esse termo”​.

Angela diz que iniciou a sua formação “ ​em pedagogia numa universidade dessas

populares” ​e, quando descobriu ​“​que tinha possibilidade na universidade pública”

transferiu-se para uma ​“​Federal no interior de São Paulo”​. Desde então, conta, que trabalhou

​em museus, em ONGs”​, ​“​na escola regular também”​, ​“​com toda a idade” ​mas, ​“​sempre na educação”​. Ela conhece o projeto a partir da ​“​rede de amigos” ​com que ​“​já tinha algumas afinidades políticas” ​e, em 2018, o projeto inicia, e ela, começa ​“​junto”​. O cursinho popular está localizado em um escola pública na zona sul da cidade, na qual ela é professora de literatura, pois fez ​“​uma habilitação em Letras”​. Também é coordenadora pedagógica atualmente. No núcleo há 21 educadores/as e 127 estudantes inscritos.

d) ​Tarsila ​tem 29 anos e tem seu ​“​primeiro contato com o cursinho na época do ensino

médio”​, em 2008. Nesse período, foi convidada pelo professor de física a participar de

reuniões ​“​numa célula, num núcleo de um partido que tava surgindo” ​e ela participou das

reuniões, quando surgiu o assunto ​“​da intenção de montar um cursinho popular na zona leste”​.

Então, a diretora de uma escola pública da região ​“​abriu espaço” ​para o cursinho, e ela participou ​“​desse processo inicial” ​quando ainda era ​“​terceiranista” ​e estava ​“​com a cara no

vestibular”​, ela ​“​fazia o ensino médio junto com técnico até metade do terceiro ano” ​e em

agosto, o núcleo iniciou suas atividades e, Tarsila, foi ​“​aluna dessa primeira turma” ​do cursinho popular que era denominado Paulo Freire. Cursou seis meses no ​“​cursinho e tal” ​e

passou ​“​com bolsa integral” ​no curso de história. Então, no ano seguinte, entrou em contato com o núcleo e começou a dar aulas de literatura. Ela conta que foi a ​“​primeira vez como

professora” ​que esteve de uma maneira ​“​mais ou menos estável” ​e no ano seguinte, em 2010,

iniciou sua atividade na coordenação. Em 2011 o núcleo passou por um processo de ​“​cisão” ​e,

​o fim desse cursinho é o início do cursinho” ​no qual está até hoje. O novo cursinho mudou-se, em 2013, para outra sede e agora está em uma universidade particular ainda na zona leste da

cidade. Universidade essa, na qual Tarsila cursa medicina com bolsa integral do PROUNI19.

Atualmente ela exerce atividade remunerada como médica clínica e não remunerada como coordenadora geral. O núcleo ainda conta com 78 educadores/as e plantonistas, 5 psicólogas, 4 auxiliares de secretaria/administrativo, 1 caseiro e 312 estudantes.

e) ​Jorge ​tem 34 anos e é ​“​do interior de São Paulo”​, foi ​“​estudar jornalismo com 19 anos” ​e ​“​sempre” ​se voltou ​“​pro movimento estudantil, centro acadêmico e tal”​. Na cidade de São Paulo, já graduado, conta que procurou ​“​atuar junto dos movimentos”​, chegou a participar de ​“​alguns coletivos pontuais”​, ​“​movimento contra a copa”​, ​“​da campanha contra o aumento

da passagem em 2011 e 2012 principalmente” ​, também conta de experiências profissionais em

ONGs. Mas diz, que ​“​nunca” ​militou ​“​de uma forma muito orgânica”​, ​“​nunca” ​conseguiu se​encaixar direito”​.

Ele diz que apesar de ser jornalista, ​“​sempre” ​teve ​“​vontade de dar aulas” ​e ​“​muito medo” ​ao mesmo tempo. Então, por estar ​“​parado” ​e com ​“​31 anos”​, decidiu conhecer e atuar em cursinho populares e que, ​“​coincidentemente” ​no período, viu ​“​um chamado” ​para educadores/as em uma rede de cursinhos populares. Foi nessa reunião e começou a dar aulas em um núcleo na zona sul da cidade. Entretanto, com o tempo, percebeu um espaço ​“​precário” e ​“​muito desorganizado”​.

Sendo assim, em 2017, participou das Jornadas de Educação Popular organizada pelo cursinho Mafalda que o aproximaram de ​“​gente que já tava construindo o movimento a muito

tempo” ​o que o motivou ​“​pra montar um cursinho popular” ​por conta própria. Juntou-se a

mais pessoas e ​“​rolou super redondo” ​a construção do novo cursinho. Esse núcleo também

funciona na zona sul e conta com 21 educadores/as e cerca de 127 estudantes inscritos.

Atualmente, Jorge é bolsista no mestrado em Sociologia. Por consequência, desde o início de 2020 não está mais no projeto.

Em 2018, o entrevistado, junto a outras pessoas, foi responsável por retomar a Frente, e ele, ​“​bastante ativo nesse processo”​, diz que a retomada permitiu aglutinar ​“​uma galera”​,​vários cursinhos” ​com ​“​reuniões” ​com cerca de ​“​40 pessoas”​. Conta, em específico, sobre duas principais atividades, a primeira, em 2019, ​“​a campanha pelo sanciona Covas” ​para​midiatizar” ​e pressionar o prefeito de São Paulo Mário Covas a aprovar ​“​o passe livre para

19PROUNI é o Programa Universidade para Todos do Ministério da Educação que através do Exame Nacional do

Ensino Médio (ENEM) disponibiliza a bolsas parciais (50%) ou integrais (100%) para estudantes de baixa renda em instituições de ensino superior privado do país. Disponível em: http://prouniportal.mec.gov.br/

estudantes de cursinhos populares” ​e depois, a organização da Jornada de Educação Popular no mesmo ano, desta vez organizada por diferentes cursinhos populares da cidade e do Estado.

f) ​Simone ​tem 20 anos e é de ​“​uma cidadezinha periférica, tem um centro, mas” ​mora​na região periférica da cidade”​. Estudou ​“​na escola pública a vida inteira” ​e conta, que, ​“​é

comum na escola pública, pelo menos em São Paulo” ​que os/as estudantes não saibam ​“​o que é

vestibular, nem o que são as universidades” ​. Ela cruzou com pessoas em seu caminho ​“​por

sorte” ​que a informaram ​“​sobre os cursinhos pré-vestibulares”​, ​“​universidade pública”​, coisas

​que na época” ​ela ​“​nem sabia”​. No terceiro ano do ensino médio ela fez ​“​uma prova de bolsa” ​para um cursinho privado e ​“​tinha bolsa de 70%”​; nele ela cursou durante ​“​seis meses”​.

Entretanto, ​“​começou a ficar apertado por que mesmo com bolsa” ​seus pais não tinham

condições de pagar. Assim, ela descobriu uma ​“​oportunidade”​: estava aberto o processo ​“​pra

turma de meio de ano” ​em um cursinho popular na Faculdade de Direito na USP que é

​gratuito”​. Ela fez a prova, passou e começou ​“​a fazer o cursinho lá”​. Simone, passou no

vestibular de Letras da Universidade de São Paulo (USP) e ​“​queria ser escritora”​mas, passado um ano de graduação, ela também ​“​queria dar aulas”​, voltar para o cursinho popular ​“​como

professora”​. Mas, por incompatibilidade de horários, porque trabalha ​“​o dia inteiro” ​para

​pagar aluguel” ​e estuda a noite, não pôde retornar ao cursinho. Entretanto, no segundo ano, em 2019, ela começou ​“​a dar aulas de gramática” ​em um cursinho popular que está na USP. Ela amou ​“​a experiência” ​e percebeu que a sua ​“​área é educação” ​e, atualmente, exerce

atividade remunerada em uma escola pública da prefeitura de São Paulo.

Em 2019, em uma conversa com um amigo do bairro, decidiram fundar um núcleo de cursinho popular no local ​“​por que não tem nenhum”​. Sendo assim, fizeram um ​“​pré-projeto” e neste ano, 2020, em consequência da pandemia, adiaram o início do primeiro ano de atividade onde é coordenadora pedagógica e conta com mais 19 educadores/as e 35 estudantes já inscritos. Durante o ano de 2019, Simone entrou como membro da FCPSP e acompanhou reuniões e atividades de um dos núcleos que também compõe a Frente.

g) ​Josefa ​tem 30 anos e é graduada em Relações Internacionais por uma universidade privada, e licenciada 20 em Arte-Teatro em uma universidade pública, uma e outra em São

Paulo. Foi na sua segunda graduação, em Arte-Teatro, que ela conheceu o cursinho. ​“​Durante

20 O curso universitário no Brasil, em ciências aplicadas, contém a modalidade Bacharelado e/ou Licenciatura. A

última, habilita o estudante a exercer a carreira de professor/a, sendo obrigatório um número de horas de estágio e créditos em cadeiras gerais e específicas de educação.

uma ocupação no instituto de artes” ​em 2016, ​“​surgiu a ideia de fazer um cursinho”​. ​“​Na época” ​ela esteve ​“​bem tentada” ​a participar, entretanto ​“​trabalhava o dia inteiro”​. Mas, em

2018, entrou ​“​mesmo” ​e está até agora. Antes disso, por ter “​pessoas próximas que tavam dando aula” ​no cursinho, ela viveu um ​“​flerte” ​até poder participar do projeto. O cursinho está localizado na região oeste da cidade, dentro de uma universidade pública e, conta com 12 educadores/as e 56 estudantes.

Atualmente, formada há um ano, conta que está ​“​num processo aí” ​por que iniciou o curso de pedagogia e precisa ​“​abrir mão de algumas coisas” ​e talvez o cursinho seja uma delas. A dificuldade desse processo se dá por constatar que a ​“​educação popular é” ​de tudo

que ela faz, ​“​a coisa” ​em que ela ​“​mais acredita”​. Além de cursar pedagogia, ela também exerce atividade remunerada como professora auxiliar em uma escola infantil particular.

Antes de ser educadora no ​“​cursinho pré-universitário​21 popular” ​no qual atua, ela conheceu um cursinho como estudante mas, apesar de ser ​“​gratuito” ​ela não o considera ​“​o

conceito de educação popular”​.

Antes de encerrar este item, é importante pontuar que todas e todos os entrevistados/as são envolvidos/as com a Frente. Jorge e Ângela eram parte do mesmo núcleo de cursinho popular até o entrevistado ter de encerrar a atividade no núcleo para iniciar o mestrado em outro estado do Brasil.

Nesta primeira apresentação dos/as entrevistados/as, de antemão, é possível identificar percursos não homogêneos no encontro entre vida e início da atividade no cursinho popular. Os/As interlocutores/as partem de diferentes etapas da vida para conectar o interesse, a aproximação e o início das atividades dentro do núcleo. Vale ressaltar, entretanto, uma similitude fundamental nestes percursos: a criticidade sobre a realidade e, neste caso, como escreve Paulo Freire (2005), ​na ​realidade.

21​Nomenclatura esta, que faz parte de constantes debates interno dos CPs, como dito no Referencial Teórico no

item “sobre a experiência em um contextos de educação popular”. Esta discussão também está presente no trabalho de Castro (2019) e nas entrevistas realizadas nesta investigação.