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MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO, COMUNIDADES E MUDANÇA SOCIAL Cursinhos populares no Brasil: experiência e educação popular na perspectiva

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MESTRADO EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO  

EDUCAÇÃO, COMUNIDADES E MUDANÇA SOCIAL 

Cursinhos populares no Brasil: 

experiência e educação popular  

na perspectiva  

da luta de classes.

 

Marianna Di Giovanni Pinheiro Serrano

 

M

 

(2)

Marianna Di Giovanni Pinheiro Serrano

Cursinhos populares no Brasil: experiência e educação popular

na perspectiva da luta de classes.

Dissertação apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, para obtenção do grau de Mestre em Ciências da Educação.

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RESUMO

A presente dissertação está implicada no que vem constituindo-se como o campo de cursinhos populares (CPs) no Brasil. Os cursinhos populares são núcleos autônomos ou configurados em redes que buscam: 1) preparar os/as filhos/as da classe trabalhadora para os exames vestibulares mais concorridos do país e 2) tensionar a luta por acesso ao ensino superior público, o qual foi historicamente destinado às classes privilegiadas do país. Deste modo, desde a década de 1990, os CPs consolidam-se como um movimento social de caráter educativo e, inspirados no campo da educação popular, buscam incorporar nos núcleos a formação crítica como componente indispensável. Os CPs, funcionam em diversos espaços e equipamentos públicos, disponibilizando cursos pré-vestibulares gratuitos ou a baixo custo, produzindo uma série de experiências educativas.

É neste contexto que nasce o presente trabalho, quando a riqueza experiencial nos CPs é contraposta ao diagnóstico da pobreza da experiência atestada por autores/as críticos à modernidade.Nesta lógica, penso que a experiência, a princípio rica no contexto dos cursinhos populares, poderá conter pistas de uma prática social de caráter educativo capaz de criar rachaduras na ideologia hegemônica. Portanto, na busca por estas pistas, entrevistei 7 representantes de núcleos de cursinhos populares, também membros da Frente de Cursinhos Populares de São Paulo (FCPSP), Brasil.

Partindo de uma perspectiva epistemológica marxista e crítica, e fundada nos conceitos da educação libertadora de Paulo Freire, as experiências produzidas nos CPs mostram-se com propriedade de aproveitar o material empírico da vida para construir saberes individuais e coletivos, expondo os nós entre subjetivo e objetivo, indivíduo e coletivo, contexto e sistema.

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ABSTRACT

This final work situates itself in what has been taking shape in Brazil as the field of ​Cursinhos

Populares [“popular courses”]. The CPs are either autonomous groups or networks aiming to

1) prepare the sons and daughters of the working class to the most sought-after College admission tests and 2) to fuel the fight for access to higher education, which has been historically destined to the country’s privileged classes. Being so, the Cps have affirmed themselves, since the 1990s, as a social movement with an educational trait and, inspired by the field of popular education, they aim to involve critical formation as an essential feature in the activity of each group. The CPs happen in various spaces and public facilities, providing free or low-cost preparatory courses, giving life to a set of educational experiences.

This work originates by contraposing the experiential richness of the CPs to the diagnosis of the experiential poorness reported by the critics of modernity. Following this path, I believe that the sphere of experience, appearing rich in the CPs, may conceal hints for educational social practices capable of opening cracks in the hegemonic ideology.

I therefore interviewed seven exponents of CP groups, also members of the ​Frente de

Cursinhos Populares de São Paulo​ (FCPSP) [“São Paulo Popular Courses Front”], Brazil.

Assuming a marxist and critical epistemological stance, and based on the concepts of Paulo Freire’s Liberating Education, the kind of experiences produced in the Cps show a capacity to take advantage of life’s empirical material in order to build collective and individual knowledge, exposing the joints between subjective and objective, individual and collective, context and system.

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RÉSUMÉ

Cette dissertation trouve sa place dans le champ d’études des ​cursinhos populares (Cps) au Brésil [“cours populaires”]. Les Cps sont des groupes autonome ou bien des réseaux qui ont pour but: 1) de préparer les fils et filles de la classe des travailleurs aux examens universitaires d’admission les plus prisés du pays et 2) d’alimenter la lutte pour l’accès à l’enseignement supérieur publique, historiquement destiné aux classes privilégiées du pays. Cela étant, les Cps se sont consolidés, depuis les années 1990, comme un mouvement social à caractère educatif et, inspirés par le milieu de l’education populaire, ils visent à incorporer une formation critique comme elément indispensable de leurs acitivités. Les Cps ont lieu dans toute sorte d’espaces et structures publiques, offrant des cours préparatoires gratuits ou à bas coût, produisant ainsi nombre d’expériences educatives.

C’est dans ce contexte que prend forme cette dissertation, à partir de la contraposition entre la richesse expérientielle des Cps et le diagnostique de la pauvreté de l’expérience attestée par les critiques de la modernité. Suivant cette logique, je crois que le terrain de l’expérience, riche à première vue dans le contexte des cours préparatoires, pourra contenir les pistes d’une pratique sociale à caractère educatif capable d’opérer des déchirements dans l’idéologie hégémonique.

Par conséquent, à la recherche de telles pistes, j’ai interviewé sept représentants d’unités de cours préparatoires, membres également de la Frente de Cursinhos Populares de São Paulo (FCPSP) [“Front de Cours Préparatoires de São Paulo], Brésil.

À partir d’une perspective epistémologique marxiste et critique fondée sur les concepts de l’éducation libératrice de Paulo Freire, les expériences produites dans les CPs montrent une capacité d’utilisation du matériel empirique de vie afin de donner forme à des savoirs individuels et collectifs, tout en exposant les entrelacements entre le subjectivité et objectivité, individu et collectif, contexte et système.

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AGRADECIMENTOS

Em memória à minha tia-mãe, Rosella. Que como todas as nossas tias-mães, avós-mães, irmãs ou amigas-mães nos ensinam à cumplicidade entre mulheres como uma das estratégias de sobrevivência no nosso mundo; e vão além, quando nos ensinam que o amor é um ato de solidariedade profundo e irrevogável.

Ao meu afilhado Pedro-pedrinho-pedroca, neto de Rosella, que evoca no meu amar a ainda maior urgência do ato solidário, para que pedrinho e todas as crianças possam ser e crescer.

À minha família e aos meus pais,

Minha mãe Annamaria que ensinou-me a aprender com os/as outros/as, a escutar e a falar, a não me calar.

Meu pai Agnaldo que ensinou-me que o amor não se diz só em palavras mas, que este ato exige responsabilidade, organização e ação.

Ao meu irmão Matteo, meu grandíssimo amor, a distância e o tempo de nós são das mais difíceis saudades que já vivi. Obrigada pela sua paciência, até breve. Muito breve.

Aos meus amigos e amigas do Brasil e de Portugal,

Annik Maas, Bianca Gabani e Priscilla Nor Boaro, que me acompanham a tanto tempo, entre férias de verão e o cotidiano da cidade de São Paulo. É bonito ir crescendo juntas.

À Stephanie Rodrigues, perolinha do douro, que bonita a amizade que construímos. Obrigada pela companhia ímpar.

À Tati, Diana e Bianca, obrigada pelos jardim que cultivamos no cotidiano.

Ao Romain, meu companheiro, ao “nós” que pacientemente cuidamos.

Ao meu orientador Prof. Dr. Henrique Vaz que no entremeio de tantas conversas, suscitou-me muitas ideias que estão contidas neste trabalho.

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ÍNDICE INTRODUÇÃO 9 Perguntas de partida 12 I. REFERENCIAL TEÓRICO 13 1.1 Introdução 14 1.2 Sobre a experiência 14

1.2.1 Os cacos da experiência moderna 14

1.2.2 Recolhendo os cacos: a memória 18

1.2.3 Retomando o coletivo 21

1.3 Sobre educação 22

1.3.1 Educação capitalista e educação anticapitalista 22

1.3.2 Sobre a experiência em um contexto de educação popular 27

1.3.2.1 O espaçotempo dos CPs 28

II. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO 33

2.1 A entrevista 34

2.1.1 Introdução 34

2.1.2 Do processo para as entrevistas 35

2.2 Do processo de Análise de Dados 37

2.2.1 Introdução 37

2.2.2 Categorias 38

2.2.3 Subcategorias 41

2.3 Perfis Biográficos 41

III. CATEGORIAS DE ANÁLISE 48

3.1 Educação 49

3.1.1 Introdução 49

3.1.2 Da “etapa” à experiência 49

3.1.3 Formação crítica ou pré-vestibular? Educação Popular! 56

3.2 Trabalho 65

3.2.1 Introdução 65

3.2.2 Voluntários/as ou militantes? Educadores/as populares/as! 65

3.2.2.1 O trabalho “ganha pão” 65

3.2.2.2 Das migalhas do pão à sua produção 67

3.2.3 Educador/a popular 72

3.3 Formação 74

3.3.1 Introdução 74

3.3.2 Os cursinhos populares como formadores de educadores/as populares 75

3.3.2 Formação e memória 78

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3.4.1 Introdução 82

3.4.2 da experiência de vida à experiência à ser vivida 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS 88

BIBLIOGRAFIA 90

ANEXOS 95

ANEXO I: Carta-Convite 95

ANEXO II: Guião 97

ANEXO III: Perfil social da/o entrevistada/o e informações gerais sobre o cursinho popular 98

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LISTA DE SIGLAS

Cursinho(s) Popular(es) ​CP(s)

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas ​FFLCH Educação de Afrodescendentes e Carentes ​Educafro Frente de Cursinhos Populares de São Paulo ​FCPSP Jornadas de Educação Popular ​JEP

Movimento de cursinhos populares ​MCPs Núcleos de Consciência Negra ​NCN

Pré-Vestibular para Negros e Carentes ​PVNC Rede Brasil Cursinho ​RBC

Rede Brasil Cursinhos ​RBC

União de Educação Popular para Negros(as) e Classe Trabalhadora ​UNEafro Universidade de São Paulo ​USP

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho é o resultado de uma pesquisa que pretende compreender como o domínio da experiência opera à apreensão da nossa própria existência no mundo. É verdade, que no processo de investigação e sobretudo no de escrita, deparo-me com a experiência em ser arrebatada por outras inúmeras inquietudes que são suscitadas pelo objeto, parece-me, que o processo de pesquisa sobre um “objeto”, seu contexto, tempo e espaço, é igualmente um processo profundo de estranhamento e reconhecimento de si, no contexto, tempo e espaço.

Vinda do contexto dos cursinhos populares (CPs) na cidade de São Paulo, contexto este objeto de pesquisa do presente trabalho, em uma viagem transatlântica tenho a oportunidade de, apesar da distância física, aproximar-me novamente desta memórias. Pouco a pouco as recomponho e as enquadro, para então, agora em distância não física, “ad-mirar” 1 a imagem

dos CPs. As memórias que no início do trabalho eram só minhas tornam-se uma narrativa maior, na medida em que o movimento de cursinhos populares (MCPs) apresenta-se como a prova do vínculo entre gente e história, gente que faz história ​na​ história.

Os cursinhos populares são núcleos organizados coletivamente por pessoas empenhadas em auxiliar outras pessoas que desejam concorrer aos exames vestibulares mais concorridos do país e aceder ao ensino superior público. Estes núcleos, que podem ser autônomos ou conectados a uma rede maior, são fundados ainda no final da década de 1950, quando, pela primeira vez, em consequência das dinâmicas socioespaciais e do mercado de trabalho dado pelo processo urbano-industrial, as instituições de ensino superior têm um número maior de inscritos do que o número de vagas. Este aumento na procura é decorrente das possibilidades e aspirações abertas às pessoas dos estratos médios da sociedade que buscavam, através do curso universitário, ascensão vertical (Castro, 2019).

Sendo assim, há um número de “excedentes” em relação ao número de vagas, que adiante, no período ditatorial, a Lei 5540/1968 “inspirada pelo modelo americano preconizado pela United States Agency for International Development - USAID , instituiu definitivamente o critério classificatório do vestibular, bem como o vestibular unificado por universidade” (Mendes, 2011 :38). Deste modo, o exame vestibular é definido como critério de entrada às universidades, não resolvendo o “excedente”, já que o vestibular classificatório é

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automaticamente eliminatório, passando os/as “excedentes” para automaticamente “eliminados”. Por sua vez, deslocando a responsabilidade estatal, quanto ao aumento do número de vagas, principalmente, para o setor privado do mercado universitário.

Em consequência deste processo, Zago (2008) apud. Sampaio (2000), aponta que as matrículas no período de 1970-1980 cresceram no setor público 143% enquanto no setor privado 311,9%. É nesta época, que Mendes (2010), afirma haver dois processos circunstanciais à compreensão da problemática que envolve a exclusão do acesso às IES públicas. Por um lado, desde o final da década de 1960, há o distanciamento processual entre os conteúdos ensinados na escola pública e os conteúdos exigidos no exame vestibular, por outro, é encampado um “novo” mercado no setor educacional, os cursinhos comerciais, que são instituições de ensino destinadas à preparação pré-vestibular para os/as seus/as clientes. Por consequência, perpetuando a universidade e principalmente a pública como um território historicamente exclusivo às classes privilegiadas do país (Castro, 2019). No entanto, é também deste “vazio” deixado pelo Estado entre escola pública e universidade pública, que os CPs surgem.

Castro (2019), dedica-se a remontar a historicidade do MCPs, alcançando, inevitavelmente a historicidade da universidade no Brasil, a desvelando como um processo tardio em relação aos países da América Latina e profundamente marcado por uma sociedade racista.

É a partir da década de 1990, que os cursinhos populares, expandem e constituem uma configuração de movimento social, principalmente na cidade de São Paulo e Rio de Janeiro, retomando com maior intensidade o tensionamento com o Estado pela democratização do ensino superior público. Neste momento, os principais movimentos sociais responsáveis por impulsionar o MCPs são os diversos setores do movimento negro que reivindicam o caráter democrático da universidade intimamente conectado à defesa intransigente do acesso da juventude negra à unversidade pública (Castro, 2019).

Portanto, os CPs, são um movimento social de tensionamento ao Estado, assumindo um posicionamento político diante da contradição escola pública e universidade pública (Castro, 2019). Atuando em diversos territórios e espaços na tentativa de auxiliar os agrupamentos raciais, sociais e culturais historicamente subtraídos da possibilidade de aceder à universidade. Sendo assim, a ação desempenhada pelos CPs, busca, através da prática educativa preparar os/as filhos/as da classe trabalhadora ao vestibular. No entanto, desde às raízes do Movimento, há influências do campo da educação popular que contribuem à crítica da escola e da

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universidade também quanto ao projeto de educação intencionado nas instituições, propondo, junto a preparação pré-vestibular dos/as estudantes de CPs, uma prática educativa libertadora. Assim, configurando o MCPs como uma movimento social de caráter educativo (Mendes, 2015).

Penso aqui, ser importante destacar algumas das reivindicações e vitórias do Movimento desde os anos 2000, como a conquista da isenção da taxa, aos/as estudantes da escola pública, para inscreverem-se nos vestibulares e em especial o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), como o principal exame classificatório de acesso às universidade federais do país e a Lei de cotas raciais, que configuraram um debate intenso em todo país, levando diversos setores das lutas sociais à posicionarem-se (Bacchetto, 2003; Mendes, 2011). Atualmente, os CPs são experiência educativas que acontecem em diversos contextos territoriais, atuando em associações de moradores/as, paróquias, escolas públicas, universidades pública e privadas, e conectados a diversos setores do campo político.

Assim, busco compreender, a partir de seis entrevista à membros de núcleos de CPs na cidade de São Paulo, também membros da Frente de Cursinhos Populares de São Paulo, como as experiências, por eles/as vividas, fornecem material empírico para pensar sobre a própria experiência, em um contexto sistêmico no qual a decadência da experiência é sinalizada como a incapacidade de resistência individual e coletiva frente às imposição da racionalidade técnica e econômica imposta pelo sistema capitalista (Kehl, 2009; Benjamin, 1985).

De acordo Benjamin (1985) e Adorno (1995), a experiência opera no domínio do saber, sendo para o primeiro autor, mais designada à dimensão coletiva, enquanto que para o outro autor, está mais designada à dimensão individual. Por isto, sendo os CPs um movimento social de caráter educativo, pensar a experiência parece-me duplamente interessante, pensando a capacidade dos “fazeres” do campo em abrir condições para a realização de experiências qualitativamente diversas das da vida corrente sob o capital, e a capacidade específica das práticas educativos em utilizarem-se do material empírico-vida para potencializar a experiência como um processo de conhecimento, no qual a dialética sujeito cognoscente e objeto a ser conhecido, é acionada (Adorno, 1995).

Para isto, a discussão se dá a partir de quatro grandes Categorias: 1) Educação, 2) Trabalho, 3) Formação e 4) Autogestão, Gestão e Organização. Desta maneira, para além do que o nome das Categorias adianta, exploro, as contradições comunicadas pelos/as interlocutores/as, em cada uma destas temáticas, para pensar sobre as contradições sistêmicas. Desta maneira, pensando as práticas dos CPs e dos/as interlocutores em dimensões de

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“contextos”, buscando compreender como a formação crítica embrenhada à discussão sobre experiência nos fornece pistas para um processo educativo que não só retome a experiência, mas a esperança junto dela.

Perguntas de partida

O interesse em continuar a investigar o contexto dos cursinhos populares é suscitado ao deparar-me com autores/as críticos/as à modernidade e o diagnóstico da ​pobreza da

experiência2 ​como uma das características da miséria humana sob o capitalismo. Por outro

lado, vinda do contexto e no processo de levantamento bibliográfico sobre o Movimento, a experiência (a palavra e o domínio sobre ela) desabrocha de maneira quantitativa nos trabalhos. Penso estar aí, no encontro entre estas duas tendências (a pobreza e a riqueza experiencial), o início das inquietações que vão dando desenho à esta pesquisa.

Nesta lógica, penso que a experiência, a princípio rica no contexto dos cursinhos populares, poderá conter pistas de uma prática social de caráter educativo capaz de criar rachaduras na ideologia hegemônica supracitada. Portanto, na busca por estas pistas entrevistei 7 representantes de núcleos de cursinhos populares, também membros da Frente de Cursinhos Populares de São Paulo (FCPSP), Brasil. Orientei esta busca ao explorar quais são as experiências produzidas no ​espaçotempo​3 dos núcleos de CPs; pondo em perspectiva os nós entre subjetivo e objetivo, indivíduo e coletivo, contexto e sistema.

Assim, penso que compreender estas experiências em um contexto constituído por sujeitos que se organizam e autodenominam suas práticas educativas como “popular” poderá abrir portas para apreender como a “retomada” da experiência contribui para o processo do desenvolvimento de “fazeres” específicos ao contexto, sendo estes “fazeres” potencialmente inspiradores para corroborar à reflexões sobre a formação crítica e humanizadora, princípios estes tão caros ao campo das Ciências da Educação.

2 Em referência ao texto “Experiência e Pobreza” escrito por Walter Benjamin em 1933, reunido em Benjamin

(1985)

3Alves (2001) estende a compreensão sobre o espaço além da materialidade, indicando a conexão com os

caráteres temporal e simbólico. A autora analisa em específico o ​espaçotempo escolar no Brasil desvelando a estrutura física como um produto histórico implicado em uma cultura assim, defende a indissociação entre as palavras “espaço” e “tempo” e a escola como um ​espaçotempo não neutro, impregnado dos valores burgueses que a constituem historicamente. Esta concepção mostrar-se-à importante para adentrar e compreender outros/as autores/as como o sociólogo Quijano (2005) e os geógrafos Santos (1996) e Castro (2019), apesar desta perspectiva ser marginal no desenvolvimento do trabalho como um todo.

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1.1 Introdução

Denominei esta parte como “referencial” por apresentar os diferentes fundamentos teóricos que constituem a estrutura dentro da qual o trabalho ​vai adquirindo sentido. Embora este referencial forneça o essencial das referências aos/às autores/as mais importantes à orientação do percurso da dissertação, tanto no capítulo teórico-metodológico como na interpretação dos dados, nas partes relativas a cada uma das Categorias de análise, haverá breves retomadas teóricas e a apresentação de autores/as que porventura ainda não foram mencionados/as.

Um primeiro item, “Sobre a experiência”, objetiva apresentar os/as autores/as que dão base à concepção sobre experiência que orienta a pesquisa, sem esquecer a extensão deste campo e a importância de autores/as e perspectivas não contempladas. No item seguinte, “Sobre a educação” objetivo também apresentar os/as principais autores/as que apoiam-me à conceitualizar o que compreenderei como “educação capitalista” e “educação anticapitalista”, sendo a última, principalmente compreendida sob a ótica da educação popular. Por último, um item dedicado à aprofundar sobre os cursinhos populares e a história do Movimento, também apresentando os/as principais autores/as e trabalhos que auxiliam-me a compreender o que vem constituindo-se como o campo dos cursinhos populares.

1.2 Sobre a experiência

1.2.1 Os cacos da experiência moderna

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara Sem uso ela nos espia do aparador.

(Carlos Drummond de Andrade)

O poema “Cerâmica” inquieta-me desde que o li pela primeira vez. Não é exagero afirmar que as questões que levantam-se em mim sobre o assunto da experiência são substancialmente extraídas daí. Parto de inquietudes que brotam, articulam-se e enraízam deste poema. A imagem de uma vida fragmentada no qual “os cacos da vida” compõem um estranho objeto e não a experiência autoral da obra vida, movimenta-me à buscar compreender que estranhamento é este que aparta vida e ser. Sendo assim, o poema que inicia o tópico, servirá de apoio para florescer o ideário de experiência desenvolvido no corrente trabalho.

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Para tal, compreendendo a extensão e a complexidade de autores/as que fundamentam suas pesquisas a partir de diferentes perspectivas sobre a experiência, são assumidas, dado o tempo e o alcance possível desta dissertação, principalmente as perspectivas produzidas por Adorno (1995), com auxílio dos/as autores/as Maar (2003), Camargo (2007) e Petry (2015), e, a outra referência, Benjamin (1940, 1985) com destaque para dois de seus textos; “Experiência e pobreza” de 1933 e “O narrador” de 1936, reunidos em Benjamin (1985). Sendo Meinerz (2008) e Kehl (2009) também importantes para apreender a experiência em Benjamin e a sua pertinência dentro da atualidade.

Para arquitetar e compreender pontos de encontro entre experiência e sociedade moderna foram fundamentais autores/as como Adorno & Horkheimer (1985), Dubet (1994) e Touraine (1997). No entanto, é perceptível que no desenvolver do trabalho a perspectiva que vai sendo construída é especialmente aberta a partir de autores/as marxistas. A aderência à estes autores/as se dá no pressuposto de que a história da sociedade é a história da luta de classes e a capacidade de transformação social em caráter desta dinâmica; na qual a luta revolucionária, por transformação, só será forjada na própria experiência da classe proletária (Marx, 2003). Magalhães (2004) por exemplo, é outro autor também fundamental na medida em que traduz autores/as marxianos para o mais contemporâneo, pensando à realidade a partir das tendências do capitalismo globalizado e no que ele denomina como pós-modernidade.

Os “cacos da vida” de Drummond encontram correspondência no processo de fragmentação da vida social e individual que caracterizam à modernidade (Touraine, 1997; Magalhães, (2004). Para Magalhães (2004) o ser fragmentado transita entre as desarticuladas estruturas da vida social, individualizando-se cada vez mais em ​microcosmos​.

Dubet (1994) caracteriza o desenvolvimento do indivíduo moderno na base do ​self

control e do individualismo. Ele afirma que o “Ego autônomo do indivíduo, a consciência de si como indivíduo próprio, resulta da própria evolução da civilização, que impõe aos atores uma forte interiorização do controle social, da moral, dos deveres e da obrigação de ser livre que caracterizam à modernidade” (Dubet, 1994 :37). Sendo o ​self control ​a incorporação (e o recalcamento) do controle social. Por consequência, quanto maior o controle social mais se “desenvolve o sentimento de Ego, o sentimento de ser um indivíduo particular cujos sentimentos, cujas emoções e cujas reacções só à ele pertencem” (Dubet, 1994 :40). Para autor, quando o individualismo deixa de ser mediado “pelas ligações comunitárias” a sociedade transforma-se em “uma sociedade de massa atomizada” feita de um tipo de indivíduo que ao julgar escapar do social “torna-se vazio, desesperado e alienado” (Dubet, 1994 :41); o que é, para o autor, um prato cheio para o autoritarismo.

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Dubet (1994) vê na formação do Estado moderno e na divisão social do trabalho “o monopólio da legitimidade e da força, que promovem o indivíduo súbdito do rei ou cidadão” (Dubet, 1994 :41) gerando uma socialização fundada no ​self control à qual retroalimenta o sistema de controle. Touraine (1997) individua o controle da organização social sobreposta à economia. A partir da dissociação entre cultura e economia, sendo a cultura, não mais responsável por organizar a sociedade, e assim, não mais responsável pela atividade técnica e econômica a ela sobreposta. O autor acentua à dissociação entre cultura e economia na dissociação entre mundo simbólico e mundo instrumental inaugurando, na modernidade, a razão ou racionalidade instrumental sobreposta ao ser social e suas culturas.

Magalhães (2004), corrobora esta tendência ao afirmar a sobreposição do sistema financeiro como pressuposto organizador social da vida, ainda que o autor assinale esta análise temporalmente mais próxima dos dias de hoje. O que por um lado, só fortalece à afirmação anterior, como uma tendência própria da reprodução capitalista, compreendendo a financeirização da economia com​o a “nova” ves​te do capitalismo global neoliberal.

Deste modo, é possível articular entre os três autores uma concepção da organização social desvinculada da vida participativa social, na forma de uma tutela. O indivíduo “torna-se prisioneiro de um mundo do qual não participa” (Magalhães, 2004 :88). Nas palavras de Adorno & Horkheimer (1985), “a unidade da coletividade manipulada consiste na negação de cada indivíduo” (Adorno & Horkheimer, 1985 :24). Palavras que parecem ecoar na concepção de alienação atribuída à “massa atomizada” de Dubet (1994 :41).

O conceito de “indústria cultural” assim, como é desenvolvido por Adorno & Horkheimer (1985), desempenha um papel essencial na perspectiva que vem se construindo, na medida em que “ressalta o “mecanismo” pelo qual a sociedade como um todo seria “construída”4 sob a égide do capital, reforçando o vigente” (Maar, 2003 :460). Sendo a

indústria cultural responsável por produzir uma cópia do real, “na medida em que a sociedade é

cultural5​, ordena e organiza o que seria natural” (Maar, 2003 :460). A cópia ou duplicação da

realidade é a antecipação da possibilidade da experiência, como uma realidade coisificada. Adorno (1995) ao localizar a experiência no domínio do conhecimento afirma à mesma com propriedade de manifestar a resistência “à universalidade da forma mercadoria.” (Camargo, 2007 :30). Pois, segundo o autor:

“a sociedade é imanente à experiência e não ​allo genes​.

4 Aspas do autor. 5 Grifo do autor.

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Somente a tomada de consciência do social proporciona ao conhecimento a objetividade que ele perde por descuido enquanto obedece às forças sociais que o governam, sem refletir sobre elas.” (Adorno, 1995 :4)

Ou seja, a experiência assume um caráter crítico na possibilidade de confronto com as normas, os valores e as contradições produzidas por uma sociedade que pré-fabrica a cultura, pondo em perspectiva o caráter do todo social que o constitui (ou não) como ser social, e não mais como indivíduo abstrato e suposto universal.

De acordo com Magalhães (2004) o desenvolvimento deste individualismo no período moderno é consequência do processo de “separação entre sujeito e objeto” (Magalhães, 2004 :90). Para o autor, como dito anteriormente, a racionalidade econômica como pressuposto organizador da vida social “notabiliza primordialmente o irracionalismo” (Magalhães, 2004 :90). Isto porque, “a autoproclamação da consciência [no individualismo moderno] passa a desprezar as determinações sociais, elevando a consciência do mundo ao nível do mundo da consciência” (Magalhães, 2004, 91). Assim, a separação entre sujeito e objeto, além de coisificar a suposta natureza da realidade também coisifica o indivíduo.

Quando Drummond coloca em perspectiva “os cacos da vida” como um objeto (a xícara), apesar do estranhamento (ou por conta disto), o poeta aparenta ser convidado a “espiar” de volta o objeto e à refletir sobre ele. Nesta continuidade, o que no início assinalei como cisão entre ser e vida (sujeito e objeto) no poema, movimenta-se para o seu oposto e sujeito e objeto “espiam-se” na pretensão de comunicarem-se.

Para Adorno (1995), “a posição-chave do sujeito no conhecimento é experiência e não forma” conferindo à experiência a propriedade do sujeito cognoscente de “entregar-se sem reservas” ao objeto a ser conhecido e “como disse Hegel, com a liberdade que distende o sujeito cognoscente até que se perca no objeto” (Adorno, 1995 :7). Sendo assim, a experiência opera no domínio do saber na conexão sujeito-objeto.

Posto isto, a pobreza da experiência como diagnóstico da modernidade é também o diagnóstico da “pobreza” do ser moderno. O individualismo e a vida social produzidas no capitalismo impedem não só materialmente a retomada desta vida em mãos mas, subjetivamente, dificultando ao sujeito cognoscente a possibilidade de experienciar e conhecer

(19)

1.2.2 Recolhendo os cacos: a memória

O estranhamento quanto aos “cacos da vida” é simultaneamente o estranhamento do que produz esta vida, é a não-identificação de si em um todo fragmentado, “colado”. Segundo Camargo (2007), Adorno e Dubet são autores que afirmam a experiência “como o ponto central através do qual é possível encontrarmos na realidade diferentes movimentos de resistência ao processo de dominação social, sobretudo a dominação capitalista.” (Camargo, 2007: 39). Sobre este ponto, vale a pena citar o seguinte excerto de Camargo:

“As experiências que revelam a inconformidade, a rebelião do sujeito, ou do que restou dele, efetivamente só se compreendem mediante o recurso a categoria de totalidade como categoria crítica, e isto significa reconhecer nos eventos singulares a sua própria indistinção desta totalidade.” (Camargo, 2007 :30)

A categoria de totalidade aqui referida, na sua essência “crítica” ​defende a concepção de que a experiência do sujeito tem a propriedade de compor ou perceber um todo, sendo este todo, não abstrato. Se a indústria cultural por um lado duplica a realidade (abstrata), por outro investe na instrumentalização técnica como “todo o conhecimento” necessário para conhecer o mundo. Neste sentido existe uma antecipação da experiência, com a consequente indisponibilidade de aprender no mundo e com os/as outros/as. A categoria de totalidade, entendida em perspectiva crítica, mostra-se fundamental na medida em que a experiência no mundo é capaz de reconectar o sujeito cognoscente ao objeto a ser conhecido, confrontando este todo abstrato e universal.

No intuito de investigar a qualidade da experiência individual e coletiva à dimensão de resistência em oposição à totalidades abstratas, é útil considerar a concepção de Adorno (1995) quanto à experiência. Tendo a experiência no domínio do conhecimento, Adorno (1995) caracteriza a comunicação entre sujeito cognoscente e objeto a ser conhecido como dialética, em um “estado de diferenciação sem dominação, no qual o diferente é compartido” (Adorno, 1995 :2) afirmando à resistência e à contraposição à racionalidade moderna, já que o “estado de diferenciação” seria a superação do indivíduo coisificado, sendo um imperativo do sujeito na sua diferenciação não objeto.

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pobreza da experiência no pós I Guerra, constando o silenciamento dos combatentes que estiveram no campo de batalha. Este silêncio é substituído pelo mercado literário, o qual encarregou-se de fabricar narrativas destas vivências incomunicáveis. Para outros autores como Adorno & Horkheimer (1985) e Dubet (1994) a assertiva sobre a experiência como saída para o fracasso moderno está na constatação de um mundo que assistiu a ascensão do nazismo e do fascismo.

Na perspectiva de Benjamin (1985) a experiência é compreendida em dois domínios que me parecem importantes para esta discussão: o cotidiano e a memória. O primeiro é tido como matéria-prima para a autoria da experiência. A segunda, a memória, é vinculada à apreensão por parte do sujeito do curso da história, ​na história. Experiência é então o que consegue individuar uma ligação entre um posicionamento interno à história por parte do sujeito, e o cotidiano como conteúdo da vida.

Kehl (2009), autora brasileira e psicanalista, adentra à estas ideias de Benjamin para propor uma hipótese que responda ao aumento exponencial dos diagnósticos de depressão no Ocidente desde a década de 70. Ela enquadra, em uma síntese, a perspectiva benjaminiana a respeito da afirmativa sobre a pobreza da experiência: “a modernidade, ao transformar as condições do convívio humano que tornava possível a transmissão do vivido na forma das narrativas, destituiu a qualidade da experiência” (Kehl, 2009 :166). Desta maneira, a autora, corrobora Benjamin (1985) ao compreender a experiência no domínio da memória, e desenha uma oposição entre experiência e tradição. Contrapõe-se a relação não autoritária e o sentido coletivo de um lado, contra os mecanismos de estabilidade e perpetuação do poder do outro. A experiência, no seu papel criativo e concreto traz em si essencialmente um elemento de desestabilização da tradição. Quando Benjamin (1985) diz desconfiar do patrimônio cultural no caso em que o que nos vincula a ele não é mais a experiência, assinala a expropriação, ​na história, de experiências que nos vinculam ao curso da história. Essa acepção de experiência conectada ao domínio memória em sentido histórico, a compreende como um evento profundamente coletivo, de vivências comunicáveis com a propriedade de constituir um elo entre passado e presente (Kehl, 2009). A memória, é “quem nos dá alguma medida, tanto individual quanto coletiva, do fio do tempo, e estabelece uma consistente impressão de continuidade entre os infinitos instantes que compõem a vida” sendo essencial para “manter nosso sentimento imaginário de ​identidade​6 ​ao longo da vida; ela funciona como garantia de que algo possa se conservar diante da passagem inexorável do tempo que conduz tudo que

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existe ao fim e à morte” (Kehl, 2009 :127).

A pobreza da experiência, nesta lógica, é também a perda da memória do sujeito moderno (Kehl, 2009). Esta perda está compreendida na perspectiva de que a vivência produzida na modernidade é incapaz de traduzir-se em experiências (Meinerz, 2008; Kehl, 2009). Para as autoras, que percorrem autores como Henri Bergson, Giorgio Agamben e principalmente Sigmund Freud, “o tempo como categoria abstrata” corresponde a “marcações puramente simbólicas, destituídas de significação” (Kehl, 2009 :127). Neste caminho, o tempo, do momento que não mais pertence a nós decidi-lo e significa-lo, nos ultrapassa, e encarrega-se, na modernidade, de não dar tempo ao passado para “ruminações, rememorações e devaneios” (Kehl, 2009 :134), instaurando o choque como incapacidade psíquica de elaboração e comunicação do ocorrido, como supracitado no exemplo dado por Benjamin (1985) sobre os soldados retornados das trincheiras.

Assim, como dito anteriormente, se por um lado, como afirma Kehl (2009) a tradição opera no sentido da conservação do mundo como tal, por outro, a memória é a própria atualização do passado no presente.

“A experiência que passa de geração em geração não é idêntica à perpetuação da tradição, cuja principal função é indicar o lugar que cada um deve ocupar na ordem social, assim como o tipo de comportamento adequado a tal lugar. A tradição participa dos mecanismos de estabilização e perpetuação do poder; a experiência, por sua vez, não tem relação com a autoridade e sim com o sentido que uma coletividade é capaz de extrair do que seus antepassados viveram, ou das narrativas que seus contemporâneos trouxeram de regiões e de países distantes. A desmoralização da experiência para Walter Benjamin, torna os indivíduos disponíveis para aceitar qualquer coisa que lhes seja apresentada sob forma de novidade.” (Kehl, 2009 :155-156).

Portanto, além de assumir à memória capacidade psíquica individual de conexão entre passado e presente, ela mostra-se profundamente coletiva, na medida em que o que atribui sentido e saber à vida, constituindo um elo que nos conecta ao passado que sequer foi vivido por nós.

O cenário moderno apresenta um sujeito moderno “vazio, desesperado e alienado” (Dubet, 1994 :41) preso em seu ​microcosmo​, no qual “a decadência das grandes narrativas corresponde à perda da referência que caracteriza subjetividade do indivíduo moderno, que se vê na condição desamparada de ter de se tornar autor de sua própria vida” (Kehl, 2009 :159), tendo o presente como tempo perpétuo.

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1.2.3 Retomando o coletivo

Em suma, compreendo a experiência especialmente a partir da ótica de Adorno (1995) e de Benjamin (1985,1940), sendo os/as autores/as aqui citados fundamentais para compreender a porosidade da concepção de experiência em diálogo com a concretude da vida vivida ao nível individual e coletivo, atribuindo imperativo ao indivíduo ao coletivo no tempo da memória e portanto da história, e com possibilidades de contraposição às representações hegemônicas da cultura forjada por uma racionalidade técnica e econômica, advinda do modelo de produção capitalista.

Em Adorno (1995), a análise da experiência está mais conectada ao caráter individual, captando a relação dialética sujeito-objeto como uma experiência contrária à lógica da racionalidade sistêmica. Quando o autor argumenta sobre a dialética sujeito cognoscente e objeto a ser conhecido, posiciona esta concepção oposta ao idealismo de Kant, no qual, de acordo com Adorno (1995), é “real” ao desvelar o pensamento sobre sujeito e objeto fixos, abstratos e universais, como a continuidade de um mundo que só compreende o ser a partir das relações também abstratas de troca, relação tal, designada pelo trabalho-capital. Já para Benjamin (1985, 1940), a experiência está profundamente conectada com ao caráter coletivo, por consequência, realizável a partir da sua íntima conexão com a memória. Este pressuposto encaminha um breve paralelo entre as transformações aceleradas da modernidade, tempo abstrato e o choque para propor, junto à Kehl (2009), argumentos que corroboram a pobreza da experiência do ser moderno. Neste sentido, o encontro entre as perspectivas de Benjamin e Adorno perecem-me proveitosos. Primeiro, porque de fato há o correlato histórico entre os autores; sendo ambos colaboradores da escola de Frankfurt. Depois, no que interessa ao trabalho, penso ser imprescindível estar atenta tanto a experiência em seu caráter individual quanto coletivo, sobretudo, quando a vivência coletiva demonstra ser um importante elemento para, no cotidiano, compor a memória (individual e coletiva). Outro aspecto a ser destacado é que ambos também enquadram a experiência no domínio do saber, considerando este domínio, um evento formador do ser enquanto ser social. Por último, quando Benjamin (1940), em sua tese seis, expressa que “em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela” (Benjamin, 1940 :6), penso que a experiência é responsável por reencontrar a tradição conectando-a ao patrimônio cultural. Retomar a tradição, neste sentido, sugere a retomada da própria experiência em oposição à simples aceitação da memória aparente que é a tradição enquanto perpetuação das formas de um poder constituído. Esta retomada, fundada na experiência, é por consequência indivisível às esferas individual e coletiva, na prospecção à

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produção de suas próprias organizações sociais.

1.3 Sobre educação

“Aí é preciso não esquecer de uma coisa: educação popular e mudança social andam juntas” (Nogueira & Freire, 2005: 62).

Nesta parte procuro apresentar e discutir os/as principais autores/as que dão base às concepções de educação que orientam o trabalho. Especial foco é dado ao campo da educação popular pela sua importância histórica no território sulamericano e brasileiro, e pela sua conexão íntima à história e contexto dos cursinhos populares. Dedicarei-me a delinear as ideias de educação capitalista e educação popular, para depois adentrar o pensamento dos/as autores/as chamados/as a fim de corroborar a perspectiva de práticas educativas anticapitalistas. Por último, pretendo tematizar a questão da experiência no contexto específico da educação popular.

1.3.1 Educação capitalista e educação anticapitalista

A perspectiva que assumo para olhar para a questão da educação parte do fato da sua conexão indissociável com a dimensão do trabalho na sociedade capitalista. A educação sendo inserida em tal sociedade, traz em si questões e contradições próprias deste sistema. A educação, institucionalizada, entende-se como correlata histórica do processo de desenvolvimento do capital (Mészáros, 2008; Gadotti, 2011):

“A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu - no seu todo - ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que ​legitima​7 ​os interesses dominantes, como se não

pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente imposta” (Mészáros, 2008 :35)

Mészáros (2008), partindo de uma interpretação do processo de “alienação do trabalho” (Mészáros,2008 :60) sob o capital propõe a “contrainteriorização” dos valores burgueses. Para o autor, a educação deve desempenhar um papel substancial à este processo, como des-alienação a partir da conscientização do indivíduo.

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Neste caso, o sentido que é atribuído a educação é contrário ao que historicamente designou-se. O autor, fundamentalmente, caracteriza a intenção da educação capitalista como mantenedora ideológica da reprodução social como tal, sendo a educação não capitalista modificadora desta ideologia e consequentemente, implicada em outra organização social por meio de outros meios de produção (Mészáros, 2008).

Nesta lógica, é possível estabelecer um paralelo com Freire (2005), no que o autor denomina como “educação bancária” e “educação libertadora”. Compreendendo que a correspondência, neste caso, também é estendida à concepção sistêmica. Da mesma maneira que em Marx (2003) a classe operária é responsável por forjar a luta revolucionária, em Freire (1989, 2005, 2011a) são os oprimidos (ou dominados) os protagonistas de sua própria libertação; já que a luta dos oprimidos por mudança social é a luta por suas próprias vidas (Nogueira & Freire, 2005). Sendo assim, a luta por mudança social deve ser realizável não somente na negação da educação capitalista pondo em perspectiva, para Freire (1989, 2005, 2011a, 2011b), Nogueira & Freire (2005) e Mészáros (2008) uma educação antes, anticapitalista. Isto quer dizer, que a luta por superar a dialética classe dominante e classe dominada deve estar diretamente implicada no cotidiano e no que os autores compreendem como práxis.

Em um primeiro sentido fundamental à prática educativa, essa luta deve estar no cotidiano no sentido de evocar as vivências como matéria-prima para o processo de conhecimento ​no mundo uma vez que “a exploração não é algo que ocorre fora da sociedade humana, é o vínculo real entre a natureza opressiva do capital e a realidade material dos indivíduos” (Fernandes, 2006 :489), como anteriormente dito por Adorno (1995) sobre a experiência no mundo. Em um segundo sentido, a práxis como uma “atividade do ser” inscrita na dialética do processo reflexivo da ação e da ação ensejada por reflexão, vislumbrando “combater o desalinhamento entre o pensamento e a prática, que estão sujeitos à consciência, ao reconhecimento e a agência” (Fernandes, 2006 :489).

Nesta continuidade, Brandão (2006), inspirado na obra freiriana, salienta o cotidiano como a matéria-prima para o processo de conhecimento no mundo, delineando esta como uma tarefa da educação popular. O autor coloca o cotidiano como um dos “lugares” onde a educação acontece, denominando este “lugar” à cultura: “o lugar social das ideias, códigos e práticas de produção e reinvenção dos vários nomes, níveis e faces que o saber possui” (Brandão, 2006 :4). Esta ideia encontra-se em afinidade com a concepção que Benjamin (1985) desenvolve à experiência, na medida em que ela é o processo de transmissão das vivências comunicáveis, afirmando à experiência como saber advindo destas transmissões. Assim, a educação, na

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medida em que está cindida no contexto do cotidiano, é cultura, estabelecendo conexão entre mundo concreto e mundo simbólico (Brandão, 2006). No entanto, quando a educação institucionalizada requer os saberes como instrução abstrata e morta, fora do tempo e contexto, há dissociação entre estes dois mundos, deixando em aberto o desprotegido terreno simbólico (Freire, 2005). Correlacionando a dissociação entre mundo concreto e simbólico com a afirmativa de Touraine (1997), que compreende a dissociação da cultura e da economia como imposição da racionalidade técnica e econômica à organização da vida social.

Esta última ideia, caracteriza a sobreposição da racionalidade técnica e econômica instituída na modernidade, sendo a educação institucional uma das estruturas de controle e poder que organiza e hierarquiza o que deve-se aprender a partir dos interesses do capital, logo, das classes dominantes. Por isso, pensar em um projeto de educação anticapitalista requer pensar em um projeto mais amplo de sociedade (Mészáros, 2008). Nas palavras de Paulo Freire:

“a luta revolucionária tende ao dinâmico e não ao estático; ao vivo e não ao morto, ao futuro e não ao futuro como repetição do presente; ao amor como libertação e não como posse patológica; à emoção da vida e não às frias abstrações; à comunhão e não ao gregarismo; ao diálogo e não ao mutismo; à práxis e não à ordem e à lei, como mitos; aos seres humanos que se organizam criticamente para a ação e não à organização deles para a passividade; à linguagem criadora e comunicativa e não aos “slogans” domesticadores; aos valores que se encarnam e não aos mitos que se impõem” (Freire, 2011a :129)

Neste sentido, na impossibilidade (ou na hierarquização do saber) imposta pela modernidade, “a ​educação popular emerge como um ​movimento​8 de trabalho político com as classes populares através da educação” e “pretende ser uma retotalização de todo o projeto educativo, desde um ponto de vista popular” (Brandão, 2006 : 41).

Deste modo compreendo a educação anticapitalista como educação popular, como uma ação cultural na qual a perspectiva de tempo perpétuo atestado por Kehl (2006) à modernidade, escapa ao futuro. No entanto, o futuro, só parece-me ser possível nos reconectando ao passado através da recomposição do sujeito histórico (Benjamin, 1940; Freire, 1989).

O resgate ao passado, então, é compreendido como possibilidade do futuro. Sendo neste item, importante voltar à questão da memória. Na impossibilidade de acesso às vivências comunicáveis pelas classes dominadas, dada a violenta expropriação da história dos “sem-histórias”, a educação popular assume o desafio de permitir a atualização do passado no 8 Grifo do autor.

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presente, empurrando as contradições que são sentidas diariamente como conteúdo para apreensão do curso histórico, abrindo caminho para constatar a história da sociedade como a histórica da luta de classes (Marx, 2003).

A reconstrução do passado, neste sentido, é capaz de nos reconectar ao patrimônio histórico, em referência a Benjamin (1985). Nesta perspectiva, o passado é assumido como histórico e coletivo. Freire (1989) ao dizer sobre a modernidade e as promessas do Brasil “moderno” na década de 1960, correlaciona este processo a percepção de homens e mulheres “desenraizados”, abstraídos de seu tempo e contexto.

Na perspectiva de autores/as sulamericanos e brasileiros/as o fracasso moderno é inerente à crítica contundente sobre o processo de colonização como mentalidade civilizatória profundamente violenta, imposta pela objetividade da escravidão, sendo ainda vincada não só no espaçotempo9 dos territórios colonizados como também, nos colonizadores (Quijano, 2005).

Se por um lado, a constituição do Estado moderno e a divisão social do trabalho para Dubet (1996) institui o ​self control e o sistema de controle, para Quijano (2005), a divisão racial do trabalho, imposta aos povos colonizados, representa a base de sustentação do controle e do poder através do qual permitiu o desenvolvimento do capitalismo moderno. A própria mentalidade “raça” é instituída aos povos colonizados (e aos colonizadores, como brancos) a partir do trabalho escravo e servil, denotando raça, como uma “categoria mental da modernidade” (Quijano, 2005 :117).

Portanto, a possibilidade de acesso ao passado como à história da luta de classes é a possibilidade crítica de construção do passado, permitindo a atualização do passado no presente, em referência a Kehl (2006) sobre elo passado-presente evocado na experiência.

Desta maneira, a possibilidade de construção do passado-presente é correspondente ao processo de enraizamento do homem e da mulher descritos por Freire, próprios do sujeito histórico (Freire, 1989). Nesta lógica, é possível compreender a articulação passado-presente ao cotidiano, quando “o cotidiano supõe o passado como herança. O cotidiano supõe o futuro como projeto.” (Santos, 1996 :14). Incorporando, à conexão passado-presente e cotidiano, à possibilidade do futuro, “que oferece margem para todas as nossas esperanças, exatamente porque ainda não existe” (Santos, 1996 :14).

Assim sendo, para a educação popular, o anticapitalismo significa ser profundamente anticolonial (Brandão, 2006). Os autores, Freire (1989) e Nogueira & Freire (2005) expressam o caráter histórico do desenvolvimento da educação popular na década de 60

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no Brasil, em meio ao processo de industrialização-urbanização e modificações nas correlações de força entre as classes, como uma vontade que brotou, entre educadores/as, movimentos, partidos e sindicatos organizados, em criar respostas políticas através da educação. Sendo considerada “uma base simbólica-ideológica de processos políticos de organização e mobilização de setores das classes populares, para uma luta de classes dirigida à transformação da ordem social, política, econômica e cultural vigentes” (Brandão, 2006 :45). Por consequência opondo-se às práticas sociais educativas de caráter colonizador que

“como formas operativas de poder, de controle e organização em si mesmos, programas de “desenvolvimento e educação” pretendem, em muitos casos, intervir sobre a totalidade da ordem da vida do que chamam “comunidades populares”, e ocupar ali todos os espaços tradicionais e variantes de pessoas, grupos e equipes locais” (Brandão, 2006 :36).

Para o autor supracitado, assim como especialmente para Nogueira & Freire (2005), o

quefazer da educação popular está circunscrito à potencialidade destes processos educativos

como “meios pelos quais os grupos e movimentos populares saibam melhor aquilo que eles já estão sabendo” (Nogueira & Freire, 2005 :28) em “atos grupais de conhecimento” (Nogueira & Freire, 2005 :21) em que se constitui a possibilidade de avançar qualitativamente em maiores apreensões sobre o todo da sociedade que nos/as oprime. Neste sentido, a “visão de mundo” é fundamental para Freire (2005) e, parece-me encontrar correspondência na concepção de experiência implicada à dialética sujeito cognoscente e objeto a ser conhecido dito por Adorno (1995). Estendendo o “modo” de conhecer para “como” se conhece no mundo, atribuindo à educação popular a potencialidade de formar sujeitos “sabidos” de si no mundo, conferindo, historicamente, organicidade a construção de lutas coletivas resistentes à racionalidade sistêmica que insiste os/as empurrar como “coisas”.

Por último, a educação popular não é um conjunto de conteúdos fixos impostos de cima para baixo, abstratos e mortos no tempo e no contexto, ela pressupõe o reconhecimento entre as pessoas e “o conhecimento do mundo também feito das práticas do mundo” ((Nogueira & Freire, 2005 :20), em direção à superação hierárquica entre saberes populares e eruditos inscrito na historicidade da luta de classes (Brandão, 2006).

Assim, investigar o campo dos cursinhos populares consiste em explorar o desenvolvimento de processos de conhecimento que escapam (e resistem) à racionalidade sistêmica, configurando experiências. Ou seja, a possibilidade aberta à própria experiência como um evento fundante da capacidade de produção de conhecimentos, neste contexto,

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capazes de desenvolver “fazeres” específicos e formadores de uma visão de mundo crítica e não domesticável.

1.3.2 Sobre a experiência em um contexto de educação​ ​popular

Como dito anteriormente, parto da curiosidade em perceber a contradição entre a tendência da perda de experiência na modernidade e a constatação da riqueza experiencial dada no levantamento bibliográfico sobre o Movimento de cursinhos populares no Brasil. Este levantamento compreende sobretudo trabalhos datados a partir dos anos 2000 com ênfase nas produções após a primeira década do século. É possível identificar uma dinâmica propositiva dos trabalhos em caráter temporal; o que não afirma esta tendência como regra, se não como uma das dinâmicas que constituem a compreensão sobre o campo dos CPs na academia brasileira, dando destaque ao contexto da região sudeste do país.

A priori, os trabalhos produzidos até a primeira década dos anos 2000, vão em direção à afirmar os cursinhos populares como uma alternativa histórica de reparação e reivindicação de acesso ao ensino superior público para a juventude negra e às classes populares. Desta maneira, a apreensão histórica sobre as raízes dos CPs, a identificação, a quantidade de núcleos e distribuição geográfica destes vão dando conteúdo às reflexões que afirmam os CPs no campo de disputas políticas por um projeto de educação vindo e prospectado de projetos mais amplos de sociedade. Thum (2000), Bacchetto (2003) e Mitrulis & Penin (2006) expressam esta vontade da afirmação dos CPs na cidade como uma alternativa ao acesso para o ensino superior público e simultaneamente, o início de formulações resultantes da troca de experiências e “fazeres” em comum que vão circunscrevendo o campo. Contudo, busca-se, na afirmação dos CPs como prática política reivindicativa ao acesso para o ensino superior público, formulações pedagógica próprias dos desafios desta prática, desafios estes, evocados por práticas sociais educativas também interessadas em um projeto de sociedade mais amplo e igualitário.

A partir dos trabalhos de Carvalho (2006), Carvalho ​et al. (2008) e Zago (2008, 2009), há uma preocupação em captar, sistematizar e produzir dados quantitativos às análises qualitativas sobre contexto (e contextos específico) dos cursinhos populares e seus/suas participantes, com ênfase aos/às educadores/as. Neste sentido, há um acúmulo que permeia e permite análises críticas à reformulações sobre o papel e as tarefas dos CPs vindas de uma objetividade mais concreta e específica das práticas pedagógicas. Assim, estes trabalhos, permitem proposições mais interessadas nas discussões e “fazeres” que envolvem o campo político-pedagógico do contexto, compreendendo as possibilidades e os limites produzidos até então, como dito por Zago (2008).

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Outros/as autores/as como Mendes (2011, 2015, s.d), Bonaldi (2015) e Castro (2019) aglutinam discussões de cariz histórico, político e pedagógico, no entanto, ainda enquadrando as elaborações sobre os CPs em distintos campos do conhecimento, colaborando à compreensão mais aprofundada destas práticas na amálgama social e evidenciando a diversidade de organizações, participantes e perspectivas dentro e entre os núcleos, compondo um quadro de experiências e tendências do campo dos cursinhos populares.

Outra característica que demarca os trabalhos sobre o campo dos cursinhos populares é a presença de muitos artigos e comunicações produzidos por mais de uma mão em que, os/as próprios/as autores/as, estão diretamente envolvidos no processo coletivo de fundação, organização e construção do projeto político-pedagógico. Estes trabalhos também representam o que demonstra ser, já assinalado por Mendes (2015), como uma nova configuração dos CPs após primeira década deste século, no qual os projetos estão vinculados à IES públicas em caráter de extensão universitária como é no caso de Groppo ​et al. (2019), Rimoli ​et al​. (2019), Fernandes ​et al​. (2016), Soriano ​et al. (2016), Aragão et al​. (2015), Magalhães & Matos (2015) e Carvalho & Freitas (2013).

Ainda é importante ressaltar que, nos trabalhos, reflexo da diversidade e das tendências dos CPs, há uma igual diversidade de nomenclaturas possíveis para os núcleos, determinada substancialmente pela formulação que cada CP faz sobre si no seu contexto. Portanto, “cursinho popular”, “cursinho pré-vestibular popular”e “cursinho pré-vestibular comunitário”, “cursinho pré-universitário popular” são alguns dos nomes que identificam estas práticas e a sua própria atuação. No entanto, para facilitar e em perspectiva à discussão sobre educação popular dada no item anterior designarei, neste trabalho, o conjunto do movimento de cursinhos como “popular”. Sendo assim, referindo-os como cursinhos populares (CPs), e em consonância com a seguinte análise dada por Castro (2019):

“[...] os cursinhos populares se constituem, hoje, como meio de ação contrário ao projeto hegemônico do capital, pois combatem a forma e a estrutura atual que estabelecem os acessos aos mais altos níveis de educação e que está intimamente ligado e submisso aos interesses do mercado, com a anuência do governo e a determinação política do Estado, por meio da hegemonia política cultural exercida pelo bloco histórico no poder”

1.3.2.1 O ​espaçotempo​ dos CPs

O Movimento constitui-se enquanto tal, somente a partir da década de 90, quando a inserção do movimento negro expande e pulveriza a fundação de inúmeras experiências de

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cursinhos populares gratuitos ou a baixo custo, construindo redes e retomando, dentro do debate sobre o ensino supeior, as pautas sobre o racismo e a defesa intransigente do direito à universidade pública à juventude negra (Castro, 2019). De acordo com Castro (2019), em 1997 só a rede de Pré-vestibulares para Negros e Carentes (PVNC) era composto por 57 núcleos, sobretudo localizados nas periferias do Rio de Janeiro.

A expansão dos CPs, na década de 90, parece constituir-se a partir de uma conjuntura que por um lado, compreende a universalização do ensino fundamental, ou “quase”, na concepção de Fontes (2016), e a contradição inerente ao avanço do capital, por outro, amplia as perspectivas das classes populares e em especial da população negra por acesso ao ensino superior (Castro, 2019).

No entanto, é importante salientar que apesar da expansão dos cursinhos populares concretizar-se a partir da década de 1990, existe um consenso entre os trabalhos, como Zago (2008, 2009) e principalmente, Mendes (2011, 2015, s.d.) e Castro (2019), que o que permitiu a consolidação do MCPs antecede este período, tendo, raízes difusas e que remontam desde a década de 50, compreendendo, experiências conectadas ao movimento estudantil universitário, partidos e sindicatos de trabalhadores/as (Mendes, 2011; Castro, 2019).

Castro (2019) correlaciona os anseios do movimento estudantil da época, entre o final da década de 1950 e início de 1960, inscritos no acúmulo intelectual e na intensa movimentação social que caminhavam à formulação de um projeto nacional democrático. Constando que estas primeiras experiências de cursinhos populares estavam implicadas nas inspirações deste projeto democrático.

O golpe militar, “interrompeu um debate, sobre a sociedade brasileira, crucial para a formação do Brasil como uma Nação Livre e um Estado independente” (Castro, 2019 :179). Castro (2019) também conta sobre a permanência de experiência clandestinas de CPs durante os primeiros anos do período ditatorial. No entanto, salientando a vitória do projeto modernizador para o país em contraposição ao projeto democrático inspirado no período anterior.

Outro aspecto importante a ser ressaltado é a conexão dos cursinhos populares com setores progressistas da igreja católica (Mendes, 2015; Castro, 2019). Analisando a importância das iniciativas, sobretudo as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e, mais tarde, os Agentes Pastorais Negro (APNs), somando poder organizativo para os novos movimentos sociais que emergem com força no final da década de 1970 (Castro, 2019). Neste sentido, é destacado o papel da Igreja Católica na retomada da discussão sobre racismo no Brasil, pondo em perspectiva também outros importantes movimentos que movimentaram o país, como o

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Movimento Negro Unificado (MNU), fundado em 1978 em São Paulo e o Núcleo de Consciência Negra (NCN) na USP, em 1987. O último, fundaria em 1996 o cursinho popular do NCN em atividade até hoje (Castro, 2019)

Deste cenário de reivindicação e luta de setores do movimento negro e, em especial, dos segmentos imersos a reivindicação do acesso ao ensino superior para a juventude negra, o Pré-vestibular para Negros e Carentes (PVNC), a Educafro e a UNEafro são redes que constituem-se, em diferentes momentos e perspectivas políticas, como referências para o campo dos CPs (Castro, 2019).

Todas as redes de cursinhos populares supracitadas ainda estão em atividade, sendo que em 2011 a Educafro possuía 109 núcleos na região metropolitana de São Paulo, e atualmente, o PVNC é composto por 21 núcleos, majoritariamente na cidade do Rio de Janeiro (Castro, 2019). A UNEafro 10​, por sua vez, é composta por 35 núcleos de cursinhos populares tanto no

Rio de Janeiro como em São Paulo.

Atualmente, existe um mapa dos cursinhos populares no Brasil, no qual, tanto os núcleos que pertencem às redes quanto os núcleos autônomos, podem registrar-se. Sendo, ainda em outubro de 2019, lançada uma campanha pela Frente de Cursinhos Populares de São Paulo (FCPSP) convidando os núcleos a responderem um formulário e a registrar o nome e localidade do seu núcleo no mapa. A intenção, segundo a Frente, é aproximar os núcleos que estejam em uma mesma região, bem como facilitar o deslocamento dos/as estudantes, permitindo ao/à estudante, pesquisar o núcleo de CP mais próximo de sua localidade (Frente de Cursinhos populares, 2019)11​.

Abaixo, estão imagens do mapa12​, que no entanto também encontram-se disponíveis

on-line.

10 https://uneafrobrasil.org/

11 Disponpível em: https://www.facebook.com/frentedecursinhos

(32)

Núcleos registrados no Mapa da FCPSP, Brasil.

(33)

No mapa dos CPs, constam 71 núcleos inscritos pelo país. A rede emancipa 13​,

movimento social de educação, como denominam-se, surgiu a 12 anos e indica ser composta por aproximadamente 40 núcleos em 7 estados, ocupando territorialmente todas as regiões do Brasil.

Em outro mapa, feito pela Rede Brasil Cursinhos14​, rede apoiada por diversas

instituições, fundações e empresas privadas, computa cerca de 270 cursinhos, entre “cursinhos universitários” e “outros” 15 no Brasil. No entanto, é difícil perceber qual seria o número mais

próximo de núcleos, seria necessário uma maior sistematização dos dados fornecidos pelas redes e pelos mapas para propor um número total de núcleos no país atualmente.

13 https://redeemancipa.org.br/ 14 https://brasilcursinhos.org/

15 “Outros” está designado aos cursinhos que não são parte da Rede ou não configuram como um “cursinho

universitário”, ou seja, que funciona dentro do espaço universitário. No entanto, ainda é possível verificar maiores diferenciações entre os “cursinhos universitários” e “outros”, que será adiante, na discussão, analisada.

(34)

Referências

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