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2 O ESTADO DO CONHECIMENTO E AS ESCOLHAS METODOLÓGICAS DA

3.2 Performance Musical

Compreender de fato o que entendemos neste trabalho por Performance Musical se faz necessário, considerando que encontramos na literatura atual uma série de termos utilizados como sinônimos. Performance, interpretação, reprodução, prática interpretativa, dentre outros, são alguns exemplos que encontramos comumente. Ray entende o termo como “o momento em que o músico executa uma obra musical exposto à crítica de outros” (RAY, 2005, p. 41), e esclarece que:

[...] toda performance musical exige pelo menos um agente (instrumentista, cantor ou regente) e quatro fundamentos: 1) o domínio da manipulação física do instrumento; 2) o amplo conhecimento musical do texto a ser interpretado, bem como as considerações estéticas a ele relacionadas; 3) condições de interagir com os aspectos psicológicos envolvidos no exercer da profissão e 4) condições de reconhecer os limites do seu corpo constantemente e prioritariamente no contato com o instrumento (RAY, 2005, p. 41).

A colocação de Ray (2005) detalha minimamente o processo envolvido até se chegar no resultado obtido no palco, o que vai de encontro ao entendimento de Kaminski (2017) que considera a exposição do músico como algo inevitável e entendendo a performance musical como:

[...] o resultado direto de toda a preparação do músico (instrumentista, cantor ou regente), isto é, o momento em que erros e acertos podem aparecer e passar pelo crivo da banca ou do público. A exposição é intrínseca à carreira da performance, pela qual os músicos necessitam, em muitos casos, realizar

provas para ingresso em conservatórios, orquestras e outros conjuntos instrumentais ou mesmo no decorrer de cursos no ensino formal de música (KAMINSKI, 2017, p. 19).

Cerqueira e Oliveira (2014) afirmam que a performance musical é uma atividade que requer uma série de demandas cognitivas, variando de acordo com a complexidade de cada contexto musical. Desse modo, para ocorrer o ensino é necessário dialogar com outras áreas do conhecimento humano, agregando-se a esse processo três estímulos: o visual, o auditivo e o cinestésico ou tátil. Dessa forma, o indivíduo deve direcionar sua atenção para aspectos:

- Visuais – a partitura e a posição do corpo;

- Auditivos – a afinação e o controle desejado da sonoridade, e;

- Cinestésicos - táteis – sensação corporal do contato com o instrumento e de utilizar o mínimo de esforço físico.

Os aspectos apresentados por Cerqueira e Oliveira (2014) reforçam a necessidade de atenção durante suas atividades de prática e performance, pois alinhada à complexidade do termo em si está a prática. Complementando esse raciocínio, Barry e Hallam (2002) elencam uma série de procedimentos relacionados a uma performance musical satisfatória. Dentre estes, estão a organização e o tempo de prática; estratégias cognitivas como a prática mental, o estudo analítico musical e a metacognição (que se refere à reflexão do aprendiz sobre a própria aprendizagem); sugestões sobre como iniciar o estudo de uma nova peça, como desenvolver a interpretação, memorização da peça, preparação e motivação para os estudos.

Englobando todos esses aspectos, a performance musical é uma atividade multifacetada e complexa que, a depender do enfoque na utilização de algum aspecto contemplado pelo termo, pode ser nomeada de diferentes formas. Para esta pesquisa, o termo será entendido numa perspectiva mais geral, englobando as diversas etapas que fazem parte desde o estudo e a preparação do músico para uma apresentação até a realização de um concerto(s), incluindo aspectos físicos, psicológicos, metodológicos, técnico-interpretativos e socioculturais.

3.2.1. O termo técnico-interpretativo

Para uma melhor compreensão do termo técnico-interpretativo precisamos analisar isoladamente as partes que o compõe: a técnica e a interpretação. Numa perspectiva mais geral, podemos considerar como técnica todas as ferramentas que utilizamos para atingir determinado objetivo. Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2004.), técnica é “o conjunto de processos duma arte ou ciência”.

Para nós, instrumentistas, a técnica envolve tudo aquilo que precisamos dominar na relação existente entre o performer e o seu instrumento: o caminho que percorremos para expor a nossa própria arte, expressar nossa musicalidade e alcançarmos o resultado que almejamos em nossas performances; um compromisso entre o processo de preparação e a finalidade a que deverá servir. Com isso, a ideia de algo com fim em si próprio, técnica pela técnica, não faz sentido. A finalidade é a interpretação (ARRUDA, 2016, p. 28). Dessa forma, os estudos a que somos submetidos constantemente como notas longas, flexibilidade, diferentes articulações, escalas, entre outros, são ferramentas para que possamos obter a habilidade técnica necessária às atividades interpretativas que realizamos. Como consequência, a interpretação musical se configura como o objetivo a qual a técnica está a serviço e que dá suporte aos resultados de nossas performances. Dessa forma:

“Interpretação” designa, em música, a leitura singular de uma composição com base em seu registro que, representado por um conjunto de sinais gráficos, forma a “imagem do som”. O intérprete decodifica os sinais gráficos, transformando-os de maneira mais fiel em parâmetros sonoros. Desse modo, “interpretar” está diretamente ligado à compreensão dos elementos que estruturam uma obra, como: altura, melodia, ritmo, harmonia, tonalidade e tempo musical. Outros elementos caracterizam a música como linguagem. Entre eles, estão a articulação, a pontuação, a forma e o sentido. Também o fraseado e a coesão ou coerência fazem parte desta categoria. Tudo isso demanda, de um lado, uma postura introvertida, voltada para a análise e a reflexão teórica (em sentido aristotélico de contemplação mais do que de ação), ao passo que, de outro lado, demanda a prática instrumental (ou seja, a prática interpretativa propriamente dita) (KUEHN, 2012, p, 16).

Ou seja, a interpretação se recria a cada novo intérprete e performance, não sendo possível torná-la imutável. Estando ancorada em diversos fatores subjetivos, a interpretação é construída a partir das concepções pessoais de cada intérprete, porém, o conhecimento sobre a obra, o compositor e suas características, é essencial para a constituição de uma interpretação fundamentada. Laboissière (2007, p. 16) define a interpretação musical como:

[...] atividade recriadora, na medida em que a música – arte da produção, performance e recepção individuais, arte subordinada a diferentes fatores sociais, ideológicos, estéticos, históricos e outros – caracteriza-se pela impossibilidade de reconstituir sua origem legítima, ou seja, qualquer outra imagem de estabilidade.

A partir das definições apresentadas, serão realizadas reflexões sobre os aspectos técnico-interpretativos identificados nas Orquestras de Metais Lyra Tatuí e Lyra Bragança. Dentre os questionamentos que guiaram essa reflexão, destaco: quais estudos técnicos eram/são realizados nos grupos? Como esses estudos influenciam nas apresentações? Quais

características técnicas são mais enfatizadas em cada grupo? A partir dessas perguntas norteei a minha abordagem nas partes 4 e 5 deste trabalho.